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Aspectos Filosóficos
das Redes de Colaboração Solidária

Euclides André Mance

Resumo.

Redes de Colaboração Solidárias são organizações sociais de caráter econômico, político e cultural, que, sob o aspecto econômico, articulam grupos de consumidores, produtores e prestadores de serviço em laços de realimentação sob parâmetros de complexidade.

Manifestando propriedades de autopoiese, intensividade, extensividade, diversidade, integralidade, realimentação, fluxo de valor, fluxo de informação, fluxo de matérias e agregação, estas redes solidárias tornam possível o aproveitamento do trabalho local em processos ecologicamente sustentáveis, gerando e distribuindo renda, e elevando o padrão de consumo de todos os participantes solidários, com a finalidade de promover o bem viver pessoal e coletivo.

Para o sucesso de redes de colaboração solidária somente se requerem as práticas do consumo e da produção solidárias. Isso significa que se tudo o que for produzido por uma unidade de produção for comprado solidariamente por cooperativas de consumidores, esta unidade produzirá um excedente que, sendo reinvestido na implantação de novas unidades produtivas, permite a geração de novos postos de trabalho, a produção de uma diversidade maior de bens e serviços e o compartilhamento da riqueza produzida sob princípios ecologicamente sustentáveis. Ao invés da concentração de capital sob a lógica capitalista, tem-se a distribuição de renda e a promoção do bem viver de todos sob a lógica da solidariedade.

Inúmeras organizações sociais, que implementam parcialmente esse modelo, praticam atualmente sistemas de financiamento, produção e comércio solidários com preocupações ecológicas e emancipatórias, entre as quais destacam-se: cooperativas de produção comunitária; o comercio équo e solidário (organizado por centrais de importação do Primeiro Mundo que lá comercializam a produção solidária realizada em países do Terceiro Mundo); os bancos éticos que financiam projetos solidários e ecológicos; os Sistemas Locais de Emprego e Comércio que, valendo-se de sistemas computadorizados ou não, permitem aos vizinhos de uma mesma comunidade intercambiar mercadorias e serviços sem valer-se de moedas ou criando moedas locais para esse fim; a Economia de Comunhão; a autogestão de empresas por trabalhadores; o movimento pelo consumo crítico; a instituição de organismos internacionais gestores de marcas que identificam aos consumidores os produtos elaborados em regime de colaboração solidária; bem como o crescimento do movimento pelo software livre, distribuindo gratuitamente tecnologias de ponta na área de informática com softwares sob regimes freeware e copyleft, como no caso do sistema operacional Linux.

Nossa conferência será dividida em duas partes. Na primeira, apresentaremos as hipóteses básicas desde as quais se constróem as propostas de redes de colaboração solidária, sistematizadas em nosso livro A Revolução das Redes. Na segunda, consideraremos alguns aspectos filosóficos subjacentes a essa concepção de transformação social, que reelabora noções de laços de realimentação (provenientes da cibernética), iteração, complexidade, padrão e diferença (peculiares à geração matemática de fractais), a noção de assimilar-se (proveniente da filosofia africana de Leopold Sedar Senghor), os conceitos de revolução molar e molecular (de Félix Guattari), as noções de ciclos, auto-organização e cadeia produtiva (provenientes da ecologia e economia), a noção de desenvolvimento cooperativo (formulada em estudos de microbiologia), a noção de tempo livre elaborada por Karl Marx, as noções de revolução e utopia em Gustav Landauer, as idéias de demanda social e reformulação política conceituadas por Arturo Roig e as noções de liberdade, libertação e consistência.


Aspectos Filosóficos das Redes de Colaboração Solidária
Semana Filosófica, PUCPR.
Curitiba, PR, junho de 1999
www.milenio.com.br/mance/aspectos.htm


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