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A Revolução das Redes - A Colaboração Solidária
como Uma Alternativa Pós-Capitalista à Globalização Atual.

Euclides André Mance
IFIL, dezembro, 1998


Uma hipótese a ser investigada

Apresentamos neste texto algumas hipóteses que vem sendo investigadas por pesquisadores do Instituto de Filosofia da Libertação sobre a viabilidade da colaboração solidária como estratégia para organização de uma sociedade pós-capitalista, baseada na implantação de redes que conectam unidades de produção e de consumo, em um movimento recíproco de realimentação, permitindo a geração de emprego e renda, o fortalecimento da economia e do poder locais, bem como, uma transformação cultural, com a afirmação de uma ética e de uma visão de mundo antagônicas não apenas ao neoliberalismo mas ao próprio capitalismo. Se as hipóteses em estudo - aqui sinteticamente apresentadas - forem consistentes, então é possível dar-se início a redes de colaboração solidária locais, regionais e mundial, construindo-se uma viável alternativa pós-capitalista à globalização em curso, gerando-se emprego e distribuição de renda e promovendo-se o crescimento ecológica e socialmente sustentável..

A Exclusão do Consumo

Conforme dados do último relatório do Programa de Desenvolvimento Humano da ONU intitulado Consumo para o Desenvolvimento Humano, enquanto os 20% mais ricos da população mundial são responsáveis por 86% do total de gastos em consumo privado, os 20% mais pobres respondem apenas por 1,3%. Conforme o documento, "bem mais de um bilhão de pessoas estão privadas de satisfazer suas necessidades básicas de consumo" (1) . Por outro lado, as 358 pessoas mais ricas do mundo, já em 1993, possuíam ativos que superavam a soma da renda anual de países em que residiam 2,3 bilhões de pessoas, isto é, 45% de toda a população do mundo (2) . Considerando-se este quadro, pode-se afirmar que o movimento capitalista de acúmulo e reinvestimento em busca do maior volume de lucro está levando o sistema ao ápice de concentração. Tal concentração é gerenciada por algumas centenas de mega-conglomerados transnacionais que graças à automação, informática e biotecnologia dependem cada vez menos de trabalho vivo para realizar o processo produtivo, gerando um volume de lucro cada vez maior para os que dominam maiores fatias do mercado e barateando cada vez mais as mercadorias. A lógica da concentração, entretanto, faz com que haja cada vez menos mercado consumidor para adquirir tais produtos e que menos recurso seja distribuído na forma de salário, tendo-se uma multidão de excluídos cujo potencial de trabalho já não mais interessa ao capital. Esta exclusão econômica e social tem levado parcelas da sociedade civil a buscar alternativas que atendam as necessidades dos marginalizados, ensejando o surgimento de inúmeras unidades produtivas comunitárias de pequeno porte. Além de encontrar soluções de geração de emprego e renda que satisfaçam as demandas de consumo dos excluídos, trata-se, com efeito, de consolidar uma nova sociedade baseada na colaboração solidária, como forma de uma nova organização econômica, política e cultural pós-capitalista, cuja construção pode ser iniciada, entretanto, desde já e em toda a parte, se as hipóteses do presente estudo estiverem corretas.

O Consumo Solidário

A viabilidade da produção econômica solidária e da afirmação prática desta alternativa pós-capitalista está diretamente vinculada à difusão do consumo solidário. Podemos distinguir quatro tipos de consumo: alienante, compulsório, em razão do bem viver e solidário. a) O consumo alienante é praticado massivamente na atual sociedade capitalista por uma parcela da população que busca nas mercadorias qualidades que lhes são vinculadas pelas publicidades e modismos. Desejos, anseios, angústias, medos e necessidades são modelizados semioticamente de tal modo que o consumo de certos produtos de certas marcas passa a ser considerado como a melhor opção para alcançar a felicidade e a realização humana. b) Outra parcela da sociedade, entretanto, pratica o consumo compulsório. Trata-se dos pobres e excluídos, subempregados, desempregados que não dispõem de recursos para consumir os produtos de grife ou as marcas famosas e caras. Premidos pela necessidade, buscam maximizar o poder de consumo dos poucos recursos que têm. Nos casos mais dramáticos, reviram as latas de lixo nos centros urbanos em busca de restos de comida ou agasalhos que satisfaçam suas necessidades. Os trabalhadores pobres, por sua vez, "esticam o salário" buscando comprar o que é essencial e mais barato, primando mais pela quantidade de produtos adquiridos com a mesma quantia de dinheiro do que pela sua qualidade propriamente dita. No estrato um pouco mais elevado, por sua parte, os consumidores passam sempre a jogar com os critérios de quantidade e qualidade considerando sempre a mesma quantia de recursos que podem dispor para realizar suas compras. Todos estes, entretanto, têm como ideal de consumo o consumo alienante, e se pudessem comprariam os produtos identificados com o consumo de elite, buscando destacar-se socialmente. c) Já no caso do consumo como mediação do bem viver, menos importa as aparências e imaginários produzidos pelas mídias do que a satisfação das necessidades pessoais, a preservação da saúde e do bem estar pessoal e coletivo, bem como, o refinamento dos prazeres possibilitados pelo consumo, uma vez que as necessidades pessoais variam conforme a singularidade de cada um. As pessoas que praticam o consumo como mediação do bem viver não seguem ondas consumistas, não se deixando levar pelas publicidades e seus engodos. A prática deste consumo requer, todavia, a elaboração de critérios avaliativos a partir dos quais selecionam-se os objetos - dentro das possibilidades de consumo de cada um - tendo em vista contribuir com a singularização de cada pessoa e a preservação dos ecossistemas. Este consumo, quando estamos em meio a uma sociedade de excluídos, pode converter-se em um consumo solidário, visando contribuir socialmente com o bem viver de toda a coletividade. d) O consumo solidário, assim, ocorre quando a seleção do que consumimos é feita não apenas considerando o nosso bem viver pessoal, mas também o bem viver coletivo, uma vez que é no consumo que a produção se completa, e que este tem impacto sobre todo o ecossistema e sobre a sociedade em geral. Em outras palavras, as escolhas de consumo influenciam tanto na geração ou manutenção de postos produtivos em uma dada sociedade (quando se consome os produtos nela elaborados), na preservação de ecossistemas (quando se consome produtos de empresas que adotam a reciclagem de materiais, o combate à poluição, etc), enfim, na promoção do bem estar coletivo da população de sua comunidade, de seu país e do planeta. Por outra parte, as escolhas de consumo também podem gerar desemprego local, colaborar na destruição de ecossistemas e na extinção de espécies vegetais e animais, na produção cada vez maior de lixo não biodegradável, no aumento da poluição e na piora da qualidade de vida da população de sua comunidade, de seu país e do planeta como um todo.

As Redes de Colaboração Solidária em sua Dimensão Econômica.

Se considerarmos que as unidades produtivas comunitárias já existentes - que produzem gêneros alimentícios, peças de vestuário, produtos de higiene e limpeza, entre outros - podem crescer em razão de todos os produtos por elas elaborados serem consumidos solidariamente pelos que praticam o consumo voltado ao bem viver ou o consumo compulsório, podemos, então, desenhar - sob o paradigma da complexidade - a organização econômica de uma Rede de Colaboração Solidária, conectando tais unidades em cadeia produtiva, cuja produção estaria voltada a atender demandas de células de consumo solidário, gerando-se assim emprego local e distribuindo renda sob um modelo ecologicamente sustentável que, em razão do reinvestimento de parte do excedente, pode, progressivamente, reduzir a jornada de trabalho de todos e elevar igualmente o tempo livre e o padrão de consumo de cada pessoa.

Os elementos básicos desta Rede são as a) Células de consumo (grupos de compras comunitárias, por ex.) e de produção (pequenas unidades produtivas cooperativadas, por ex.), b) as Conexões entre elas e c) os Fluxos de materiais, de informação e de valor que circulam através da rede. As propriedades básicas da Rede são: a) Autopoiese - a qualidade que ela tem de reproduzir-se a si mesma na medida em que é capaz de produzir os bens ou valores necessários para satisfazer suas próprias demandas e um excedente que lhe permite expandir-se, incorporando mais pessoas e aumentando, assim, a demanda produtiva. b) Intensividade - trata-se da qualidade de envolver o maior número possível de pessoas tanto no consumo quanto na produção solidárias. c) Extensividade - trata-se da propriedade de gerar novas células de produção e de consumo em regiões cada vez mais longínquas possibilitando chegar até elas os fluxos de matérias, informação e valor necessários a promover desenvolvimento local auto-sustentável. d) Diversidade - refere-se a produzir a maior diversidade possível de bens visando satisfazer as necessidades e desejos de todos os consumidores solidários, buscando produzir tudo o que eles ainda consumam do mercado capitalista em função de seu bem viver ou como insumos necessários ao processo produtivo. e) Integralidade - significa que cada célula, através da rede, está conectada a todas as outras células, sendo afetada pelo crescimento das demais ou por seus problemas e dificuldades, apontando-se, assim, a necessidade de um crescimento organicamente sustentável da rede como um todo em razão do que se dimensiona a composição orgânica da cada célula em particular, isto é, a incorporação de tecnologia em sua relação com o trabalho vivo empregado. f) Realimentação - o fato de que uma célula demanda produtos e serviços de outras, o que permite o crescimento sustentável de todas, isto é, da rede como um todo. Quanto maior o número de células com maior intensividade, maior é a realimentação da rede. g) Fluxo de Valor - significa que o valor econômico produzido em cada etapa da cadeia produtiva circula pela rede, podendo nela se concentrar ou dela evadir-se. Isto é, quando uma célula produtiva compra insumos do mercado capitalista (uma fábrica de macarrão compra ovos no mercado capitalista, por ex.), uma certa quantidade de valor sai da rede realimentando o giro capitalista. Entretanto, se uma nova célula que produza aquele insumo for criada em conexão com as demais (uma granja que supra a demanda por ovos), então aquele valor (gasto, neste exemplo, no consumo de ovos) permanece realimentando a produção de outra célula da rede. Por outro lado, se o que for produzido na rede for consumido por parcelas mais amplas da sociedade (vender macarrão e ovos para fora da rede, por ex.), então o volume de valor que resulta desse processo se concentra na realimentação da rede. O excedente de valor produzido pela rede pode ser utilizado para criar novas unidades produtivas que satisfaçam as demandas produtivas ou de consumo final dela mesma (uma unidade que produza trigo para o macarrão e ração para as aves, por ex., ou novos produtos finais que a rede consome mas que ainda não são produzidos por ela mesma). h) Fluxo de Informação - isto significa que todo o conhecimento gerado na rede está disponível em qualquer célula. Assim, se por extensionalidade uma nova célula for criada em um local distante, a partir dela é possível que a comunidade tenha toda a informação necessária para replicar qualquer uma das células já existentes, possibilitando realizar a intensividade ampliando as possibilidades de emprego e renda local, melhorando o padrão de consumo de todos os envolvidos na colaboração solidária. i) Fluxo de Matérias - significa que o que é produzido em uma célula pode ser consumido como insumo produtivo ou como produto final por outras células, de modo que uma realimenta outra. Com o desenvolvimento da rede, a tendência é que ela chegue a formar cadeias produtivas completas ou semi-completas. j) Agregação - trata-se da propriedade de redes locais se integrarem em redes regionais, de redes regionais se integrarem em redes internacionais e de redes internacionais se integrarem em uma rede mundial de colaboração solidária. Cada agregação fortalece a rede ampliando a diversidade de ofertas de produtos, aumentando a demanda deles e totalizando um volume maior de excedente, que pode ser aplicado na criação de novas células, ampliando a extensividade, isto é, a capacidade de expansão da rede em razão do maior fluxo de valor e especialmente de informação, com um banco de dados muito maior de células adaptáveis às diversas realidade locais.

A Gestão da Rede

A gestão da rede deve ser necessariamente democrática, pois a rede depende da colaboração solidária, o que supõe a adesão e participação livre de cada pessoa. Entre outros aspectos têm-se: a) Descentralização, uma vez que não há um núcleo central e que a partir de cada célula novas redes complexas podem se construir; b) Gestão Participativa, uma vez que todos os trabalhadores e consumidores participam nas decisões sobre o surgimento de novas células, sobre o que deve ser produzido, sobre o reinvestimento do excedente, etc; c) Coordenação, eleita democraticamente pelas células com mandato revogável; d) Regionalização, com as instâncias democráticas organizando-se desde as células de consumo até às instâncias regionais e mundial.

Tipos de Células

A rede compõe basicamente três tipos de células. a) Células de Consumo - grupos de consumidores que se organizam em sistemas de compras comunitárias, comprando mercadorias direto dos fornecedores, suprimindo atravessadores e barateando o custo final de suas compras. Estas células dão preferência ao consumo do que é produzido na rede, comprando no mercado capitalista somente o que a rede não produz satisfatoriamente ao bem viver dos consumidores. Novas células produtivas são organizadas para atender as demandas que a rede ainda não satisfaz. Outros tipos de células de consumo, distintas das compras comunitárias, podem ser organizadas. b) Células de Produção - tratam-se de unidades produtivas, sejam micro-empresas de porte similar aos padrões do SEBRAE, sejam unidades de produção doméstica e artesanal, cuja qualidade do produto permita satisfazer o bem viver do consumidor. Estas células geram produtos finais ou insumos produtivos. Elas também consomem Matérias Produtivas (insumos que fazem parte do produto final), Matérias de Manutenção (outras matérias necessárias à manutenção da atividade produtiva, mas que não compõem o produto final) e Força de Trabalho, gerando, pois, emprego local. c) Células de Serviço - células prestadoras de serviço, no sentido terciário da expressão, que podem ser, de assessoria técnica, administrativa e contábil, qualificação profissional e produtiva, etc. Aqui também se incluem todas as ONGs que atuam com educação popular e outros tipos de atividade de colaboração solidária.

Fases no Surgimento de Novas Células

Quando algumas células já se conectaram em rede, o surgimento democrático de novas células passa por algumas fases: a) Projeção, quando a proposta de incorporar uma nova célula é feita ao conjunto dos participantes da rede. b) Avaliação - fase em que o conjunto dos participantes analisa se o novo bem a ser produzido é do interesse da rede de consumidores e produtores, se o custo produtivo, o preço final e o volume do bem a ser efetivado são compatíveis com a autopoiese da rede. Considerando a avaliação coletiva, a coordenação aprova ou rejeita a realização da nova célula. c) Realização - período em que a nova célula aprovada estará sendo efetivada até que seja de fato incorporada, quando efetivamente passa a oferecer produtos e ampliar a demanda por consumo produtivo e final.

As células podem surgir por quatro movimentos. a) Geração espontânea - quando quaisquer pessoas (alguns desempregados, por exemplo) movidos pela livre iniciativa solidária propõem o surgimento de uma nova célula que produza algum bem qualquer. b) Cadenciamento - trata-se do surgimento de uma nova célula que visa produzir um insumo para uma outra célula, permitindo que o fluxo de valor realimente o próprio crescimento da rede. c) Fissão - que ocorre quando uma célula passa a produzir insumos ou produtos finais que alimentam muitas outras células, tornando-se necessário - para uma estratégia segura de crescimento da rede - fracionar esta célula, isto é, criar uma outra célula similar preferencialmente mais próxima à região de um conjunto de células consumidoras daquele produto. Deste modo a produção que era efetivada por uma determinada célula é agora efetuada por mais células. Caso ocorra algo inesperado com aquela célula que estava hiperconectada - um incêndio criminoso ou a cooptação capitalista dos trabalhadores que nela atuam - a produção de insumos e garantia de produtos finais que realimentam a rede podem ser supridas elevando-se temporariamente a produção em outras células similares. d) Reconversão de sistema - trata-se de microempresas capitalistas que não conseguindo competir no mercado capitalista (porque não dispõem da melhor tecnologia) e não tendo a vantagem de escoar toda a sua produção com o consumo final solidário, acabam se endividando ou exigindo do proprietário um sobretrabalho intenso para manter o seu negócio, levando-o a optar, por fim, em converter sua unidade produtiva ao sistema de colaboração solidária, abandonando a idéia de acumular lucro privado, preferindo participar do bem viver progressivo que a rede vai gerando aos que nela se integram. Na fase final de expansão da rede, grandes unidades produtivas também serão convertidas ao sistema de colaboração solidária, contribuindo para reduzir a jornada de trabalho de toda a rede e ampliar o tempo livre para o bem viver.

Dinâmica das Células

Cada célula possui um Grau de Conectividade com as demais. Células hiperconectadas necessitam ser fracionadas, garantindo crescimento seguro à rede. A Produção realizada pelas células produtivas pode ser analisada considerando-se o valor de reposição, isto é, o valor que a célula necessita produzir para atender as demandas de sua própria reposição como célula e o valor excedente, isto é, o valor a mais (considerado lucro sob o sistema capitalista) produzido por esta célula que será reinvestido na rede permitindo o surgimento de novas células por cadenciamento, fissão ou geração espontânea. Por fim, o Consumo é efetivado por todas as células. No caso das células de consumo elas realizam o consumo final, no caso das células produtivas o consumo de insumos ou materiais de manutenção é considerado consumo produtivo. Toda a forma de consumo pode realimentar a rede como um todo quando as células de produção e serviço sejam capazes de atender tal demanda.

Funções do sistema de informação e comunicação

O adequado gerenciamento da informação é condição fundamental para que a rede possa realizar suas funções. O sistema de informação e comunicação pode recorrer desde às mediações mais simples - como reuniões presenciais, registros manuscritos e utilização de correios tradicionais - até as medições mais ágeis como sistemas informatizados, valendo-se da internet ou de outras redes de comunicação de dados.

Este sistema de gerenciamento de informações deve disponibilizar os seguintes dados e possibilitar as seguintes ações: a) Diagnóstico Real da Situação da Rede: demandas por insumos, demandas por produtos finais, visualizar cadenciamento das células, permitir a avaliação dos produtos pelos consumidores, gerar listas de toda a produção final, detectar superprodução, o valor de reposição e o valor excedente produzido por qualquer célula. b) Instrumentar a Proposição de Alterações da Rede: fissão de células, geração por cadenciamento, etc. c) Adicionar nova célula projetada, com os seguintes dados, por exemplo: local em que será efetuada, quem a propõe, como retornar informações ao proponente, qual o investimento inicial, o investimento fixo, o capital de giro, a despesa fixa, quantos trabalhadores serão incorporados, quanto será gasto com mão de obra, quantas horas de trabalho serão realizadas, tipo de trabalho a ser executado, especificar o tipo e quantidade do produto final a ser produzido, o potencial produtivo da unidade (quanto poderia produzir com capacidade total e em casos excepcionais com demanda extra), custo por unidade produzida, preço final por unidade, valor de reposição, valor excedente, demandas que atende, insumos que necessita (o que e quanto consome da rede solidária, o que e quanto consome do mercado capitalista).

O sistema de gerenciamento de informações deve permitir também simular o desempenho futuro possível da rede considerando o impacto que seria provocado pela incorporação de células projetadas, se a região comporta o cadenciamento de novas células, se a célula projetada deve se efetivar em outra região, bem como simular o desempenho futuro real da rede considerando o que ocorrerá quando as células aprovadas, mas ainda em fase de realização, forem efetivamente incorporadas.

Este sistema possibilitará, ainda, o fluxo de informações entre todas as células, de modo tal que em qualquer unidade da rede seja possível obter dados sobre cada célula: sua produção, consumo de insumos, avaliação pública de seus bens e serviços, aspectos pessoais dos membros que estão envolvidos como produtores e consumidores, bem como, o detalhamento de toda a célula e do processo produtivo nela realizado, para facilitar sua reprodução por qualquer outro grupo em qualquer outra região.

Além disso, tal sistema de gerenciamento de informações também deve permitir que os mesmos procedimentos assinalados acima possam ocorrer por regiões. Assim, torna-se possível saber, para cada região: que insumos ali consumidos são produzidos por células incorporadas, ou quais deles serão futuramente atendidos por células já aprovadas, bem como, que insumos das células aprovadas serão futuramente demanda efetiva quando estas células forem incorporadas e que parte destes será atendida pelo mercado capitalista. Sobre os produtos finais, destinados às células de consumo, pode-se saber o que é atendido pela rede solidária e que o é pelo mercado capitalista, quanto desta demanda será atendida por células aprovadas ainda não incorporadas, quanto aumentará - com a incorporação das novas células de consumo - a demanda de produção das células produtivas; quais são os produtos fabricados na região, sua quantidade e a demanda que atende na região; quais as demandas na região, sua quantidade e o que é atendido pela rede solidária ali instalada; qual o grau de saturação local de produtos e qual a sua demanda em outras regiões, permitindo-se analisar se o que está saturado naquele local deve continuar a ser produzido ali mesmo e distribuído para outras regiões ou deve ser produzido em outras regiões, ampliando a extensividade e intensividade da rede sem provocar desequilíbrio local.

Além disso, o gerenciamento de informações possibilita visualizar as interconexões de cadeias produtivas da rede, as células que possuem maior número de conexões e permite propor - a partir de certos critérios - a divisão de células hiperconectadas. Com relação às células de serviço solidário, tal gerenciamento de informações permite mapear as células da Rede Política de Colaboração Solidária, os serviços de ONGs por regiões, os insumos consumidos por essas entidades como células de consumo, as demandas por serviços (qualificação profissional, gerenciamento, educação, etc) e cruzá-los com as células de serviço e assessoria que possam atendê-las.

Conclusão da Fase Inicial desta Pesquisa

Na fase atual desta investigação estamos organizando, com recursos informáticos, a simulação de uma rede elementar de colaboração solidária que visa atender demandas de famílias com rendimento de até três salários mínimos, considerando-se os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares do IBGE e unidades produtivas conforme padrões do SEBRAE e parâmetros de experiências de produção comunitária em funcionamento. A simulação virtual da rede - com um programa de computador especificamente criado para esse fim - permitirá avaliar o comportamento peculiar da rede sob diversas situações de composição orgânica das células, de incorporação de células produtivas e de consumo, o que ocorre com a agregação de redes diversas, com o desaparecimento súbito de uma célula, etc. Pretende-se publicar, nos próximos meses, os resultados obtidos até agora com essa investigação.

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NOTAS

1. Fonte: ONU. Human Development Report 1998 -
Changing today’s consumption patterns — for tomorrow’s human development
- "Overview" http://www.undp.org/undp/hdro/e98over.htm

2. "Os números da ONU". Folha de São Paulo, 16 jul 96, p. 1-8, São Paulo.

             


A Revolução das Redes - A Colaboração Solidária como uma Alternativa Pós-Capitalista à Globalização Atual.
CEPAT - Informa, Ano 4, N. 46, p.10-19, dezembro de 1998
Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores, Curitiba, PR.
www.milenio.com.br/mance/rede.htm


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