.

Cadeias produtivas em Economia de Rede

Euclides André Mance
IFil, maio de 2000

Introdução

O objetivo principal de uma Rede de Colaboração Solidária é gerar trabalho e renda para as pessoas que estão desempregadas e marginalizadas, melhorar o padrão de consumo de todos os que dela participam, proteger o meio ambiente e construir uma nova sociedade em que não haja a exploração das pessoas ou a destruição da natureza.

Ela atua, portanto, a partir de um eixo de lutas que: a) permite aglutinar diversos atores sociais em um movimento orgânico (movimento sindical, movimento popular, ONGs, população desempregada, segmentos excluídos, etc); b) atende demandas imediatas desses atores por emprego de sua força de trabalho e por satisfação de suas demandas por consumo e qualidade de vida; c) nega estruturas capitalistas de exploração do trabalho e de expropriação no consumo; d) implementa uma nova forma de produzir e consumir compatível com uma sociedade pós-capitalista de caráter solidário e ecologicamente sustentável.

Em sua organização e funcionamento, uma Rede integra grupos de consumidores, de produtores e de prestadores de serviço. Todos se propõem a praticar o consumo solidário, isto é, comprar produtos e serviços da própria Rede para garantir trabalho e renda aos seus membros e para proteger o meio ambiente. Por outro lado, uma parte do excedente obtido pelos produtores e prestadores de serviços com a venda de seus produtos e serviços na rede é reinvestido na própria rede para gerar mais cooperativas, grupos de produção e microempresas, a fim de criar novos postos de trabalho e aumentar a oferta solidária de produtos e serviços. Isso permite incrementar o consumo de todos, ao mesmo tempo em que diminui volume e o número de itens que a rede ainda compra no mercado capitalista, evitando com isso que a riqueza produzida na rede realimente a acumulação capitalista ao girar a produção do capital pela aquisição produtos e serviços capitalistas no mercado.

Na prática, quando os consumidores realizam o consumo solidário, consumindo os produtos de uma empresa que não explora os trabalhadores e protege o meio ambiente, essa empresa vende toda a sua produção e gera um excedente, que na lógica capitalista seria lucro. Esse excedente, entretanto, na lógica da solidariedade é reinvestido na construção de novas empresas, gerando novos postos de trabalho, diversificando a produção e melhorando o padrão de consumo de todos os que participam da Rede.

Em uma Rede de Colaboração Solidária, quanto mais se reparte a riqueza, mais a riqueza dos participantes aumenta. De fato, o que gera a riqueza é o trabalho. Com o trabalho são feitos bens e serviços para atender as necessidades e desejos das pessoas. Após a comercialização desses bens, obtém-se um valor excedente. Ora, quanto mais se reparte essa riqueza gerada pelo trabalho, tanto mais as pessoas podem comprar os produtos e serviços da Rede. E quanto mais elas compram, mais oportunidade de trabalho elas geram para outras pessoas que ainda estão desempregadas. Assim, quanto mais se distribui a riqueza na Rede, mais os seus produtos são consumidos, mais oportunidades de trabalho que gera riqueza são criadas e um número maior de pessoas passa a integrar a rede como produtores e consumidores. Trata-se de um circulo virtuoso que integra consumo e produção ! Uma das melhores maneiras de distribuir essa riqueza é criar novos empreendimentos solidários e remunerar mais trabalhadores, produzindo uma diversidade maior de produtos à disposição do bem viver de todos.

Quando a rede vai crescendo ela passa a integrar inúmeros produtores e vai completando as partes das cadeias produtivas que ela ainda não integra. Por exemplo. Se um grupo produz macarrão, ele precisa comprar ovos e farinha. Pode ocorrer que na rede não haja produtores desses bens e que esse grupo tenha que comprar esses insumos no mercado capitalista. Entretanto, assim que for possível montar uma nova cooperativa ou microempresa, será dado preferência a montar-se uma granja ou moinho para produzir-se os ovos ou a farinha de trigo que são usados para fazer o macarrão. Depois se organiza a produção de milho para fazer ração e alimentar as galinhas. E assim sucessivamente, até ir completando as cadeias produtivas. Desse modo, o lucro que os capitalistas acumulavam nas diversas etapas das cadeias produtivas, agora passa a financiar o surgimento de outras cooperativas ou microempresas em favor do bem viver de todos e não apenas do enriquecimento de alguns. Com isso, progressivamente, as Redes de Colaboração Solidária vão substituindo as relações de produção, comercialização e consumo de tipo capitalista e vão criando melhores condições para o exercício das liberdades públicas e privadas de todos.

 

2. Cadeias Produtivas e Expansão das Redes

Apresentamos a seguir alguns exemplos de redes com dados levantados a partir do IBGE e de projetos de microempresas apresentados pelo SEBRAE como perfis de oportunidades de negócios ou divulgados em revistas especializadas.

Exemplo 1

Conforme a Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE realizada em 1995-1996 a despesa média mensal familiar na classe de dois a três salários mínimos é de R$ 365,33. A Tabela 1 mostra os principais gastos mensais das famílias nesta faixa de renda. Considerando os itens mais consumidos pelas famílias no segmento até 3 salários mínimos, apontamos algumas unidades produtivas que podem atender parte desta demanda (ver Tabela 2). Incluímos também nessa tabela outros empreendimentos que serão posteriormente analisados. As empresas elencadas se constituem como unidades produtivas capazes de sobreviver em meio à disputa de mercado, independentemente de ter consumidores finais motivados pelo princípio de colaboração solidária. Sob a lógica capitalista do SEBRAE e das revistas especializadas consultadas, de onde foram extraídos esses projetos, o lucro líquido é apropriado pelo proprietário, que decide se reinvestirá alguma parcela na empresa ou se a manterá nas mesmas condições. Sob a lógica da colaboração solidária, entretanto, a propriedade e gestão do empreendimento deve ser democrática e coletiva, e o que aparece na Tabela 2 como lucro líquido pode ser compreendido como um excedente que permite a expansão da rede solidária, financiando o surgimento de novas unidades de produção solidária.

Tabela 1 - Despesa Média Mensal Familiar no Brasil para Famílias com Renda Mensal de 2 a 3 salários Mínimos.

ITEM VALOR
Desembolso Global 365,33
Despesas de Consumo 330,13
Alimentação

Arroz, feijão e outros cereais

Farinhas, féculas e massas

Tubérculos e raízes

Açúcares e derivados

Legumes e Verduras

Frutas

Carnes, vísceras e pescados

Aves e Ovos

Leites e Derivados

Panificados (pão francês, biscoitos, outros)

Óleos e Gorduras

Bebidas e Infusões (Café, Refrigerante, cervejas, outros)

Enlatados e Conservas

Sal e condimentos

Alimentos Preparados

Alimentação fora do domicílio

124,00

8,76

4,87

2,05

4,38

3,52

4,98

17,90

8,41

14,75

14,52

1,79

8,32

0,63

2,27

1,11

14,69

Habitação

Manutenção do lar

Artigos de limpeza

Mobiliários e Artigos do Lar

Consertos e Manutenção de Artigos do Lar

88,61

8,26

4,09

8,79

2,29

Vestuário 20,51
Transporte 21,31
Higiene e Cuidados pessoais 6,37
Assistência à Asúde 27,32
Educação 5,21
Recreação e Cultura 4,18
Fumo 9,29
Serviços Pessoais

Cabeleireiro

Manicuro e Pedicuro

Outras

4,86

2,55

0,69

1,62

Despesas Diversas 7,97
Outras Despesas (impostos, contribuição trabalhista, etc) 10,56
Aumento do Ativo

Veículo

Aquisição de Imóvel

Reforma de Imóvel

Outros Investimentos

21,23

2,35

0,72

17,33

0,83

Diminuição do Passivo 3,41

Fonte: IBGE (1).


Uma análise da Tabela 2 possibilita algumas ponderações. Se tais unidades produtivas se mantiverem graças ao consumo e ao trabalho solidários, não haveria a disparidade apresentada entre a retirada dos sócios e a remuneração do trabalho direto. Com isso, o processo produtivo poderia ser organizado de modo tal a incorporar mais pessoas na condição de trabalhadores, multiplicando o benefício social do empreendimento ou liberando uma quantidade maior de recursos para investimento em outras células produtivas conectadas em rede. Poder-se-ia escolher as tecnologias com vistas a baratear a instalação inicial do empreendimento, facilitando a multiplicação de células, considerando sempre o bem estar dos trabalhadores e a proteção do meio ambiente. Poder-se-ia reduzir o preço dos produtos diminuindo-se o volume do lucro ou mantê-lo se os preços estiverem satisfatórios e reinvesti-lo de maneira solidária; etc. Assim, se o empreendimento não estiver voltado ao lucro, mas à promoção da colaboração solidária, é possível desenhar-se vários cenários.

 

Tabela 2 - Empreendimentos Produtivos Diversos
               - Investimento, Giro, Ocupação, Custo e Lucro (2)

Empreendimento Moeda Investimento Inicial Investimento fixo Capital de Giro Custo Fixo Retirada dos Sócios Custo da Mão de Obra Direta Mão de Obra Direta Receita Operacional Lucro Líquido
Casa de Massas Caseiras US$ 19.436,00 14.940,00 4.496,00 2.843,83

---

654,33 4 + E 17.976,16 3.934,25
Panificadora US$ 32.832,00 31.482,00 1.350,00 2.888,83 479,41* 839,58 4 + E 20.229,75 2.061,66
Rotisseria R$ 19.032,00 10.010,00 9.022,00 1.840,00 500,00 1.160,00 7 14.705,00 1.192,00
Avícolas R$ 27.809,00 17.520,00 10.289,00 620,00

---

850,00 5 16.332,00 1.875,00
Fábrica de Temperos US$ 13.530,17 2.510,00 9.790,17 1.501,00 430,00 760,00 9 22.781,25 6.202,09
Fábrica de Compotas e Geléias $ 13.533,80 7.700,00 5.556,00 1.810,00 600,00 200,00 1 + E 6.688,20 668,90
Fábrica de Sabão em Barra I US$ 4.730,88 1.414,76 2.886,04 1.678,75 954,20 349,87 3 6.664,12 467,56
Fábrica de Sabão em Barra II R$ 9.412,00 4.390,00 5.022,00 880,00 250,00 560,00 4 9.073,00 1.533,00
Ind.Produtos Higiene e Limpeza $ 23.989,95 2.440,00 20.523,76 4.401,81 1.500,00 900,00 5 28.600,00 2.796,53
Confecção de Malhas R$ 20.754,00 8.560,00 12.194,00 2.500,00 360,00 790,00 6 19.874,00 1.610,00
Marcenaria - I R$ 10.046,00 5.450,00 4.596,00 1.050,00 105,00 400,00 3 9.128,00 1.233,00
Marcenaria - II US$ 22.407,69 11.946,00 8.424,63 1.943,70 660,00 1.375,00 3 19.515,66 3.991,88
Coletores de Energia Solar US$ 24.668,00 11.696,00 10.730,00 1.590,00 602,00 552,00 2 19.509,00 2.194,00
Fábrica de Blocos R$ 15.724,00 6.030,00 9.694,00 860,00 210,00 330,00 3 14.558,00 1.353,00
Reciclagem de Papéis $ 11.069,86 4.250,00 6.495,10 5.175,10 1.800,00 600,00 2 7.840,00 1.183,80
Farmácia e Drogaria $ 62.750,09 19.580,00 32.481,00 3.229,53 950,00 600,00 2 + E 38.000,00 4.446,47
Frango para corte US$ 26.283,38 20.098,53 4.933,26 1.709,36 1.200,00 375,00 4 18.513,78 2.499,36
Carrinho de Cachorro Quente R$ 4.255,61 2.986,80 1.268,81 1.539,86 600,00 150,00 1 + E 2.678,40 355,86
Açougue $ 12.369,81 5.490,00 6.552,20 2.292,00 700,00 300,00 1 + E 6.368,50 627,79
Minimercado $ 31.147,12 16.550,00 5.597,12 6.000,00 1.600,00 400,00 1 + 2E 38.267,10 2.491,77

* Incluímos aqui este valor, referente à remuneração do empreendedor que trabalha na administração, portanto, mão de obra indireta. Não foram computados os encargos sociais.
Fonte: SEBRAE e Pequenas Empresas & Grandes Negócios (Ver Bibliografia ao final)

Se for criada uma rede de reinvestimento do excedente, com o excedente de uma unidade sendo utilizado para a instalação de novos e diversos empreendimentos, cujos excedentes são somados para novos investimentos, têm-se um rápido crescimento da rede. Compare o Lucro Líquido mensal dos empreendimentos elencados na Tabela 2 e o Investimento Inicial necessário para a montagem das diversas empresas. Tomando-se hipoteticamente como célula inicial a Casa de Massas Caseiras, poderíamos ter o seguinte percurso. Com o seu excedente, em um mês e meio, monta-se uma Fábrica de Sabão; a partir daí, com o excedente de ambas, em três meses e meio monta-se uma Fábrica de Blocos. Com o excedente gerado pelas três empresas, em apenas quatro meses e meio seria possível instalar uma Indústria de Produtos de Higiene e Limpeza. Somando-se o excedente desta ao das demais unidades já instaladas, poder-se-ia montar uma confecção em 2 meses e meio.

Assim, em um ano, com um capital inicial de US$ 19.436,00 – praticando-se o consumo e o trabalho solidários – geram-se 24 empregos diretos, a rede passa a ter um patrimônio de US$ 38.834,00 e um excedente mensal líquido de US$ 10.160,00.

Este tipo de reinvestimento implica uma consciência solidária bem elaborada por parte de todos, destacando-se que o objetivo maior da rede é gerar melhores condições de vida para o maior número possível de pessoas e não apenas para alguns, pois, se assim fosse, o excedente produzido seria repartido entre os que já trabalham nas unidades instaladas, ao invés de gerar-se novas oportunidades de trabalho e de consumo para os que ainda estão excluídos das condições básicas de vida. O conjunto das unidades produtivas necessita formar um rede para decidir sobre os movimentos de expansão. Quanto mais democráticas, transparentes e participativas forem as tomadas de decisão, mais sólido será o crescimento da rede.

Além do reinvestimento do excedente, é fundamental remontar as cadeias produtivas, circulando diversos materiais - como insumos ou produtos finais - entre os empreendimentos. Com isso, o movimento de enriquecimento coletivo é bem maior. Assim, por exemplo, uma marcenaria produziria todos os móveis necessários à fábrica de blocos. Ambas produziriam a infra-estrutura elementar para a fábrica de produtos de higiene e limpeza e assim sucessivamente. Por outra parte, todos utilizariam sabões, detergentes, desinfetantes e outros produtos fabricados na própria rede. Isto teria duas conseqüência práticas: a) parte do investimento inicial das novas unidades produtivas seria coberto com produtos das unidades já existentes; b) a instalação e funcionamento de novas unidades produtivas ampliariam o consumo de certos produtos finais elaborados nas demais unidades. Assim, além de uma rede do reinvestimento do excedente, têm-se o cadenciamento das células (a estruturação de cadeias produtivas no interior da rede) fazendo com este reinvestimento potencialize a própria produção das células já existentes. Sob esta perspectiva, a expansão da rede necessita considerar as suas próprias demandas definindo, a partir delas, que novas unidades devem ser instaladas. Considerando o estágio hipotético dessa rede, que tomamos como exemplo, talvez fosse conveniente organizar-se uma célula de prestação de serviços construtivos, hidráulicos e elétricos; uma célula que atendesse aos serviços de contabilidade; uma fábrica de embalagens; uma célula de transporte de cargas, etc.

Exemplo 2

Uma rede pode ser montada e expandir-se a partir da reorganização de atividades já existentes, mesmo sem aumentar-se o faturamento dos empreendimentos que atuam na ponta da cadeia produtiva, isto é, atendendo a um mesmo volume de demanda por produto final. Neste segundo exemplo, analisaremos o que ocorre com a organização de uma rede integrando, inicialmente, 120 vendedores de cachorro-quente, tomando por base um projeto do SEBRAE também indicado na Tabela 2.

Para que este empreendimento gere o excedente projetado no livreto do SEBRAE, ele deve operar 30 dias por mês, vendendo a cada dia, em média, 32 cachorros-quentes, 52 refrigerantes e 5,6 águas minerais.

Considerando o volume de aquisição mensal de insumos de 120 carrinhos de cachorro-quente que mantém esse padrão, temos o seguinte quadro. Ver Tabela 3

Totalizando os valores temos que o custo Mensal Médio de Aquisição de Mercadorias para 120 carrinhos alcança um valor de R$ 148.776,00

Separando esses itens por grupos, temos o seguinte o volume mensal de aquisição. Os insumos que podem ser adquiridos em minimercados somam R$ 115.800,00. Outro item, a salsicha, que pode ser comprado em açougue, soma R$ 18.000,00. Por sua vez, a demanda por pães totaliza R$ 14.976,00. A batata-palha soma R$ 13.680,00; o gelo em barra, R$ 6.800,00. Por fim, os condimentos e molhos (exceto sal) somam R$ 9.771,50.

Ora, conforme outros projetos do SEBRAE (ver bibliografia final), o faturamento necessário para a operação de um minimercado é de R$ 38.267,10; para um pequeno açougue é de R$ 6.368,50 e para uma padaria é de R$ 12.271,00. Assim, a rede que se inicia com os 120 carrinhos de cachorro-quente tem condições de manter, apenas com seu volume de aquisição mensal, 3 minimercados, 2 açougues e uma padaria - uma vez que a aquisição de insumos por esses carrinhos é superior ao faturamento necessário à manutenção desses empreendimentos operando com a margem de excedente prevista. Além disso essa rede poderia montar também cooperativas para fritar batatas que faturariam R$ 13.680,00 por mês, para fazer gelo, faturando R$ 6.800,00 por mês e para produzir molhos, faturando R$ 9.771,50 (ver Tabela 4). Com isso, o lucro que era acumulado pelos capitalistas nestes segmentos da cadeia produtiva, agora passa a realimentar a própria rede sob o controle total dos trabalhadores. Assim, além do lucro de R$ 42.703,40, referente aos 120 carrinhos de cachorro quente (segundo o projeto do SEBRAE), têm-se a soma dos lucros dos 4 minimercados, 2 açougues e de uma padaria, totalizando-se R$ 56.631,06 (ver Tabela 5).

 

Tabela - 4 - Faturamento Projetado para Empresas Fornecedoras,
                   Demanda Apresentada por 120 Carrinhos de Cachorros Quentes,
                   Número de Empresas Mantidas por Cadenciamento

É preciso compreender que o valor de R$ 1,60 pago pelo consumidor por um cachorro-quente é o que permite não apenas girar a produção das empresas que vendem a salchicha, o pão, a maionese, etc., mas também lhes garante a conversão do valor de uso e troca desses produtos (gerado pelos trabalhadores dessas empresas) em valor econômico, do qual uma parcela se configura como lucro. Assim, é o consumo final do cachorro-quente o que garante às empresas, cujos produtos são consumidos na ponta dessa cadeia, faturar e apurar o lucro com essa parcela de produtos consumida. Entretanto, na medida em que a Rede vai remontando esta cadeia produtiva, criando minimercados, açougues, padarias, produção de gelo, fábrica de embutidos, etc, o lucro que anteriormente era acumulado pelos capitalistas nesses segmentos da cadeia produtiva, passa a realimentar a expansão da própria rede. A Tabela 5 mostra que o lucro, anteriormente apurado pelos capitalistas donos dos minimercados, açougues, padarias, etc., fica agora no interior da própria rede, passando a realimentar a sua expansão de maneira auto-sustentável.


Tabela
5 - Lucros Líquidos Mensais dos Empreendimentos:

Em outras palavras, uma Rede que se inicia com carrinhos de cachorro quente (capazes de gerar um certo percentual mensal de excedente), pode crescer reinvestindo coletivamente seus excedentes e montado novos empreendimentos, remontando a cadeia produtiva do próprio cachorro-quente (veja-se a Figura 1). Cada novo empreendimento que entra em operação aumenta o volume de excedentes obtidos, facilitando a implantação de mais um novo empreendimento.

Assim, vendendo-se a mesma quantidade de cachorro-quente, pode-se ampliar o número de trabalhadores integrados na Rede, o número de empreendimentos produtivos solidários, o volume de renda distribuído na rede em remuneração do trabalho, os excedentes gerados na rede e o seu patrimônio. Desse modo, mesmo sem aumentar a quantidade de produtos finais vendidos na ponta da cadeia produtiva a rede continua crescendo porque vai remontando solidariamente a própria cadeia produtiva daquele produto.


Figura 1-
Cadeia Produtiva do Cachorro Quente: Empreendimentos Fornecedores de Insumos

Cabe destacar que se o produtor final (vendedor de cachorro-quente) e os fornecedores diretamente vinculados a ele (minimercado, açougue, padaria) conseguem faturar o suficiente para a manutenção dos empreendimentos, ocorrendo o mesmo com alguns outros fornecedores intermediários dessa cadeia (batata-palha e gelo), o mesmo já não ocorre com os fornecedores que estão na base dessa cadeia produtiva do cachorro quente - uma vez que o volume faturado com vendas nessa cadeia é insuficiente para a auto-sustentação do empreendimento.

É preciso pois diversificar a oferta de produtos finais de modo que esses empreendimentos de base possam estar integrados em várias cadeias produtivas solidárias. Desse modo, criam-se as condições requeridas para suplantar progressivamente as relações de acumulação capitalista e introduzir relações de produção e consumo solidárias, compartilhando os excedentes produzidos, gerando novas oportunidades de trabalho, incrementando o consumo de todos os participantes e gerando uma grande diversidade de produtos e serviços que garantam o bem viver de todos os que praticam o trabalho e o consumo solidário, expandindo os horizontes das liberdades públicas e privadas.

________________________________________________

Notas:

1. IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares, 1995-1996. Rio de Janeiro, IBGE, 1997

2. Os dados levantados a partir do SEBRAE referem-se a números hipotéticos gerados a partir de estudos técnicos sobre empreendimentos na área. Os dados advindos da revista Pequenas Empresas - Grande Negócios, consideram unidades produtivas em funcionamento quando da publicação da matéria. Alguns dados foram adaptados. O interessado em organizar alguma unidade produtiva destas deve, contudo, fazer um novo levantamento de dados a partir da realidade concreta onde a empresa será montada. Esclareçamos o caráter das colunas. Empreendimento:- unidade produtiva a ser instalada. Moeda - alguns livretos do SEBRAE apresentam projetos orçados em moeda nacional e em dólares, outros apenas em reais e outros sem indicação de moeda específica. Para uma compreensão geral apropriada à análise que faremos, todas as cifras apresentadas nesta tabela podem ser considerados, grosso modo, como expressão de unidades de dólar, se considerarmos a estabilidade relativa e a certa paridade do câmbio no período em que foram elaborados esses estudos. Investimento Inicial: é a soma do investimento fixo, do capital de giro e, em alguns projetos do SEBRAE, de uma reserva técnica. Investimento Fixo: composto pela aquisição de máquinas, equipamentos, móveis, utensílios e instalações necessárias. Capital de Giro: engloba gastos mensais com materiais diretos, mão de obra direta e custo fixo. (No caso do carrinho de cachorro-quente, prevê-se a aquisição de mercadorias para um giro de 15 dias). Custo Fixo: são despesas que independem do volume de produção ou do faturamento, tais como, aluguéis de imóveis e outros, retirada dos sócios, salários, depreciação de móveis e equipamentos, despesas de manutenção, honorários de contador, etc. Retirada dos Sócios: remuneração recebida pelos sócios da empresa em razão de seu trabalho; está incluído no valor a parcela referente ao recolhimento de impostos devidos. Custo de Mão de Obra Direta: o que é pago aos trabalhadores em salário sem incluir os encargos sociais. Mão de Obra Direta: a equipe de trabalhadores diretamente ocupados. A letra E indica que o Empresário trabalhará diretamente junto à produção ou na loja em que se vende o produto. Receita Operacional: trata-se do valor bruto das vendas do período ou faturamento. Lucro Líquido: é a diferença entre a receita operacional e o custo total que, por sua vez, se compõe do custo de matérias-primas, despesas de comercialização, mão de obra direta e custos fixos. Por fim cabe destacar que sob a perspectiva de uma Rede de Colaboração Solidária, o lucro líquido é considerado um excedente a ser reinvestido na expansão dela mesma e também na redução da jornada de trabalho dos seus participantes. Além disso saliente-se ainda que os valores referentes a custo de mão de obra direta e retirada dos sócios (excluindo-se os encargos sociais) seriam compartilhados igualmente entre todos os trabalhadores da célula e que tais recursos podem realimentar a rede produtiva quando estes praticam o consumo solidário dos bens e serviços que ela disponibiliza.

 

Referências Bibliográficas:

IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares, 1995-1996. Rio de Janeiro, IBGE, 1997

MANCE, Euclides André. A Revolução das Redes - A Colaboração Solidária como uma Alternativa Pós-Capitalista à Globalização Atual. Petrópolis, Editora Vozes, 2.000

SEBRAE-PR. Casa de Massas Caseiras. Curitiba, SEBRAE-PR, 1995;

SEBRAE-PR. Panificadora. Curitiba, SEBRAE-PR, 1995;

"Monte a sua Rotisseria". Pequenas Empresas - Grandes Negócios. Ano V, N. 7, maio de 1995, p. 84-87;

"O Potencial das Avícolas". Pequenas Empresas - Grandes Negócios. Ano V, N. 7, maio de 1995, p.74-78

SEBRAE. Como Montar Fábrica de Temperos. Brasília, Ed. SEBRAE, 2a ed.,1994;

SEBRAE-SP. Como Montar Uma Fábrica de Compotas e Geléias. São Paulo, SEBRAE-SP, 1997;

SEBRAE. Como Montar Fábrica de Sabão em Barra. Ed. SEBRAE, 2a ed.,1994;

"Produção de Sabão". Pequenas Empresas - Grandes Negócios. Ano V, N. 7, maio de 1995, p.110-113;

SEBRAE-SP. Como Montar Uma Indústria de Produtos de Higiene e Limpeza. São Paulo, SEBRAE-SP, 1997;

"Confecções de Malhas". Pequenas Empresas - Grandes Negócios. Ano V, N. 7, maio de 1995, p.171-175;

"Marcenaria". Pequenas Empresas - Grandes Negócios. Ano V, N. 7, maio de 1995, p.142-145;

SEBRAE. Como Montar Marcenaria. Brasília, Ed. SEBRAE, 1996;

SEBRAE. Como Montar Indústria de Coletores de Energia Solar. Ed. SEBRAE, 1994

"Fábrica de Blocos". Pequenas Empresas - Grandes Negócios. Ano V, N. 7, maio de 1995, p.133-136;

SEBRAE-SP. Como Montar Uma Reciclagem de Papel. São Paulo, 2a ed, SEBRAE-SP, 1996;

SEBRAE-SP. Como Montar Uma Farmácia e Drograria. São Paulo, SEBRAE-SP, 1996

SEBRAE-CE. Carrinho de Cachorro Quente - Perfil de Negócio. Fortaleza, SEBRAE, 1996.

SEBRAE-SP. Como Montar Um Minimercado. São Paulo, SEBRAE-SP, 1996

SEBRAE-SP. Como Montar Um Açougue. São Paulo, SEBRAE-SP, 1997

 


Cadeias Produtivas em Economia de Rede
Revista Candeia, Ano 1, N. 1, p.18-24, segundo semestre de 2000
IFAS, Goiânia, GO
www.milenio.com.br/mance/economia.htm


[ Página Inicial [Títulos Disponíveis]

.