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América Latina, Dependência e Globalização

Euclides André Mance
IFIL - Curitiba, PR

Neste texto destacaremos o papel que a América Latina desempenhou como fonte de acumulação originária para o desenvolvimento do capitalismo na Europa e como as políticas neoliberais adotadas atualmente aprofundam ainda mais a sua situação de dependência frente aos capitais internacionais. 

A indústria açucareira, implantada na América Latina no período colonial, foi uma das primeiras indústrias globalizadas. Ela sintetizava elementos produtivos e experiências de três continentes diversos: a tecnologia e meios de produção advindos da Europa, a terra americana e a mão de obra africana. As mercadorias produzidas na América Latina destinavam-se aos mercados europeus. Embora não se tratasse de uma indústria tipicamente capitalista, pois valia-se da mão de obra escrava, já nascia, contudo, globalizada.

O fato de as economias latino-americanas surgirem voltadas à exportação impediu a constituição de um significativo mercado interno, de uma economia mercantil manufatureira e do desenvolvimento pleno de relações capitalistas de produção. Quando se rompeu a estrutura colonial, efetivou-se um capitalismo dependente, que se apoiava no setor exportador já existente, o qual gravitava em torno dos centros externos economicamente dominantes. Até aquele momento, a América Latina havia sido fonte de excedentes que impulsionaram o desenvolvimento das economias centrais e possuía estruturas econômico-sociais dependentes, dominadas pelas oligarquias nacionais. Após a abolição da escravatura e das independências políticas, as economias latino-americanas são integradas às economias metropolitanas sob a forma de um neocolonialismo. Em outras palavras o desenvolvimento das nações avançadas é a contraface histórica da dependência das nações subdesenvolvidas, tanto no período colonial quanto neocolonial. Mesmo com a adoção de políticas desenvolvimentistas pelos países latino-americanos no século XX, permaneceu, contudo, esta dependência frente aos países de capitalismo avançado, em particular, dos Estados Unidos no período do pós-guerra. Tal modelo desenvolvimentista, equivocadamente, compreendia de modo linear a evolução das sociedades capitalistas, desconsiderando o binômio dependência-desenvolvimento.

Teorias

A crise deste modelo está associada ao momento histórico de estagnação econômica verificado na América Latina na década de 60, quando as propostas desenvolvimentistas eram plenamente implementadas. Em sua contraposição surgem algumas teorias sobre a dependência, apontando estratégias distintas para o crescimento econômico periférico (1). Algumas propunham revoluções políticas que pusessem fim às estruturas seculares de dependência que continuam beneficiando aos países de capitalismo avançado. Outras defendiam a coordenação, pelo Estado, da solidariedade entre o capital nacional e internacional que, transformando a dependência em interdependência, traria progresso ao país, uma vez que o capital internacional - em razão da internacionalização do mercado interno - passaria a assumir responsabilidades pelo sucesso econômico de investimentos realizados na periferia. Na primeira perspectiva alimentou-se o sonho de revoluções armadas ou por vias eleitorais como condição necessária à emancipação latino-americana. No segundo viés, criticando-se a própria noção de dependência, alguns teóricos - como Fernando Henrique Cardoso - argumentaram que "... a 'internacionalização do mercado' solidariza os interesses entre classes que no momento anterior apareciam como adversas (a burguesia nacional e a burguesia imperialista e mesmo setores das classes trabalhistas e os monopólios internacionais, por exemplo)." (2). Por este caminho poder-se-ia promover o desenvolvimento acentuando-se a interdependência econômica através de uma abertura coordenada pelo Estado, sem reservas, ao movimento da globalização.

Blocos Econômicos

Nas últimas décadas, o livre fluxo dos capitais, que é propagado em toda a parte pelo neoliberalismo, promoveu o surgimento de blocos econômicos e megamercados. Embora tal movimento aumente a interdependência internacional, ele também acentua, cada vez mais, a fragilidade de um conjunto de economias que optaram pela dependência do capital externo como estratégia de desenvolvimento e que, por isso mesmo, vêm conduzindo as empresas nacionais a se fundirem com empresas internacionais ou a serem adquiridas por elas para acentuar a solidariedade de interesses entre o capital nacional e internacional. De outra parte, a comparação entre o Mercosul, o Mercado Comum Centro-Americano, o Caricom e o Pacto Andino - quatro mercados comuns latino-americanos - com a União Européia e o Nafta (ver tabela) mostra a inferioridade da posição econômica latino-americana, que resulta de uma história secular de dependência.

As crises econômicas experimentadas pelo México e Argentina, em anos recentes, e a persistência da elevada taxa de juros brasileira - remunerando especuladores financeiros há mais de quatro anos consecutivos - mostram o quanto estas economias se tornaram vulneráveis aos movimentos dos capitais internacionais que, embora não tenham pátria, sempre se refugiam nas economias seguras das nações de capitalismo avançado ao sinal de alguma crise. Mostram também que a globalização, embora gere uma maior interdependência entre países que participam de um mesmo bloco ou mercado econômico, amplia a dependência das economias latino-americanas frente ao capital internacional - tanto de empresas privadas transnacionais quanto dos grandes agentes do sistema financeiro internacional.

Quadro Comparativo entre Blocos e Mercados Econômicos em 1996

Blocos Integrantes PIB Total
(Milhões de US$)
População Total
(milhões de hab.)
PIB per capita
(em US$)
Nafta 3 Países 7.568.082 391,10 19.350,76
União Européia 15 Países 7.324.281 372,40 19.668,05
Mercosul 4 Países 859.874 207,70 4.139,98
Pacto Andino 5 Países 197.662 101,50 1.974,41
MCCA 5 Países 34.482 30,70 1.180,00
Caricom 12 Países
3 Territórios
16.135* 5,82 2.772,34

* Excluindo as Ilhas Virgens Britânicas e as Ilhas Turks e Caicos
Fontes: Banco Mundial e Fundo das Nações Unidas para a População
(3)


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NOTAS

1. Horácio CERUTTI GULDBERG. "Teoria de la dependencia - Una Doctrina ?" in: Filosofía de la Liberación Latinoamericana. México, Fondo de Cultura Econômica, 1983, p.68-112

2. Fernando Henrique CARDOSO. "Notas sobre o estado atual dos estudos sobre dependência." In: Cadernos Cebrap (11):23-47 São Paulo, 1975, p. 29

3.
Em 1996, a situação era seguinte: o NAFTA, North American Free Trad Agreement (Acordo de Livre Comércio da América do Norte), compunha os Estados Unidos Canadá e México; a União Européia compunha Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda (Países Baixos), Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Reino Unido e Suécia; o Mercosul congregava Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai; o Pacto Andino articulava Venezuela, Colômbia, Peru, Equador e Bolívia; já o Mercado Comum Centro Americano compunha Guatemala, Costa Rica, El Salvador, Honduras e Nicarágua; por fim o Caricom congregava Antígua e Barbuda, Barbados, Belize, Dominica, Granada, Guiana, Jamaica, Santa Lúcia, São Critóvão e Névis, São Vicente e Granadinas, Trinidad e Tobago, Ilhas Virgens Britânicas, Ilhas Turks e Caicos, Montserrat e Suriname. Fontes: Banco Mundial e Fundo das Nações Unidas para a População. [apud "Blocos Econômicos" in: Lucila CAMARGO (org.), Almanaque Abril 97. Editora Abril, São Paulo, 1997, pp. 173 e 472-479] e Folha de São Paulo, 17/09/96 p. 1-10.


América Latina, Dependência e Globalização
Mundo Jovem Ano 36, N. 295, p.19, abril 1999
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS


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