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Uma Introdução Conceitual às Filosofias de Libertação

Euclides André mance* 
IFiL - Curitiba, PR 

Introdução 

O objetivo deste artigo é apresentar alguns elementos básicos da trajetória reflexiva das filosofias de libertação na América Latina nas últimas décadas. Não temos aqui a pretensão de resenhar o conjunto das reflexões filosóficas realizadas a partir de variados temas específicos tratados nos últimos 30 anos pelas diversas vertentes de filosofia da libertação, reflexões essas que emergem de problemáticas que vão da ecologia ao neoliberalismo, das questões feminina, homossexual, negra e indígena à conversibilidade dos signos em capital, da produção de subjetividade mediada pela novas tecnologias de comunicação às práticas de educação popular nos movimentos sociais, da ciência como fator produtivo no capitalismo em sua atual fase de globalização ao drama da pobreza e desemprego no mundo todo. Não se trata pois de apresentar o conjunto de reflexões éticas, estéticas, gnosiológicas, semiológicas ou de filosofia política - entre tantas outras - que foram elaboradas no enfrentamento destes problemas. Também não é escopo deste artigo esclarecer a variedade de significados atribuídos a liberdade, libertação, realidade, história, subjetividade e outras categorias tais como opressão, alienação, autonomia, dependência, singularidade, etc (1). É nosso intento apenas situar conceitualmente as filosofias de libertação em meio ao debate geral sobre a identidade da reflexão filosófica realizada na América Latina salientando aspectos de sua diversidade (2).

Inicialmente, destacaremos que o exercício concreto da liberdade é um tema antigo na história da filosofia ocidental, não havendo nenhum impedimento intrinsecamente filosófico à possibilidade mesma da peculiar reflexão filosófica sobre a libertação, isto é, sobre as práticas que visam ampliar a extensão histórica do exercício concreto de liberdades públicas e privadas. Em seguida, salientaremos, no quadro das diversas concepções de filosofia defendidas na América Latina, o significado da assim chamada Filosofia do Americano e sua relação com as filosofias de libertação em sua fase inicial. Apresentaremos, então, uma possível periodização didática para uma abordagem geral da trajetória das filosofias de libertação, destacando a elaboração de alguns autores e evidenciando a variedade das posições conceituais. Retomaremos, por fim, o Programa de Diálogo Filosófico Norte-Sul, em curso desde 1989, salientando uma das posições em debate, nomeadamente, a filosofia da libertação de Enrique Dussel, apresentando alguns aspectos de seu pensamento recente em diálogo com Karl-Otto Apel, um dos principais formuladores da Ética do Discurso.

 

1. Sobre a reflexão filosófica que tematiza o exercício da liberdade.

Diferentes conceitos de libertação aparecem na história da filosofia associados a conceitos de emancipação e liberdade. É, geralmente, no campo da ética e da filosofia política que emergem determinados problemas em que tais conceitos - especialmente os dois últimos - são considerados no desenvolvimento de reflexões sobre a convivência humana, suas possibilidades e limites. Embora não seja possível isolar cabalmente a noção de liberdade da noção de libertação, conquanto se possa distingui-las, apenas recentemente - nos últimos trinta anos - o conceito de libertação tem sido filosoficamente tematizado em sua complexidade. Em tal processo de tematização acabou por emergir as, assim chamadas, Filosofias de Libertação, que não apenas consideraram a libertação em seu aspecto negativo, isto é, a libertação de impedimentos ou cerceamentos ao exercício satisfatório da liberdade, quanto positivamente, isto é, a libertação para a realização das valiosas singularidades humanas em sua criativa diversidade.

Já na Grécia antiga, contudo, alguns sofistas que não aceitaram a escravidão e propuseram aboli-la, que combateram a distinção entre gregos e bárbaros, que defenderam a distribuição igualitária da propriedade, que propuseram a abolição da nobreza, afirmando, em síntese, que todos os seres humanos nascem iguais ao passo que as leis introduzem a desigualdade, parecem ter sido os primeiros filósofos a tematizarem o exercício concreto da liberdade e a libertação como o alargamento de seus limites em face da organização aristocrática da polis grega que apareceria em outras correntes filosóficas como que ordenada segundo a physis, mas que - conforme a argumentação sofística - o era, de fato, segundo uma certa nomos (3). Posteriormente, no período medieval, clássicas se tornaram, na história da filosofia, as reflexões sobre o direito de sublevação social frente à tirania, uma vez que o tirano se configuraria como um rebelde que contraria as leis às quais o rei, como qualquer membro da sociedade organizada sob aquela legislação, deve se submeter. Mas foi, entretanto, a partir da modernidade que os conceitos de liberdade, emancipação e libertação passaram a ter centralidade em variadas vertentes filosóficas que problematizaram a noção da ética e do Estado moderno, seja supondo a autonomia moral da razão, seja concebendo o Estado como efetivação dialética da idéia de liberdade ou, ainda, considerando a liberdade desde os determinantes econômicos e materiais da organização social ou subjetivos e culturais da existência humana.

A tematização do caráter, possibilidades e limites de uma filosofia de libertação propriamente dita, contudo, é fenômeno recente que teve origem no hemisfério sul. No final dos anos 60 e início dos anos 70 a situação de negação dos direitos humanos e da democracia, a violência e marginalização a que estavam submetidas as populações latino-americanas ensejou a reflexão sobre a temática de libertação a partir de diversas disciplinas e quadros teóricos. Neste período surgem na América Latina a pedagogia libertadora (4), a sociologia da libertação (5), a antropologia da libertação (6), a teologia da libertação (7) e a filosofia da libertação (8), além de outras reflexões que consideravam a relação entre ciência, tecnologia e libertação (9). Também na África emerge a temática de libertação sob a abordagem de algumas disciplinas teóricas, em meio ao processo histórico de descolonização que ocorria na região (10). Nesta mesma época, no hemisfério norte, nos continentes norte-americano e europeu, têm-se publicações centradas no conceito de libertação, seja nos quadros de uma teoria crítica (11), seja a nível antropológico (12), seja nos quadros de correntes teológicas (13). Inegavelmente, contudo, é na América Latina, naquele período, onde se avoluma o maior número de publicações que tratam teoricamente, sob os mais diferentes aspectos, os processos de libertação. A partir dos anos 80 e 90 ampliou-se o diálogo filosófico internacional sobre as temáticas de libertação, havendo hoje uma vasta bibliografia sobre o tema com diferenciadas posições (14).

 

2. Sobre o caráter da filosofia da América Latina 

Alguns historiadores da filosofia na América Latina, como Francisco Miró Quesada, afirmam que a filosofia da libertação surgiu como desdobramento do que se denominou Filosofia do Americano - em um debate onde a questão sobre a autenticidade e a originalidade da filosofia praticada nestas terras ganhou corpo. A questão de fundo, no debate, era o próprio caráter da filosofia, isto é, o que a caracteriza como tal e em que medida este caráter é atravessado pela circunstância histórica na qual a filosofia é elaborada ou pela universalidade que lhe seria necessariamente peculiar. Neste debate advogavam-se, então, concepções distintas que poderiam ser agrupadas em dois blocos: as universalistas e as circunstancialistas ou regionalistas, que apontavam respectivamente para uma Filosofia Universal, no primeiro caso, e para a possível caracterização de uma Filosofia Americana, Africana, Européia, etc, no segundo caso .

Por sua vez, entre os que advogavam a possibilidade ou existência de alguma forma de filosofia de libertação, havia tanto os que a situavam no campo de uma filosofia regional, denominando-a de filosofia latino-americana de libertação ou de filosofia de libertação latino-americana, despreocupados com sua vigência universal, como havia os que a consideravam desde uma perspectiva universalista, entendendo que a reflexão sobre a libertação dos seres humanos não seria apenas uma exigência circunstancial da filosofia que se elabora na América Latina, mas um aspecto que devia ser universalmente inerente à própria filosofia. Estes argumentavam tal universalidade afirmando basicamente que a reflexão filosófica sobre o exercício concreto da liberdade, realizado em qualquer época ou lugar, pode contribuir na reflexão sobre as condições e limites do exercício da liberdade, sobre a práxis libertadora, também de qualquer época ou lugar.

Um significativo conjunto de trabalhos argumentando essas várias posições foram apresentados em 1977 no IX Congresso Interamericano de Filosofia em Caracas, quando uma das partes do temário teve por objetivo "examinar a realidade latino-americana como problema para o pensar filosófico", considerando-se, entre outros aspectos, a "história e evolução das idéias filosóficas na América Latina", bem como, as "possibilidades e limites de uma filosofia latino-americana", avaliando-se "...a eventualidade de investigar os diversos componentes da realidade latino-americana como tema do pensar filosófico..."(15).

Outros três quadros elementares que apresentam esta configuração de vertentes universalistas e circunstancialistas podem ser considerados a partir de Francisco Miró Quesada, Constança Marcondes César ou Raúl Fornet-Betancourt (16). Embora este problema, atualmente, venha sendo recolocado desde a perspectiva da pragmática lingüística em um novo patamar de análise critica, ele também foi retomado por autores como Paul Ricoeur, por exemplo, para quem - em razão da heterogeneidade das histórias de libertação e da variada significação que este termo recebe a partir destas diversas experiências que talvez sejam incomunicáveis - a relação entre filosofia e libertação aparece problemática, mesmo se se admita que toda filosofia tenha como fim último - segundo sua argumentação - contribuir com a libertação dos seres humanos (17).

 

2.1 A Universalidade do Pensamento Filosófico 

Nos anos 60 e 70, muitos autores latino-americanos compreendiam a filosofia como um quefazer universal, não especificável por assuntos nacionais ou regionais. Sendo um saber de totalidade, ocupar-se-ia de problemas que não são limitáveis por fronteiras geográficas, considerando, pois, todo o conjunto das mediações necessárias ao seu exercício analítico. Sendo universalizável e cultivável em qualquer parte do mundo, não haveria que se propor uma filosofia latino-americana como pensar autônomo, uma vez que não haveria uma reflexão filosófica peculiar à América Latina, Europa ou América do Norte, mas apenas desenvolvimento do filosofar universal que, em grande medida, tem sido elaborado em centros europeus, onde se destacam intelectuais de grande competência e rigorosidade que têm produzido uma vasta literatura filosófica de alta qualidade. O emprego de expressões como filosofia alemã ou filosofia francesa, por exemplo, não implicaria em afirmar alguma peculiaridade distinta ao filosofar em razão da região geográfica ou circunstância em que é elaborada a filosofia. Nesta tendência de compreensão universalizante da filosofia, caberia aos filósofos na América Latina - conforme a argumentação de alguns - tornarem-se estudiosos e comentadores da tradição filosófica ocidental, investigando seus grandes problemas. Fazendo-o, também de maneira competente e rigorosa, seguramente os filósofos latino-americanos poderiam gerar contribuições para o desenvolvimento de algumas questões específicas, como já ocorria no campo da filosofia analítica, especialmente no que toca à epistemologia da física, às lógicas paraconsistente, deôntica e jurídica, no campo da filosofia do direito ou em outras áreas.

Defendendo uma concepção filosófica universalista, afirma Augustin Basave Fernandez del Valle que o rigor técnico alcançado pela reflexão filosófica na América Latina vem se ampliando a cada dia, rigor esse que não a desmerece frente ao filosofar europeu. Destaca o autor que

"nosso quefazer filosófico, provocado fundamentalmente pelos mesmos motivos incitantes que originaram e originam a filosofia na Europa, tem inegável universalidade. 
"Eu não creio que exista uma 'filosofia americana' ou uma filosofia 'ibero-americana'. A filosofia é simplesmente filosofia, ainda que aqui, na Ibero-América, tenha-se que recolocar problemas filosóficos 'para' nossos povos. (...) Porque sempre me pareceu absurda a provincianização da filosofia, estimo que a pretensão de forjar uma filosofia ibero-americana é um despropósito. Coisa diversa é que nossa filosofia, ainda que verse sobre o universal enquanto universalizável, tenha seu característico acento ibero-americano." (18)

 

2.2 A Circunstancialidade do Pensamento Filosófico 

Outros autores, entretanto, defendiam a tese de que era possível uma meditação original sobre a América Latina, sendo tal originalidade, contudo, compreendida com divergências entre eles. Como fontes influenciadoras dessa posição elencam-se as reflexões de José Ortega y Gasset sobre filosofia e circunstância (19), de Martin Heidegger sobre o ser-no-mundo e a existência autêntica, de Paul Ricoeur sobre a hermenêutica dos símbolos, bem como, as elaborações da filosofia da práxis, entre outras. Para alguns destes a originalidade consistia na meditação sobre a realidade latino-americana, sobre o ser do homem latino-americano, enveredando-se assim na elaboração de uma ontologia latino-americana. Para outros destes, que advogavam, em maior ou menor medida, uma filosofia da práxis, poder-se-ia refletir filosoficamente sobre as várias formas de práxis de resistência à dominação e de libertação realizadas na América Latina, buscando-se a elaboração de categorias e metodologias adequadas para a crítica filosófica de tais processos e para a organização, de modo mais consistente, das elaborações conceituais que deles emergiam, iluminando a própria transformação da realidade concreta. Tais elaborações conceituais, categoriais e metodológicas acabariam por conferir a esta reflexão filosófica um certo tipo de originalidade no enfrentamento dos desafios emancipatórios presentes na realidade latino-americana. Estas vertentes filosóficas foram denominadas, em seu conjunto, Filosofia da Libertação.

Na vertente em que se elaboram reflexões sobre a identidade do ser latino-americano, tentou-se, em linhas gerais, recuperar a metafísica constituindo-se uma ontologia do homem americano com uma reflexão criativa sobre a circunstância, utopias e mitos que possibilitam a compreensão de um sentido da América Latina. Aqui evidencia-se a relação entre "filosofia e circunstância latino-americana", revelando-se nessa relação o que o filosofar possa, talvez, oferecer de universal. Nesta perspectiva, por exemplo, Roberto Escobar compreenderá a América como o continente da utopia. A utopia é uma constante ao longo de toda a história da América, que tem como um de seus aspectos "... deixar para trás o passado e usar o futuro como um novo princípio para um futuro melhor"(20), como no caso dos imigrantes que deixavam a Europa e imaginavam a América como o lugar do "bom selvagem", da "fonte da juventude" e do "Eldorado", imagens e fantasias geradas pelo desejo de um melhor porvir. Na história destas terras quatro utopias tornar-se-iam dominantes. Sob a utopia social desejou-se criar uma nova ordem social, que teve nos projetos de independência e constituições a expressão do anseio por construir sistemas políticos que promovessem o bem comum e a justiça; sob a utopia religiosa, desenvolveram-se inúmeros movimentos ligados ao milenarismo e messianismo; como utopias míticas, encontramos as lendas dos indígenas, das civilizações originárias; e por fim sob a utopia intelectual, percebe-se que a própria filosofia praticada na América Latina opera em um nível utópico, isolando o exercício ideal do pensamento das necessidades mais imediatas do pensamento social, requerendo-se, portanto, uma adequada autocrítica filosófica na forma de "...uma sistematização compreensiva que elabore as pontes entre um mundo utópico da erudição com a busca das essências de nosso ser americano"(21). Conclui Escobar que para encontrar a América é preciso inventá-la e que "até agora o único caminho que se tem oferecido a nossos pensadores foi o da utopia, nas suas diversas formas e nos seus diversos temas"(22). Urge, nesta perspectiva, conhecermos a nós mesmos, buscar nossas raízes comuns, e compreendermos o homem latino-americano em sua situação peculiar.

Leopoldo Zea, por sua vez, defende que a maneira de se filosofar autenticamente na América Hispânica é tratar, a fundo, nossa maneira de ser e suas circunstâncias concretas, recuperando a história do continente, em especial a história das idéias aqui difundidas. Destaca o pensador mexicano que "...a história das idéias na América Latina é diversa da história das idéias européias. A história das idéias da filosofia européia ou ocidental volta-se sobre si mesma, investigando a evolução e a relação que a mesma mantém com a realidade em que essa história se tem realizado; ou melhor, tratando de apressar a lógica que tem dado origem a estas idéias, assim como seu desenvolvimento em um plano temporal. Não sucede o mesmo com a História das Idéias filosóficas da América Latina, preocupada em conhecer o como e o para que tem sido utilizadas algumas determinadas idéias, supostamente alheias à sua própria realidade, ao seu próprio contexto histórico"(23). A História das Idéias, assim, torna-se expressão da realidade latino-americana que historicamente se buscou transformar recorrendo-se a idéias tomadas de outro contexto. Possibilitando a crítica, tal História das Idéias contribui para o esclarecimento e transformação concreta da própria realidade latino-americana.

Conforme Miró Quesada, a partir dos anos 60 a polêmica que se desenvolvera entre os partidários das concepções universalistas e circunstancialistas de filosofia vai sendo superada: "Os partidários da meditação sobre nossa própria realidade, meditação que começa [anteriormente] a se chamar ‘Filosofia do Americano’ reconhecem que o pensamento latino-americano, mediante a prática da filosofia universal, pode alcançar a originalidade. Por sua vez, figuras significativas dos partidários da filosofia universal reconhecem que tratar de encontrar uma resposta ao problema que coloca a condição humana do latino-americano, isto é, o problema de compreender seu próprio ser, é importante para o desenvolvimento de nosso pensamento filosófico..."(24) Tal polêmica resulta, para muitos, de um problema mal colocado, dicotomizando circunstancialidade e universalidade, uma vez que não haveria como produzir-se qualquer reflexão que se pretenda universal a não ser a partir de um dado contexto circunstancial que de algum modo o condiciona.

 

2.3 Da reflexão sobre a autenticidade da filosofia na história da América Latina ao surgimento das filosofias de libertação 

Em outro trabalho seu, Proyecto y Realización del Filosofar Latino-Americano (25), Miró Quesada desenvolve a tese de que, partindo da pesquisa sobre a história das idéias, Leopoldo Zea chega à filosofia do americano que tem por missão "revelar-nos nosso próprio ser, revelação que se manifesta através da criação de uma determinada consciência histórica, consciência que por sua vez, orienta nossa opção para a libertação definitiva." (26) Salienta Miró Quesada que desde a década de 1950 Leopoldo Zea " começa a elaborar os conceitos básicos de uma filosofia da libertação, complemento inevitável da teoria da cultura da dependência, que está em gérmen nos seus trabalhos de 1956 e que culmina em 1969 com a publicação de seu livro La Filosofia Americana Como Filosofia Sin Más... A partir desta data suas contribuições à filosofia da libertação - segundo Miró Quesada - são numerosas e sistemáticas." (27)

É importante, entretanto, afirmar que embora vários autores tenham seus nomes associados à "paternidade" da filosofia da libertação, sendo indicados em maior ou menor medida nesta condição em razão de algum trabalho remoto que verse sobre temas pertinentes, tal filosofia, contudo, não é obra de um autor ou fruto de uma determinada síntese. Antes, pelo contrário ela é o resultado de um acúmulo coletivo de reflexões sobre variadas questões a partir de diversos paradigmas em várias regiões da América Latina e da África. Destaque-se também que as trajetórias intelectuais e vitais de Leopoldo Zea, Salazar Bondy, Enrique Dussel, Arturo Andrés Roig, Rodolfo Kusch e tantos outros, que elaboraram filosoficamente sobre temas pertinentes à práxis de libertação, não são análogas.

No caso específico de Zea, a sua trajetória de pesquisador da história das idéias, que tinha por campo de investigação inicialmente o México e depois a América Latina, desemboca na Filosofia do Americano que vai ganhando corpo com o conjunto de pesquisas realizada pelo Grupo Hipérion (28). É justamente pela afirmação de um profundo humanismo desde o qual considera a realidade do homem latino-americano, que a reflexão de Zea se desdobra sobre questões da dependência cultural e da necessidade de libertação, a fim de que os povos atinjam o desdobramento maior de suas culturas e o reconhecimento universal de sua humanidade. Contudo, a práxis de libertação realizada pelo conjunto dos movimentos sociais da América Latina não é o objeto específico de sua reflexão filosófica.

Deve-se considerar, também, que as formulações filosóficas sobre a libertação elaboradas por Leopoldo Zea se situam em um campo de questões próprias à vertente das ontologias latino-americanas, avançando, por outro lado, na afirmação de um caráter universal, marca distintiva do filosofar como ele o concebe. Como salienta Constança Marcondes Cesar, "a filosofia do mexicano, assim como a do americano, tratam de conciliar historicidade e universalidade, inserir-se no nacional e verificar a contribuição do nacional e do americano ao patrimônio filosófico mundial." (29)

A libertação considerada por Zea, nas palavras de Miró Quesada, somente pode ser conquistada " mediante o reconhecimento da dignidade e da liberdade reais de todos nós latino-americanos" (30). Este reconhecimento humano exige a superação da alienação, a afirmação da autenticidade, o fim de qualquer forma de imperialismo ou dependência. Desde a reflexão da história latino-americana dos seus diversos processos de transformação social, o filósofo da história latino-americana pode esclarecer e intensificar um novo tipo de consciência. Assim, conforme explicita Miró Quesada, " a filosofia da história americana tem que ser a vanguarda desta nova consciência, tem que precisar o caminho que ela vislumbra, o modelo cuja realização tornará possível, por fim, forjar uma realidade que seja autenticamente nossa (...) Só um projeto de transformação social radical poderá, ao final, ter o êxito que esperamos: a libertação definitiva de nossos povos, a criação de uma América Latina verdadeiramente independente e humanizada." (31)  

Concebendo assim o labor da filosofia da história, a filosofia do americano formulada por Zea chega a afirmação de um peculiar humanismo. O homem é concebido como um valor absoluto, sendo portanto necessário construir um mundo em que se possa realizar todas as suas potencialidades, em liberdade e fraternidade. É justamente a partir da trágica experiência de povos dominados sob diversos projetos coloniais e imperialistas que emerge este humanismo latino-americano, afirmando um modo de ser peculiar e autêntico afirmando sua própria cultura, não aceitando a subserviência, mas exigindo o reconhecimento universal de sua humanidade. Destaca Miró Quesada que

" É devido ao descobrimento do valor universal que irradia a condição humana, qualquer que seja a sua situação, ainda que lhe tenham negado esse valor supremo, que Leopoldo Zea passa da filosofia do mexicano à filosofia do americano e logo, na última etapa de maturidade, à filosofia do Terceiro Mundo. É por considerar que o ser do homem consiste na exigência de realização de seu valor intangível e absoluto, na conquista total de sua plenitude, que seu pensamento desemboca na filosofia da libertação. Esta interpretação humanista do homem e de sua história é, hoje em dia, o horizonte desde o qual se desenvolvem as teorias da cultura da dependência e na qual assenta muitas de suas raízes a filosofia da libertação" (32).

Embora Miró-Quesada desvende nesta trajetória de Zea uma das possíveis fontes de emergência da filosofia da libertação na América Latina, não se pode tomá-la de modo exclusivo, desconsiderando-se outras vertentes que lhe dão origem. Assim por exemplo, a elaboração de pensadores peruanos como Augusto Salazar Bondy, no final dos anos 60, e José Carlos Mariátegui nos anos 20 também pode ser destacada relevantemente. Seguramente, o pequeno livro de Augusto Salazar Bondy (33) intitulado Existe una Filosofia de Nuestra América ?, não somente foi provocador de um debate com Zea que ecoou por todos os círculos culturais latino-americanos que investigavam o caráter de uma cultura dependente e o papel de uma filosofia autêntica neste contexto, como estabelecia certas premissas que o próprio autor desenvolveria posteriormente em Filosofia de la Dominación y Filosofia de la Liberación - um dos últimos trabalhos de sua vida (34).

Do mesmo modo, colaborou na emergência da filosofia da libertação um expressivo grupo de filósofos argentinos que produziu criativamente, na primeira metade dos anos 70, um valioso conjunto de elaborações sob diversas inspirações teóricas e sobre variados temas que, de algum modo, articulavam-se, segundo os próprios autores, à práxis de resistência à dominação e de libertação em distintas esferas e contextos. Do mesmo modo, autores brasileiros, chilenos, uruguaios, cubanos, venezuelanos, colombianos, costa-riquenhos e de outros países contribuíram significativamente na emergência deste pensamento. Uma leitura comparativa da literatura produzida a partir deste período, revela distintas nuanças acerca do caráter e do papel do que se denominou como filosofia da libertação.

Em geral, as diversas vertentes de filosofia da libertação secundarizaram a importância da reflexão sobre a identidade latino-americana. A esses autores interessava menos pensar quem é o latino-americano, do que criticar filosoficamente a situação histórica de marginalização e injustiça que sofrem as maiorias oprimidas nesse continente. Para eles, a reflexão filosófica voltada ao esclarecimento das várias formas de dominação e alienação, bem como à crítica das variadas práxis que visam promover e realizar ações de libertação é um tema mais prioritário à investigação. Desde aí, considerando tais processos, pode-se recolher, contudo, uma certa reflexão sobre a identidade do latino-americano, considerado tanto como um ser-negado, impedido de realizar-se em sua humanidade e singularidade, em sua autonomia e liberdade, quanto como sujeito potencial da transformação da sua própria história, capaz de afirmar novos valores, de romper com a situação de menoridade e dependência, de afirmar novas singularidades como manifestação de uma humanidade concreta a ser eticamente respeitada.

 

3. A Trajetória das Filosofias de Libertação na América Latina 

Para fins didáticos pode-se periodizar o processo de emergência, revisão e atualização destas filosofias em três períodos. O primeiro momento que, poderia denominar-se Período de Emergência da Filosofia da Libertação, vai do final da década de 60 a meados da década de 70. As reflexões que se desenvolvem em diversos países abordam diferentes questões sob divergentes paradigmas, havendo portanto debates e polêmicas entre os autores, cada qual construindo e tentando consolidar linhas argumentativas distintas, havendo muita criatividade conceitual. O segundo momento, Período de Avaliação Crítica, Síntese e Difusão, vai de meados da década de 70 até o final dos anos 80. É momento em que as críticas e debates já iniciados se aprofundam, em razão da diáspora de pensadores argentinos que são obrigados a partir para o exílio provocado pelo acirramento da repressão naquele país após a morte do presidente Juan Domingo Peron. A partir de outros contextos, em contato com outros pensadores latino-americanos e europeus, vários destes autores revêem posições anteriores, corrigem certas ambigüidades e sistematizam suas elaborações. Neste período a filosofia da libertação se difunde pela América Latina e passa a despertar o interesse de pesquisadores nos Estados Unidos e na Europa. O terceiro momento, Período Atual, tem início no final dos anos 80. Expressão desta fase é o Programa de Seminários do Diálogo Filosófico Norte-Sul, envolvendo inicialmente a ética do discurso e a filosofia da libertação - com seminários realizados na Alemanha, México e Brasil - ampliando-se posteriormente com a participação de outras posições teóricas que enriqueceram o debate. Deste programa de seminários, que continua em curso, resultou um outro programa de diálogos internacionais sobre Filosofia Intercultural, bem como a emergência de novas temáticas que se desdobraram retomando elaborações dos momentos anteriores.

 

3.1. O Período de Emergência das Filosofias de Libertação 

No Período de Emergência fica patente a diversidade de concepções de filosofia da libertação, que ilustraremos aqui retomando apenas a elaboração de quatro autores, entre vários outros que se identificavam na época com aquele movimento: Arturo Andrés Roig, Rodolfo Kusch, Enrique Dussel e Hugo Assmann (35).

Arturo Andrés Roig, que foi professor de Enrique Dussel, chega à proposição de uma filosofia de libertação a partir de sua investigação da história das idéias na América Latina. Em seu trabalho de historiografia das idéias filosóficas na Argentina, o autor percebe que certas influências do intercâmbio cultural com outros povos sulamericanos implicava uma ampliação do horizonte a ser considerado a fim de que seu trabalho historiográfico fosse adequadamente realizado. Ao investigar o krausismo, contudo, não apenas fica evidente, para o autor, que se tratava da propagação de uma mesma compreensão filosófica do direito em vários países latino-americanos, como também ficava perceptível uma articulação histórica entre esta corrente de pensamento e a reorganização política das sociedades latino-americanas, que agora independentes, necessitavam de um arcabouço jurídico legitimador do Estado (36). Não havia pois como investigar o krausismo sob uma história das idéias filosóficas sem investigar, concomitantemente, o papel político que ele desempenhava frente às demandas sociais concretas. Do mesmo modo, acrescentaríamos nós, não haveria como investigar-se a segunda escolástica e seus efeitos sobre a América Latina, sem considerar-se sua articulação com fenômenos religiosos e políticos do processo colonial. Ou ainda, não haveria como desarticular a difusão do pensamento ilustrado na América Latina da emergência dos movimentos de libertação colonial. Roig avança, então, na reflexão sobre como desenvolver uma história das idéias destacando um sistema de conexões do filosófico e do extra-filosófico ou pára-filosófico, o que implicava uma significativa ampliação das fontes documentais e a necessidade de estabelecer um novo método capaz de considerar tanto as ideologias político-sociais, quanto as filosofias acadêmicas ou outros conjuntos de idéias, sob um novo estatuto epistemológico comum.

Sob a metodologia elaborada por Roig, propõe-se considerar as ideologias juntamente com as filosofias acadêmicas em uma história crítica das idéias. Ao tratar no mesmo campo epistêmico as representações, os conceitos e os filosofemas, torna-se possível investigar, na história das idéias, a filosofia e as ideologias conjuntamente. Assim, partindo das ideologias políticas pode-se analisar as relações entre filosofemas e formas conceituais, num acesso correlativo ao discurso político e filosófico. Deste modo, poderíamos compreender, por exemplo, em que medida a frase "ordem e progresso" - incrustada na bandeira brasileira - tanto pode ser elemento de um filosofema positivista como também de uma formulação ideológica articulada à práxis política de um certo grupo ou movimento social. Sob esta metodologia, portanto, coloca-se em questão as funções de ruptura e integração dos conceitos.

A análise crítica da filosofia e da ideologia chega, assim, a elementos comuns que são compreensíveis sob um mesmo estatuto epistemológico. Ocorre que tanto na conceituação filosófica como na representação ideológica acontece uma ruptura entre a forma ideal e o conteúdo essencial, ruptura essa que não é apenas a interposição entre consciência e objeto. "A ruptura - explica Horácio Cerutti Guldberg, comentando Arturo Roig - está indicando, ao nível da representação, uma suspeita que recai sobre a própria consciência. A consciência toma posição frente ao objeto e neste tomar posição o mostra encobrindo-o" (37). Reformula-se, a partir desta compreensão, a concepção integradora do conceito. Fica claro, segundo Roig, o sentido equívoco da função de integração considerando-se que "... o conceito, quando se constitui como 'universal ideológico', oculta ou dissimula uma ruptura no seio mesmo de sua pretensão integradora manifesta" (38).

A partir dessas premissas avança o autor sobre a necessidade "de uma 'autocrítica da consciência' que descubra os modos de 'ocultar-manifestar' . A filosofia será, portanto, crítica, na medida em que seja autocrítica" (39). Entretanto, este processo de crítica não é apenas uma questão gnosiológica. Com este aprofundamento da noção de ruptura, "... o problema das funções de ruptura e integração enquanto próprias, ambas, do conceito, já não é um problema gnosiológico, mas um problema moral, somente visível a partir do despertar da consciência da alteridade dentro da estrutura da consciência social" (40) .

Busca-se, então, desenvolver um modo de se explorar o sistema de conexões entre o discurso político e o filosófico, sistema esse que Roig retoma das reflexões de Hegel, para o qual "... a 'liberdade de pensamento' não é, nem pode ser, estranha à 'liberdade política', a tal ponto que a primeira surge historicamente quando ocorre, por sua vez, o florescimento da segunda. Filosofia e política - conclui - aparecem pois desde suas próprias origens instaladas em um sistema de conexões" (41).

Para Roig o discurso político aparece, em geral, como a reformulação de uma "demanda social" justificada por alguma filosofia. Salienta Cerutti que as ciências sociais podem abordar a demanda, mas que "a reformulação é o próprio da dimensão política e a justificação desta reformulação e tarefa da filosofia." (42) Com esta análise Roig contribui, por exemplo, no esclarecimento dos fenômenos populistas ou tecnocráticos na América Latina que invocam argumentos filosóficos na justificação de certos modos de exercício do poder ou legitimando determinados projetos políticos, econômicos e sociais.

É justamente entre demanda, reformulação e justificação, que se joga o problema ideológico. Cabe, pois, detectar os "graus da presença do ideológico" no discurso filosófico. "Estes graus - explicita Cerutti - podem ser relacionados por meio de um estudo estrutural comparativo mediante o qual a lógica se conecta com a axiologia e esta com o discurso filosófico implícito no discurso político..." (43).

Com esses alargamentos paradigmáticos, Roig afirma que é válido começar o trabalho historiográfico das idéias na América Latina pela pré-história do pensamento americano - incluindo aí, os mitos indígenas -, e continuá-lo tratando da história do pensamento americano - incluindo neste âmbito também as ideologias, enquanto forma de saber a-crítico. Assim poderíamos acompanhar o processo histórico do por-se-para-si-como-valioso do homem latino-americano, que inclui modos de alienação que, enquanto tais, devem ser compreendidos como etapas do processo histórico doloroso em busca da desalienação. Em tal compreensão deve-se explicitar a conexão histórica, econômico-político-social entre o filosófico e o extra-filosófico que há nos modos de alienação. Assim, o pré-filosófico dos filosofemas e o pára-filosófico das ideologias tornam-se campos de trabalho para a história das idéias, que analisa sobre um mesmo estatuto epistemológico tanto representações quanto conceitos - uma vez que os conceitos filosóficos também podem operar como universais ideológicos.

Assim, na história das idéias proposta por Roig, da mesma forma em que se poderia explicitar a relação entre filosofias acadêmicas e ideologias que sustentaram e sustentam sistemas hegemônicos na história da América Latina, propõem-se pesquisar, no processo de desalienação em que movimentos sociais-populares enfrentam tais sistemas hegemônicos ou enfrentam exercícios autoritários do poder no cotidiano, a relação entre as ideologias de tais movimentos e possíveis filosofemas que poderiam ser articuláveis ensejando filosofias de libertação.

A partir daí, o autor considera que a filosofia como reflexão articulada ao processo de libertação, isto é, do por-se-para-si-como-valioso e do movimento histórico prático de desalienação que lhe sucede, se contrapõe à filosofia como teoria da liberdade. Historicamente, a filosofia já foi pensada como "teoria da liberdade", havendo posições filosóficas que propuseram até mesmo a coincidência da história da liberdade com a história da filosofia. Contudo, " a partir do momento em que entra em crise a 'filosofia do sujeito', na qual a essência tinha prioridade sobre a existência, o sujeito sobre o objeto e o conceito sobre a representação, se produz necessariamente o abandono da filosofia como 'teoria da liberdade', e surge com força algo radicalmente distinto e inclusive contraposto, a 'filosofia como libertação' (44).

Esta filosofia como libertação, compreendendo que a liberdade política não se reduz à liberdade de pensamento, compartilha com as ideologias de libertação dos sujeitos que estão impedidos de exercer historicamente sua liberdade o mesmo estatuto práxico; estabelece a prioridade ontológica do objeto sobre o sujeito; levanta suspeitas à consciência filosófica quanto as funções de integração e ruptura dos conceitos; incorpora como categoria importante do pensamento filosófico, o elemento econômico, bem como, partindo da "consciência da alteridade" - do outro que jamais pode ser integrado totalmente no conceito - e, tendo-a como elemento mobilizador da atitude libertadora, incorpora continuamente os diversos níveis de alteridade à totalização conceitual em processo de efetivação histórica.

Deste modo, a filosofia da libertação em Arturo Roig, surge de uma reflexão que recolhe tanto as ideologias dos movimentos sociais e políticos quanto o saber das cátedras, elaborado nas universidades. Retomando uma expressão de Leopoldo Zea, afirma o pensador argentino que frente ao modelo do filosofar europeu, cabe "filosofar sem mais..." : "... devemos filosofar, não para fazer 'filosofia latino-americana', mas simplesmente para 'filosofar', mas um filosofar autêntico, isto é, que reuna dialeticamente o universal com o particular, o concreto, que não é outra coisa que o nosso [nossa realidade] enquanto objeto preeminente, por onde tal filosofar virá a ser americano."(45) .

Para Rodolfo Kusch, por sua vez, a tarefa principal da filosofia latino-americana é a compreensão da cotidianidade. Para atingi-la, necessita construir conceitos que dêem conta da multiformidade negra, indígena e européia do fenômeno cultural americano, uma vez que ainda não teríamos formas satisfatórias de pensamento para compreendê-lo em sua complexidade, sendo necessário, desse modo, realizar uma tradução do cotidiano em uma adequada linguagem filosófica. Para tanto, seria preciso contradizer os esquemas conceituais, aos quais nos apegamos em nossa formação, que não conseguem dar conta da rica realidade e peculiaridade profunda da América.

Rodolfo Kusch considera que se enfrentam na América duas racionalidades articuladas a duas concepções ou condições distintas de viver. A primeira, própria do indígena e do negro, bem como da cultura popular mestiça que a incorporou, é a condição do estar, integrado ao cosmos em sua unidade, cujo sentido da existência se vincula à solidariedade na comunidade de vida, em que o homem integra sua dimensão emocional e mística à dimensão cognitiva. Trata-se de uma cultura milenar, cujos aspectos estão presentes na cultura popular em grande parte da América Latina. A outra racionalidade, a do ser, do ser alguém, impõem-se pelo colonizador europeu; trata-se de uma racionalidade de tipo ocidental que fundamenta um projeto do acúmulo de riqueza, que manifesta praticamente uma vontade de poder e mais poder, racionalidade que - na base do movimento colonizador - destrói vidas, culturas e ecossistemas; racionalidade egoísta e individualista que despreza a milenar solidariedade comunitária (46). Frente ao projeto do ser que se impõe, ocorre a resistência negadora do oprimido. No processo de dominação a racionalidade do ser nega a condição do estar. E desde a condição do estar, o povo permaneceria negando a dominação opressora.

Trata-se pois de estabelecer um método que possibilite desvendar em seus múltiplos matizes o sentido do estar, da resistência, da condição que é anterior à dominação cultural mas que também seria hoje presente nas manifestações culturais populares de resistência a tal dominação. O método formulado por Kusch, com esse escopo, é o método da negação. Assim, nos diz Kusch, se encontramos em algum lugarejo pessoas cantando coplas podemos apenas nos limitar ao aspecto das quadras e dos versos, mas também podemos, " por um método de negação chegar a outra margem profunda de estar, desde onde se dá a vontade deles de ser que sustenta o canto das coplas. Aí se abrem outros condicionamentos de sua restante concepção de mundo, inclusive o motivo real pelo qual dizem as coplas" (47). Temos assim que , um " ... método de negação nega o meramente dado a nível perceptivo ou de conceituação imediata, e chega à profundidade do fenômeno, ou seja, vai da mera copla ao seu transfundo humano..." (48), adentra-se em um campo de indeterminação, sobre o qual impuseram-se as determinações da cultura ocidental a que estamos habituados. Quando se canta a quadra sob a língua imposta há um ato de existir que não se esgota na própria quadra e que resiste à própria imposição. Desvendar o sentido latente que se estabelece desde o estar é resgatar nos fenômenos da cultura popular o seu sentido de resistência e alternatividade à cultura do ser opressor. O que aqui se diz ao canto das quadras, vale para as inúmeras outras manifestações culturais populares.

Em síntese, a América profunda, segundo o autor, possui duas raízes opostas, que se constituem em sua própria possibilidade: ser e estar. Ambos são modos de compreender o mundo e nele existir. Neste misto do estar e do ser, do americano e do europeu, emerge a ambigüidade dos símbolos, das linguagens que se impõem, na dinâmica de enfrentamento de dominação econômica, política e cultural. Somente desentranhando da América o sentido do estar a filosofia cumpriria seu papel no processo de superação da identidade do ser ocidental, neste caso, dominador e opressivo que se impôs à América.

Para Enrique Dussel - na primeira etapa de seu pensamento, anterior aos estudos de Marx e da Pragmática Transcendental e ainda marcado pelas influências de Heidegger, Lévinas e Ricoeur - a filosofia latino-americana deve assumir a ética que se formula a partir do face-a-face, como filosofia primeira. Tal filosofia é considerada, negativamente, como ruptura da cotidianidade e, positivamente, afirmação de um projeto existencial autêntico que, abrindo-se à revelação e manifestação do Outro antropológico, chega a um novo nível de criticidade metafísica. Afirma Dussel em América Latina Dependência e Libertação que "na passagem diacrônica, desde o ouvir a palavra do Outro até a adequada interpretação (e a filosofia não é senão saber pensar reduplicativamente essa palavra injetando-lhe nova mobilidade desde a consciência crítica do mesmo filósofo), pode ver-se que o momento ético é essencial ao método mesmo. Somente pelo compromisso existencial, pela práxis libertadora no risco, por um fazer próprio, discipularmente, o mundo do Outro, pode ter-se acesso à interpretação, conceituação e verificação de sua revelação" (49).

Instaurada a consciência ética, frente às injustiças sofridas pelas alteridades que nos interpelam com sua palavra, o filósofo se compromete com o processo de libertação destes seres negados atuando em sua peculiaridade como filósofo, transformando a filosofia em uma analética pedagógica da libertação. O filósofo é um mestre que, movido pelo respeito ao outro, se volta criticamente à totalidade a fim de esclarecer suas mediações, especialmente no que se refere a seu exercício hegemônico de poder e às formas de alienação que ela engendra. A tarefa inicial do filósofo, segundo o autor, é desconstruir as filosofias preexistentes (50), podendo então, ficar em silêncio, para escutar a voz do outro que irrompe de mais-além (isto é, como alguém situado para além dos horizontes ontológicos de nossa totalidade conceitual e que não é cabalmente redutível às nossas idéias), como exterioridade antropológica - como uma pessoa, uma família, um povo, uma cultura, etc. Historicamente trata-se de uma abertura à palavra interpelante de todo ser negado, como por exemplo, abertura à palavra dos setores populares que, promovendo uma práxis de transformação social e política, avançam na exigência da expansão das liberdades públicas e privadas. Neste quadro, Dussel afirma que "a filosofia é um magistério; é um pôr em crise que ensina ao discípulo mesmo (o outro) não o que ele já é (porque ele é história nova), mas sim lhe ensina criticamente o valor de seu gesto e permite teoricamente a abertura do caminho" (51).

A filosofia, portanto, não é política, mas possui uma função política: "o político é o que na libertação vai assumir o poder; o que vai organizar a nova ordem política. Enquanto que o filósofo 'fica na rua', à intempérie, na exterioridade, porque ainda ante à nova ordem possível, terá que voltar-se para lançar a crítica libertadora ao sistema. Não obstante, uma é a questão política, o exercício do poder, e outra a função crítico-libertadora do pensar filosófico; uma é a política e outro o magistério. As duas funções são necessárias, porém cumprem papéis distintos e apontam a diversos fins estratégicos" (52). A função do filósofo pode ser libertadora, quando, voltando-se sobre a polis critica as ideologias sob as quais oculta-se a dominação, e critica também, se necessário, o político que, no processo de libertação, foi seu companheiro de jornada.

Em Método para uma Filosofia da Libertação, Dussel explicita seu método analético - que já havia sido apresentado em outros trabalhos anteriores - e sua relação com a dialética (53). A analética aqui é destacada como práxis que visa responder à palavra interpelante do outro que emerge no mundo do mesmo como um rosto A analética não apenas considera o rosto sensível do outro antropológico, bem expresso - segundo Dussel - pela noção hebraica de basar, "carne", que indica o ser do homem unitário inteligível e sensível, sem cair no dualismo de corpo e alma, como também exige o colocar-se faticamente a "serviço" do outro com um trabalho criador. O rosto do outro, da alteridade, é sempre o dizer em pessoa, um aná-logos; palavra primeira e suprema: "... é o gesto significante essencial, é o conteúdo de toda significação possível em ato. A significação antropológica, econômica, política e latino-americana do rosto - segundo o pensador argentino - é nossa tarefa e nossa originalidade" (54).

Esta práxis perpassa todas as esferas da cotidianidade. Assim, a analética antropológica é uma econômica, uma erótica e uma política, que exigem um serviço ao outro que "... nunca é 'um só', mas... também é sempre 'vós'. Cada rosto no face-a-face é igualmente a epifania de uma família, de uma classe, de um povo, de uma época da humanidade e da própria humanidade como um todo, e ainda mais, do outro absoluto" (55). A palavra do outro, pois, interpela a uma práxis histórica que não se resume a uma mera relação intersubjetiva do interpelado com o interpelante.

Na reformulação da dialética, a partir desta perspectiva metafísica, Dussel irá se referir ao método analético, como momento analético do movimento metodológico como tal. O método analético parte da palavra do outro enquanto livre, como um além do sistema da totalidade. A palavra do outro, exterior à totalidade, só é interpretável analeticamente. O eu interpreta a palavra do outro a partir da totalidade da própria experiência do eu. Entretanto essa palavra do outro que transcende o próprio fundamento do eu, é palavra histórica que o eu não pode interpretar adequadamente, porque seu fundamento não é razão suficiente para explicar um conteúdo que, provindo do outro, escapa à história do eu, pois é história do outro. Daí decorre que na busca da interpretação da palavra do outro, o eu deve ascender até o âmbito do outro, tendo que crer no que lhe é dito e julgando-se sob esta palavra que ouve. Porém, é na história que essa palavra histórica vai se verificando. Somente o fato de crer numa palavra que não interpretamos totalmente e o compromisso que radicamos nessa crença - por exemplo, a crença de que aquele que se diz nosso amigo o seja realmente, de que o outro que afirma nos amar, nos ame realmente (pois do contrário não haveria a amizade ou o relacionamento amoroso) -, é o que nos permite verificá-la a posteriori. Tal verificação a posteriori muito difere do que ocorre no método ontológico, que remete aquilo que pensa ao seu fundamento a priori para conhecê-lo.

Assim, o método analético vai mais além que o dialético, que é o caminho que a totalidade realiza em si mesma: dos entes ao fundamento e do fundamento aos entes. O método analético passa da totalidade ao outro para servi-lo faticamente. Esta passagem ao outro, que trará uma nova fundamentação de si mesma, é dia-lética. Esta seria, segundo o autor, a verdadeira dialética, que tem um ponto de apoio analético e realiza um movimento ana-dia-lético. A falsa dialética não se apoiaria na analética. Segundo Dussel, o método da falsa dialética é o próprio caminho realizado pela totalidade sobre si mesma que vai dos entes ao fundamento e do fundamento aos entes; é a expansão dominadora da totalidade desde si como transição da potência ao ato de "o mesmo". O método analético entretanto, "... parte do outro enquanto livre, como um além do sistema da totalidade;... parte, então, de sua palavra, desde a revelação do outro e que con-fiando em sua palavra, atua, trabalha, serve, cria... O método analético é a passagem ao justo crescimento da totalidade desde o outro e para 'servi-lo' (ao outro) criativamente. A passagem da totalidade a um novo momento de si mesma é sempre dia-lética; tinha porém razão Feuerbach ao dizer que 'a verdadeira dialética' (há pois uma falsa) parte do diá-logo do outro e não do 'pensador solitário consigo mesmo'. A verdadeira dia-lética tem um ponto de apoio ana-lético (é um movimento ana-dia-lético); enquanto a falsa, a dominadora e imoral dialética é simplesmente um movimento conquistador: dia-lético" (56).

O método analético, para o autor, tem cinco momentos: a) "...parte da cotidianidade ôntica e dirige-se dia-lética e ontologicamente para o fundamento" (57) ; b) "...de-monstra cientificamente (epistemática ou apo-diticamente) os entes como possibilidades existenciais. É a filosofia como ciência, relação fundante do ontológico sobre o ôntico" (58) ; c) realiza a passagem analética da totalidade ontológica ao outro enquanto outro (59) ; d) acolhe a revelação do outro que cria um novo âmbito fundamental ontológico aberto ao ético (60); e) julga-se o nível ôntico a partir do fundamento ético em função de uma práxis analética como serviço ao outro. Em outras palavras, "... o próprio nível ôntico das possibilidades fica julgado e relançado a partir de um fundamento eticamente estabelecido, e estas possibilidades como práxis analética transpassam a ordem ontológica e se adiantam como 'serviço' na justiça" (61). A explicitação dessa articulação metodológica será retomada posteriormente por Dussel também em seu diálogo com Apel, como veremos posteriormente.

Outro pensador que colaborou ativamente na emergência da filosofia da libertação, foi Hugo Assmann. Parte de seus textos revela uma preocupação com as implicações concretas da linguagem mediadora da reflexão filosófica sobre a práxis efetiva. Sua crítica aos limites da noção metafísica de alteridade o levará, posteriormente, à reflexão sobre a corporeidade. Como destacamos no primeiro item deste trabalho, a linguagem de libertação perpassou elaborações de antropologia, sociologia, teologia, pedagogia, filosofia e outras áreas teóricas durante a década de 70. A vigência de tal linguagem e suas sucessivas recuperações - que foram alterando seu escopo inicial - tornou-se, para Assmann, tema de algumas reflexões inquietantes. Em um artigo de 1972 (62)o autor já destacava que "é bastante natural que a mesma vigência ampla da linguagem de libertação comporte o perigo de seu esvaziamento" (63).

Conforme Assmann, a linguagem de libertação no anos 70 veicula uma consciência da historicidade real latino-americana de povos dominados. Em um contexto de dominação, ela é um ato de presença rebelde, incluindo a decisão de romper com a situação: "Esta nova linguagem é, pois, expressão de fato de um novo estado de consciência de conotações revolucionárias peculiares. (...) Na América Latina, nem sequer os ideais de emancipação da primeira Independência tiveram penetração tão profunda e rápida, nem força aglutinadora tão potente. A libertação, como segunda e verdadeira Independência de nossos países dominados, nos situa, portanto, em um contexto revolucionário inédito sob muitos aspectos." (64)

Considerando, contudo, o emprego desta linguagem pela teologia - e podemos ampliar tal asserção também para a filosofia - afirma que esta deve cuidar para não esvaziar a linguagem de libertação de suas implicações transformadoras que estão na base de seu surgimento. "A linguagem de libertação não é outra coisa em sua essência - conforme o autor - que o correlativo político da linguagem socio-analítica da dependência." (65) Os temas centrais ao debate, possuem uma dimensão política, sendo necessário um tratamento científico interdisciplinário - combinando o acúmulo das variadas ciências sociais - a fim de compreendê-los satisfatoriamente e articulá-los sob uma linguagem adequada:

"A linguagem de libertação surgiu na América Latina como veículo de articulação das conseqüências de luta política que derivam da tomada de consciência de nossa situação de povos estruturalmente dependentes. (...)
"Para a maioria dos que adotaram a linguagem de libertação de forma conseqüente, esta implica o uso de um instrumental sócio-analítico derivado do marxismo, e uma estratégia de luta que conduza a um tipo de sociedade socialista." (66)

Considerando os perigos do esvaziamento da linguagem de libertação, Assmann destaca que a rápida introdução desta linguagem em amplos círculos cristãos - inclusive em documentos oficiais da Igreja Católica - levava ao perigo de que se esquecesse a verdadeira origem e real significação desta linguagem que surge fora das igrejas. Entretanto, como as igrejas na América Latina experimentavam um vazio de elaboração teológica que respondesse aos seus reais desafios, a linguagem teológica de libertação acabou por suprir o desgaste das tradicionais linguagens eclesiásticas, sofrendo ajustes e manipulações face às necessidades eclesiais (liturgias libertadoras, catequeses libertadoras, etc...), não se percebendo as implicações históricas e políticas que esta nova linguagem trazia consigo. Por outro lado, Assmann também destaca que muitos grupos cristãos de vanguarda assumiram conseqüentemente a linguagem libertadora, buscando aprofundar suas implicações no compromisso efetivo na luta dos povos latino-americanos. Contudo, esses grupos poderiam ainda ser considerados, no início dos anos 70, como minorias proféticas com uma posição disfuncional em meio ao contexto institucional das igrejas.

Em outro trabalho bastante posterior - característico do período de críticas e revisões - Assmann destaca a importância dos desafios que a filosofia analítica traz à filosofia da libertação, ao considerar o emprego concreto das palavras nos jogos de linguagem. Destaca o autor que sob o aspecto motivacional certos jogos de linguagem podem operar satisfatoriamente, mas que sob o aspecto operacional nas situações de conflito, tais jogos tornam-se irrelevantes tornando débil a práxis efetiva que pretende ser libertadora. Pior que isso, permitem uma recuperação cooptadora que não apenas neutraliza seu caráter libertador, como possibilita desdobramentos de manipulação e reorientação de processos coletivos por parte de grupos das classes dominantes. Em outras palavras,

"... os discursos da ‘libertação’, apesar de sua pujança emotivo-motivacional, que pode funcionar nos preâmbulos ou nos momentos ‘posteriores’ à própria práxis, padecem de uma duvidosa operacionalidade na hora da ação, e podem, por isso mesmo, ser facilmente manipulados, esvaziados e cooptados. O mesmo sucede com as linguagens sobre a ‘historicidade". São linguagens que conseguem construir cenários utópicos (num sentido muito positivo do termo), mas tem dificuldades em organizar operacionalmente a esperança. Determinadas linguagens comunitárias (Gemeinschaft) são totalmente frágeis e até irrelevantes quando jogadas nas contradições da sociedade (Gesselschaft).(...)
" Wittgenstein dizia que o principal defeito da filosofia consiste em ‘ter esquecido o uso concreto das palavras’ (IF § 90). Talvez se possa olfatear por aí algo de desafio proveniente da filosofia analítica." (67)

 

3.2 O Período de sistematização, revisão, críticas e autocríticas. 

Neste período, os autores vão retomando seus trabalhos anteriores, sistematizando-os, revendo posições, ampliando-se o debate crítico entre eles. Três livros podem ser citados neste contexto: Filosofia de la Liberación, de Enrique Dussel publicado em 1977 (68)- como trabalho de sistematização, em grande parte, de suas idéias formuladas na fase anterior; Filosofia de la Liberación Latinoamericana, de Horácio Cerutti Guldberg, publicada em 1983 (69) - como sistematização de trabalhos de vários autores que são, em sua maioria, por ele criticados; e El Exilio de la Razon, de Osvaldo Ardiles, publicado em 1988 (70) - realizando uma autocrítica em seu pensamento, apresentando possíveis correções no uso de categorias como totalidade e exterioridade, por exemplo.

Em diversos estudos historiográficos sobre a filosofia da libertação encontramos a tentativa de classificar ou ordenar as diversas publicações em blocos que tenham uma certa unidade, a fim de apresentar o conjunto das reflexões de maneira mais coerente e sistematizada. Fica evidente, contudo, a dificuldade desta tarefa. As classificações divergem bastante, dependendo do critério adotado na sua execução - seja considerando-se o jogo categorial utilizado, seja a disposição do pensador frente a um determinado problema, seja considerando-se as fontes teóricas das quais o pensador se apropria, seja o papel de tal reflexão frente aos processos políticos e ideológicos no contexto de sua emergência, etc. Alguns autores enfatizam a dificuldade de realizar tais agrupamentos; destacam que realizam apenas a classificação de textos, o que significa dizer que seria inviável enquadrar os diversos pensadores em determinadas correntes, uma vez que na própria trajetória intelectual destes ocorrem significativas rupturas. Outros contudo, embora considerando os limites de suas classificações, dispõem os próprios autores em determinadas vertentes. Há quem fale da cristalização de correntes que mantém, como pilares, pressupostos fundamentais apresentados desde seu início. A rigor, inúmeras classificações foram realizadas, mas destacaremos aqui apenas três para ilustrar esta dificuldade: as de Horácio Cerutti, Pablo Guadarrama e Raul Fornet-Betancourt.

Analisando as elaborações de diversos pensadores envolvidos com a filosofia da libertação Horacio Cerutti Guldberg destaca, a seu ver, o papel que elas jogam nos processos ideológicos e políticos nos contextos históricos em que emergem. Apresentada pela primeira vez no IX Congresso Interamericano de Filosofia em 1977, e aprimorada em sua tese de doutorado defendida no mesmo ano, esta classificação acabou gerando grandes controvérsias e inúmeras críticas de vários autores.

A partir de um marxismo althusseriano - manejado, segundo seus críticos, com pouca dialética e muita simplificação - e considerando basicamente a elaboração de pensadores argentinos, Cerutti busca explicitar algumas orientações distintas internas à Filosofia da Libertação, dividindo-a em dois grandes blocos, um populista e outro crítico, que são subdivididos respectivamente em outros dois subsetores: o da ambigüidade concreta e o da ambigüidade abstrata, no primeiro caso, e historicista e problematizador, no segundo caso. O divisor de águas nesta classificação permanece a valorização ou não do marxismo, a assunção de categorias como povo e nação e a operatividade do discurso frente ao populismo argentino.

Assim, o setor populista assentaria seu discurso sobre as ambigüidades da doutrina do peronismo, rejeitando o marxismo. O setor da ambigüidade concreta, comporia aqueles que estruturam a ambigüidade como categoria filosófica. As principais obras elencadas nesta vertente pertencem a Rodolfo Kusch, Mário Casalla, Amélia Podetti. Já o setor da ambigüidade abstrata, desenvolvendo teses de cunho ético-político, tentaria manter uma distância crítica do peronismo, mas o seu discurso abstrato acabaria sendo ambíguo. Nesta vertente as obras elencadas são de Juan Carlos Scannone, Enrique Dussel, Osvaldo Ardiles, Aníbal Fornari, Daniel Guillot e Alberto Parisi.

Por sua vez, o setor crítico do populismo inspirar-se-ia no marxismo e no freudismo. O setor historicista teria como atividade central o trabalho historiográfico, pesquisando a relação da filosofia da libertação com seus antecedentes dentro da tradição do pensamento argentino e latino-americano; analisaria sua gênese e novidade. As obras elencadas nesta vertente são de Arturo Andrés Roig e Leopoldo Zea. Por fim, o setor problematizador daria ênfase à dimensão epistemológica da filosofia da libertação, buscando questionar e verificar o discurso. Nesta vertente são elencadas obras de José Severino Croatto, Manuel Ignácio Santos, Hugo Assmann e inclusive do próprio Cerutti.

Um pouco mais refinada que esta classificação - que o próprio Cerutti relativizará posteriormente - é o estudo comparativo organizado por Pablo Guadarrama González. O autor agrupa os filósofos da libertação em quatro vertentes que, no geral, possuiriam uma propensão humanista voltada à consecução da libertação social, considerando em tal classificação, basicamente, o conceito que têm da libertação e um certo consenso sobre as vias que propõem para alcançá-la.

O primeiro grupo, conforme Guadarrama, parte dos trabalhos de Rodolfo Kusch na Argentina e engloba, entre outros, trabalhos de Juan Carlos Scannone, Carlos Cullen e Dina Picotti. Este grupo tem em comum a reflexão sobre a libertação a partir de uma perspectiva culturológica, voltando-se ao ethos cultural dos povos latino-americanos, visando resgatar e destacar valores autóctones e populares que acabaram sendo alienados em razão da dominação cultural. A reflexão filosófica de libertação deveria considerar os elementos ético-míticos e religiosos que se localizam no núcleo da cultura latino-americana, necessitando para tanto uma mediação simbólica que consiga recuperar elementos não racionais dessa cultura.

O segundo grupo teria por antecedente alguns trabalhos de Augusto Salazar Bondy e por expoente maior Francisco Miró Quesada, em torno de cuja posição estariam agrupados, entre outros, Samuel Guerra e Carlos Paladines. Aqui a libertação é concebida " através das possibilidades do domínio da racionalidade como via efetiva para desalienar ao homem latino-americano e dessa forma recuperar a plena humanidade mediante o consenso baseado na razão." (71)

No terceiro grupo temos, entre outros pensadores, Leopoldo Zea, Osvaldo Ardiles, Carlos Matos, Yamandú Acosta, Germán Marquínez Argote, Luis José Gonzales, Sirio López Velazco e Roque Zimmermann. Aqui, em geral, compreende-se que " a libertação se apoia nas possibilidades de uma democracia efetiva que permita liberdades políticas, culturais e econômicas como condição da liberdade plena do homem." (72)

O quarto grupo, composto por Enrique Dussel - em sua última fase -, Horácio Cerutti Guldberg, Arturo Andrés Roig, Alejandro Serrano Caldera, entre outros, tem como característica fundamental, segundo Guadarrama, uma posição muito próxima à perspectiva marxista. Destacam que a libertação e independência do continente somente é possível " através de uma revolução nacional libertadora de transcendentes dimensões sociais que supere as alienantes relações capitalistas e se oriente para o socialismo" (73).

Por sua vez, para Raúl Fornet-Betancourt, o desenvolvimento seguido pela filosofia da libertação cristalizou em seu seio algumas correntes que se manteriam fiéis a certos princípios estabelecidos desde o seu início, entre eles a necessidade de uma " ruptura com a tradição filosófica ocidental como condição da possibilidade para um filosofar americano original, e o convencimento de que o verdadeiro sujeito do filosofar é o povo" (74). Betancourt distingue duas correntes no interior da filosofia da libertação: a do ethos ou cultura popular, e a que possui orientação e vocação marxistas, buscando demonstrar que os pressupostos de tais vertentes estabelecidos anteriormente continuam determinando, em boa parte, o pensamento de libertação na América Hispânica. Explicitando a primeira vertente, Betancourt destaca trabalhos de Rodolfo Kusch (75) e Carlos Cullen; já no caso da segunda destaca os trabalhos de Enrique Dussel.

Como vemos, a discrepância entre essas classificações é notória. Curiosamente, em algum momento, as três invocam a proximidade ou não com o marxismo como critério distintivo de posições e mesmo assim, autores como Enrique Dussel são posicionados em campos díspares, ora considerados no setor de uma ambigüidade abstrata que criticava o marxismo, ora considerados como expressão de uma vertente de filosofia da libertação de linha marxista. Em nossa opinião, contudo, melhor seria afirmar que em certo período de sua reflexão Dussel criticou o reducionismo esquemático de marxistas argentinos que não manejavam adequadamente a dialética - embora nessa mesma época o próprio Dussel carecesse também de um entendimento adequado do pensamento de Marx - e em um período posterior acabou tornando-se um marxólogo, isto é, um estudioso do pensamento de Marx, buscando em tal estudo, entretanto, algumas categorias que consolidassem a sua própria filosofia da libertação, a qual vinha sendo gestada há mais de uma década (76). Um estudo atento da obra de Dussel, torna claro que suas noções de totalidade, mediação e alienação não são propriamente marxistas e que ele ensaia várias tentativas de articular o método dialético com a categoria de exterioridade sem entretanto chegar - em nosso entendimento - a uma cabal resolução deste problema (77).

A simplificação de posições operado pela maioria dos divulgadores acabou acarretando, aos que tiveram notícia das filosofias de libertação a partir de fontes segundas e que não foram aos originais, uma compreensão geralmente inadequada destas vertentes filosóficas. Isso mostrou-se tanto mais grave para o público brasileiro que experimenta grandes dificuldades em ter acesso a certas publicações realizadas em outros países latino-americanos - que em geral não circulam em nossas terras - especialmente em se tratando de livros que tiveram edições esgotadas nos anos 70 e que não sofreram posterior reimpressão. Neste quadro, é dramático destacar que o clássico livro de Leopoldo Zea La Filosofía Americana como Filosofía Sin Más, publicado em 1969, que foi várias vezes reeditado em espanhol, somente foi traduzido ao português há pouco mais de um ano.

Quanto a algumas simplificações, não nos parece correto afirmar que "a ruptura com a tradição filosófica ocidental" seja assumida pelo conjunto dos filósofos da libertação "como condição da possibilidade para um filosofar americano original", ou de que todos estejam "convencidos de que o verdadeiro sujeito do filosofar é o povo". Embora alguns autores tenham destacado a dificuldade de refletir os fenômenos americanos a partir das categorias filosóficas produzidas por outras culturas - o que geraria, segundo eles, uma compreensão ambígua de nossa realidade - a tradição filosófica ocidental está presente na elaboração de todos eles. Por outra parte, muitos filósofos da libertação, ainda no período de emergência, levantaram duras críticas sobre algumas posições acerca do povo como sujeito do filosofar. Analisemos melhor esses dois aspectos.

Não há como discordar que a categoria América Latina, por exemplo, seja ambígua se se pretende que ela expresse adequadamente a realidade díspar de culturas indígenas, que se expressam em variadas línguas em nosso continente, e de diversas culturas africanas presente em nossa realidade - que nada têm a ver com a latinidade em sua orígem e nem com a homenagem que se prestou a um certo navegante, em memória do qual se batizou este continente como América. Não há dificuldade em aceitar que seja necessário produzir novas categorias e conceitos para pensar problemas recolocados de uma nova maneira. Entretanto, um olhar atento sobre quase tudo o que, de importante, se produziu como filosofia da libertação evidencia que categorias, métodos, conceitos e estratégias teóricas disponibilizadas pela tradição filosófica ocidental foram a base sustentadora dessa reflexão filosófica. As filosofias de libertação, enfrentando os problemas que elegeram como prioritários à investigação, acabaram por gerar novas categorias, conceitos e métodos que somente se mantém sendo postos em diálogo com essa mesma tradição filosófica ocidental.

A categoria do ser-negado, por exemplo, aparece a partir de uma reflexão sobre a exterioridade que encontra sua orígem em Emmanuel Lévinas, questionando a eticidade da existência frente ao horror do totalitarismo nazi-fascista da segunda guerra mundial e a violência sofrida pelo povo judeu. Frente ao movimento de aniquilação da alteridade, anteriormente já reduzida a um conceito nos limites do horizonte ontológico de um mundo, de uma totalidade, Lévinas afirma a proximidade, movida por um desejo do invisível, como o central momento ético da vivência de cada pessoa. Quando Enrique Dussel, por sua vez, recoloca o problema da negação da alteridade na América Latina, o faz transformando as categorias de Lévinas - o que é claramente perceptível, por exemplo, em um estudo comparativo da categoria de proximidade em ambos (78). Não se trata, portanto, de uma originalidade que rompa com a tradição filosófica mas, pelo contrário, de uma originalidade que sabe filosofar criticamente sobre a própria tradição e sobre a realidade histórica em que tal reflexão se atualiza.

Seguramente Rodolfo Kusch foi um dos autores que mais destacou a limitação das categorias filosóficas ocidentais para considerar o fenômeno da América profunda. Contudo, quando busca formular novas categorias para expressá-lo vale-se da própria linguagem latina e da cultura de povos ocidentais que permitiram distinguir, por exemplo, o ser e o estar. Ao categorizar filosoficamente ambas as expressões, buscando desvelar de maneira mais adequada a América profunda, Kusch tem consciência que não pode fugir de uma intencionalidade investigativa que se formulou filosoficamente a partir de uma certa tradição reflexiva e lingüística, mas que pode significar de outro modo as palavras dessa cultura. É inegável a busca por construir novas categorias e métodos, mas também é inegável que tal construção se faça marcada por elementos da tradição filosófica dos quais não se pretende esquivar mas reelaborar a partir de uma outra racionalidade.

Do mesmo modo, a argumentação desenvolvida por vários autores, na qual se considerava "o povo como sujeito do filosofar", não deve ser compreendida fora dos quadros da problematização por eles realizada durante a década de 70, a fim de não equivocarmos sua reflexão. A argumentação de Roig sobre os filosofemas presentes nas teorias orientadoras dos movimentos sociais-populares de libertação na América Latina, tanto quanto, a argumentação de Kusch sobre um caráter ético e estético do estar indígena, negro ou popular que subjaz a inúmeros fenômenos culturais sincretizados sob símbolos de uma cultura ocidental, como também, a argumentação de Dussel de que é preciso superar os horizontes conceituais de nossa totalidade ontológica a partir de uma abertura à palavra interpelante de todo outro - como um povo indígena ou algum movimento popular, por exemplo - que, desde sua exterioridade, emerge em nosso mundo clamando por justiça e pela realização de sua distinção humana, não podem ser reduzidas sumariamente à afirmação de que todos advoguem a mesma tese sobre o povo como sujeito do filosofar. Mesmo porque, há muita divergência no emprego da expressão povo não apenas entre os filósofos da libertação como, ademais, nas variadas ciências humanas que se valem desta noção em algum momento analítico.

Como muitos comentadores salientaram, a discussão realizada nos anos 70 sobre a existência e características de uma cultura popular, que manteria viva a resistência de identidades peculiares frente aos processos de aculturação hegemônica sofridos pelas nações colonizadas ou dependentes, as reflexões sobre a delimitação de quem seria o sujeito desta cultura, isto é, quem seria o povo, bem como, os diversos empregos dessa expressão no campo antropológico (cultura popular, imaginário popular, etc), sociológico (movimentos populares, classes populares, etc), no campo pedagógico (educação popular, etc), no campo político (democracia popular, etc) e em tantas outras áreas, revela como é problemático considerar o termo povo ou setores populares como expressão unívoca de um certo conjunto de classes sociais, portador e gerador de uma cultura peculiar, capaz de mobilizar-se em função de determinados objetivos comuns ou capaz de caracterizar, por sua participação, um certo tipo de democracia.

A pergunta colocada nos anos 70, a partir da pedagogia do oprimido de Paulo Freire - em que o processo de conscientização valorizava a cultura do educando, partia da problematização de sua realidade e mantinha um diálogo em que ocorria a comunicação dos diferentes saberes acumulados por todos os participantes para a compreensão conceitual do tema gerador - era como construir democraticamente novos conceitos, em um processo dialógico popular, que contribuíssem, pelo seu grau de criticidade, na transformação da realidade concreta do conjunto da população. Esse movimento de partir da cotidianidade, questionar as representações do senso comum sem menosprezar os elementos do bom senso ali presentes, construir conceitos que permitissem uma compreensão global da totalidade investigada, sistematizando-os de modo a produzir uma consciência crítica social voltada à ampliação do exercício ético das liberdades em todas as esferas - tanto da vida privada quanto da vida pública - desafiou vários filósofos latino-americanos a tentar considerar categorialmente aquele processo em que sujeitos coletivos produziam conceitos valiosos à emancipação de cada um em particular, de todos enquanto grupo e que traziam, ainda, elementos preciosos para a transformação da sociedade em geral. Qual seria a filosofia implícita nessa educação popular ? Não seria também possível filosofar desse modo: problematizando a realidade em uma interlocução popular permanente, resgatando os diversos saberes dos participantes, recuperando os acúmulos teóricos valiosos da tradição filosófica, produzindo conceitos que contribuíssem à emancipação de todos os que participam da reflexão - e porque não supor de toda a população que poderia progressivamente ir alargando sua capacidade de crítica conceitual e seu compromisso solidário com os que estão impedidos de realizar sua dignidade humana - enfrentando problemas concretos da ética, da política, da estética, do conhecimento, etc?

Ora, se o povo era o sujeito dos círculos populares de cultura, se o povo era sujeito da educação popular e se nestes processos pedagógicos ele se mostrava capaz de produzir conceitos que podiam contribuir com a libertação do conjunto da sociedade, então seria legítimo postular-se que o povo - enquanto parcelas organizadas da população que buscam ampliar os exercícios públicos e privados da liberdade - também poderia atuar como sujeito co-participante no processo de elaboração de conceitos que poderiam ser sistematizados em uma filosofia libertadora. Por outra parte, parecia cada vez mais correta a tese de que nenhum filósofo poderia pretender elaborar uma filosofia de libertação independentemente de uma viva interlocução com os sujeitos coletivos que, pela sua práxis histórica, buscavam transformar efetivamente o conjunto das relações sociais. O modo de articulação destes filósofos com as organizações sociais ou segmentos populares marginalizados e discriminados, contudo, variou bastante. De qualquer modo, seja resgatando filosofemas na história dos movimentos emancipatórios, seja buscando um diálogo direto com as culturas indígenas, seja acompanhando cotidianamente os movimentos sociais-populares, problematizando suas representações ou questionando ética e politicamente seus projetos, muitos filósofos da libertação na América Latina acabaram produzindo uma significativa literatura com valiosas contribuições no campo da ética, da política, da ação comunicativa, da história das idéias, da filosofia da educação, da semiótica, da economia política, entre outras, a partir de uma certa interlocução com os setores populares da sociedade civil.

Não menos problemática ainda era a noção de sujeito do filosofar. Houve quem afirmasse que a filosofia é fruto de uma cultura que encontra no filósofo um sujeito que a expressa. Não nos deteremos aqui, entretanto, em esclarecer a variedade das noções de sujeito que se construíram a partir de posições dialéticas, metafísicas, fenomenológicas, estruturalistas, etc. Queremos destacar apenas que certas simplificações - desde as quais alguns pensadores se posicionaram favoravelmente ou contrariamente à filosofia da libertação - acabaram por acobertar reflexões complexas que demandam uma investigação mais acurada para um posicionamento crítico satisfatório.

 

3.3 O diálogo mundial sobre a filosofia da libertação 

Desde o período de emergência da filosofia da libertação, ocorreram muitos eventos acadêmicos que propiciaram um diálogo internacional sobre esta reflexão. Nos Congressos Interamericanos de Filosofia, nos Congressos Internacionais de Filosofia Latino-americana, nos Congressos Mundiais de Filosofia e em outros fóruns de debates filosóficos internacionais sua participação tem sido efetiva. A partir de 1989, contudo, inicia-se um programa regular de debates envolvendo, inicialmente, filósofos latino-americanos, europeus e norte-americanos e, posteriormente, pensadores de todos os continentes em torno de questões éticas. Trata-se do Programa de Seminários do Diálogo Filosófico Norte-Sul, que envolveu, em princípio, a Ética do Discurso e a Filosofia da Libertação, mas que, em seguida, abriu-se para um debate mais amplo com outras vertentes de pensamento como a teoria crítica e o marxismo. Em razão do interesse despertado no hemisfério norte pela filosofia da libertação, uma certa parte de sua literatura considerada clássica está traduzida para o inglês e o alemão (79). Deste Diálogo acabou por surgir um outro programa investigando o problema de uma Filosofia Intercultural, já tendo ocorrido dois congressos internacionais sobre o tema, com pensadores de todos os continentes.

Os seminários do Diálogo Filosófico Norte-Sul, realizados até 1997, foram seis. O primeiro realizou-se em Freiburg-in-Brisgau em 1989, com o tema Filosofia da Libertação: Fundamentação da Ética na Alemanha e América latina (80). O segundo ocorreu na Cidade do México em 1991, com grande participação de filósofos norte-americanos (81). O terceiro aconteceu em Mainz em 1992, com o tema Diálogo intercultural no conflito Norte/sul. O Desafio Hermenêutico (82). O quarto ocorreu em São Leopoldo-RS em 1993, com o tema Razão e Contextualidade (83). O quinto teve lugar em Eischstätt, Alemanha, em 1995, com o tema Pobreza - Ética - Libertação : Interpretações e Modelos de Ação na Perspectiva Norte-Sul (84). O sexto ocorreu em 1996, também em Eischstätt, com o tema Pobreza, Globalização e Direito à Propria Cultura (85). A maior parte dos trabalhos já se encontra publicada (86).

Neste Diálogo, têm-se destacado a Ética do Discurso de Apel e a Filosofia da Libertação de Dussel, o qual manteve, particularmente, outros diálogos com Paul Ricoeur e Richard Rorty, dos quais também resultaram novas publicações (87). Resgataremos aqui, entretanto, apenas alguns elementos apresentados nos seminários anteriormente citados, privilegiando o diálogo Apel-Dussel. O limite sumário desta apresentação não permite o detalhamento dos argumentos desenvolvidos na bibliografia referida.

 

3.3.1 Alguns Elementos da Ética do Discurso de Karl-Otto Apel 

Contrariamente à filosofia analítica que, distinguindo fatos e normas, relegou a ética à esfera da consciência individual, subjetiva, Apel buscará bases objetivas válidas para uma ética universal. Combatendo a tese da neutralidade neopositivista de que a vida pública deve pautar-se por uma racionalidade livre de valores, Apel insiste que a própria ciência necessita de normas morais que estão implicadas tanto no procedimento de comunicação da comunidade científica quanto no tratamento de necessidades e interesses humanos envolvidos nas pesquisas. Se a constituição primária do objeto de investigação necessita do consenso comunicativo, então tem-se aí a suposição de normas morais que estão implícitas ao argumentar. Conforme explicita Michael Candelaria, " ... a comunidade ética intersubjetiva é uma pré-suposição da compreensão do sentido" (88). Esse consenso da comunidade de comunicação, contudo, depende de regras formalizáveis como afirmaram Searle e Austin (89).

A pragmática transcendental de Karl-Otto Apel enfrenta por outro lado o ceticismo a partir da reflexão sobre a possibilidade da experiência e condições da dúvida enquanto argumentação considerando o sujeito submetido a regras lingüísticas da comunidade para o emprego dos sinais. Em toda argumentação, segundo Apel, existem alguns pressupostos ou condições de possibilidade que são deduzíveis transcendentalmente: a) a existência de uma comunidade de comunicação, isto é, existência de complexos interpessoais que são a condição básica para que os sinais tenham algum significado; b) a vigência, como regras do argumentar, de uma lógica mínima e uma ética mínima, assegurando uma racionalidade e uma argumentação não contraditória - no primeiro caso - e reconhecendo que todos os interlocutores têm a mesma liberdade e iguais direitos em sua pretensão à verdade - no segundo caso. Aqui o juízo somente é considerado como verdadeiro quando a comunidade o admite como sendo. A verdade é pois o consenso no seio de uma comunidade de comunicação que, por seu princípio transcendental, é irrestrita (90) . Esta ética mínima exige que a filiação à comunidade de comunicação seja livre, que os participantes reconheçam as pretensões legítimas dos outros, quando estas estiverem justificadas por argumentos, emergindo a validade intersubjetiva mediante discussão e acordos. Tem-se, assim, a " ... base de uma ética da democrática formação de vontade através de acordo (convenção)..." (91).

A partir destas afirmações de caráter transcendental ocorre o desenvolvimento de uma Ética do Discurso que refuta o ceticismo, pois o cético, ao argumentar negando qualquer coisa, cai em contradição performativa, uma vez que já supõe certas condições transcendentais para que sua palavra tenha algum sentido. " Quem argumenta - afirma Apel - reconhece implicitamente todas as possíveis pretensões de todos os membros da comunidade de comunicação, que podem ser justificadas por argumentos racionais..." (92) .

 

3.3.2 Críticas de Dussel a Apel - Sobre as fragilidades da Ética do Discurso no enfrentamento do cínico. 

Ao invés de tomar o cético como figura oponente da argumentação ética, Dussel considera a posição do cínico e o desafio que este traz para a fundamentação da ética. Comenta Dussel que quando o cético entra na argumentação ele afirma praticamente o outro como interlocutor, o que já não ocorre com o cínico. Este, pelo contrário, nega o outro desde o princípio, mesmo quando argumenta, negando qualquer prioridade à razão discursiva ou aceitação à condição de exterioridade do outro.

O cinismo como Dussel o compreende é a " ... afirmação do Poder do Sistema como fundamento de uma razão que controla ou governa a razão estratégica como mediação de sua própria realização (como Poder absoluto). Tem um sentido ontológico (o Ser como Vontade-de-Poder). O cínico - esclarece Dussel - não é o militar quando descobre um argumento para fugir à morte em um ato de covardia na batalha..., mas quando, enquanto militar e como valentia, define o Inimigo como 'a coisa a ser vencida', e ante a qual não cabe exercício algum de uma razão ético-discursiva." (93) . Expressão da razão cínica, segundo o autor, são, por exemplo, a ocupação norte-americana do Panamá em 1991 para manter o controle do canal sob tutela dos Estados Unidos, ou a atitude de empresários das transnacionais que desempregam milhares de pessoas no mundo todo em função da racionalização de custos, do aumento de produtividade e do lucro com o emprego de novas tecnologias, ou ainda a ação do torturador ante o torturado, que pergunta, argumenta, coage e agride até à morte.

Para refutar o cínico, Dussel analisará a condição ética ilocucionária que torna possível a argumentação ética na comunidade de comunicação. Para o autor, a posição ética do momento ilocucionário do ato de fala é o face-a-face. Como encontro entre pessoas, trata-se do momento primeiro da comunidade de comunicação, o entrar na argumentação. O cínico, contudo, nega o face-a-face, pois o outro é para ele um meio para a realização de seu projeto, uma mediação para a consecução de seu interesse econômico, político, militar, educativo, etc. O outro é transformado em coisa a partir da razão estratégica manejada pelo cínico como mediação do Poder. " Frente ao cínico - afirma Dussel - nada pode argumentar a Ética do Discurso com sua pretensão de fundamentação última, porque, sem contradição (nem lógica, nem pragmática), o cínico não entrará jamais em alguma argumentação ética. À sua 'razão estratégica' somente interessa entrar em uma argumentação de negociação, de Poder a poder, de força, de eficácia... Desde o Poder se estabelece, por meio da razão estratégica como instrumento, a 'moral' do sistema..., a 'unidimensionalidade' mostrada por H. Marcuse." (94).

O problema que passaria desapercebido à Ética do Discurso é que seu enfrentamento do cético se realiza em um sistema, em uma totalidade, onde impera a razão cínica. A ética, pois, possui um momento, anterior ao próprio discurso, como negação da razão cínica e princípio do processo de libertação. Trata-se da disposição frente ao rosto do outro como alguém, como exterioridade que jamais pode ser reduzida ao papel de mediação. A responsabilidade ética frente ao rosto do outro que se revela outro no interior de um sistema dominado pela razão cínica é anterior a toda argumentação discursiva, a toda fundamentação última e a toda responsabilidade posterior. Desde essa anterioridade e responsabilidade a filosofia da libertação pode lançar mão da Pragmática Transcendental contra o cético, pois este, ao destruir os fundamentos da ética permite que a razão cínica domine sem escrúpulos. Desapercebidamente ou não o cético cumpre uma função frente à estratégia da razão cínica. De outra parte, a Ética do Discurso que se limita a refutar o cético é incapaz de enfrentar o cínico e acaba por ocultá-lo. Pretendendo-se uma formulação de validade universal, a Ética do Discurso leva os que estão submetidos às estruturas de poder fundadas na razão cínica a uma atitude equivocada frente às ações necessárias de enfrentamento da razão estratégica, considerando inúmeras instituições sociais reais como aproximações progressivas de uma comunidade ideal de comunicação, sendo que as decisões tomadas nessas esferas, aparentemente democráticas, são regidas por uma razão cinicamente estratégica que renega a racionalidade ética.

 

3.3.3. As Réplicas de Apel: Ética e Razão Estratégica. 

Conforme Apel, em princípio, discursos de conciliação são possíveis pois a boa vontade para a conciliação no discurso pode estar pressuposta pelos argumentantes, mesmo que seus interesses sejam antagônicos. Contudo, quando tal antagonismo é profundo - não mais frente ao cético, mas ao cínico - poder-se-ia contar com a boa vontade tendo em vista a conciliação discursiva ?

Conforme Apel, se o cético rejeitar o discurso, se rejeitar argumentar sua posição cética ele deixaria de ser um cético. De outra parte, se tal rejeição ocorrer por motivos estratégicos, para não ser refutado, para não por em questão seus interesses econômicos e políticos, então ele se torna um cínico. Nesta circunstância, entretanto, ele não pode mais argumentar e questionar a fundamentação da ética do discurso, mas poderia questionar radicalmente sua aplicabilidade prática movendo-se ao âmbito da razão estratégica. Não seria assim a ética do discurso ingênua frente ao cínico ? Mas por outro lado, considera Apel, se desprezarmos as comunidades reais de comunicação para a resolução dos conflitos a única prática de libertação que teria sentido seria a guerra, a guerra civil, mesmo a nível mundial. Conforme o autor, as posições de Dussel avançariam em certa passagem na confirmação desta alternativa e em outras no privilegiamento de reformas e inclusive da utilização da ética do discurso acompanhada da prática da conscientização - no sentido de Paulo Freire.

Frente a este problema Apel nega que a "a ação argumentativa da ética do discurso" exerça uma "função dentro do sistema". Mas como responder ao questionamento que " ... parceiros de discurso - cético e outros - podem, a qualquer momento, estar motivados estrategicamente, de tal modo que visam exclusivamente a instrumentalizar o discurso, do qual participam, para seus próprios objetivos... " ? (95). Segundo Apel, se a pessoa que levanta tal questionamento estiver disposta a refletir sobre o que ela pressupõe como intenção argumentativa, ela se reconheceria como " ... representante de uma argumentação séria, estrategicamente incondicional...: ela própria tem que, comparada com eles, encontrar-se num nível de reflexão superior de princípio: no nível de reflexão daqueles que - estrategicamente sem restrições - conduzem o discurso (filosófico), no qual exclusivamente se torna possível discernir entre razão estratégica e comunicativa e analogamente também...[entre] o cético e o cínico. Temos portanto, aqui uma separação analítica nítida: o discernimento entre aqueles com os quais se pode e tem que debater - inclusive o cético, que é um parceiro de discurso compulsório ! - e dos verdadeiros representantes da racionalidade cínica, sobre a qual se pode e tem que discutir - como sobre qualquer outra coisa." (96). Assim, na perspectiva da ética do discurso, o discurso argumentativo sempre transcende o sistema totalitário. Ocorreria, pois, uma interdependência entre ética do discurso e ética da libertação, havendo " a prioridade do despertamento no sentido de uma motivação concreta por um lado - e a prioridade da fundamentação última de validade - ... por outro lado." (97)

Apel também nega que a ética do discurso seja frágil frente ao "desejo de poder" onde somente a prática de "contra-poder" vinculada à ética da libertação teria vigência. Isto somente poderia ser afirmado se fosse desconsiderada ou interpretada incorretamente a relação de fundamentação entre a Parte A e a Parte B da ética do discurso. Na Parte A, a separação entre racionalidade comunicativo-consensual e racionalidade estratégico-instrumental baseia-se em uma " ... antecipação contrafactual de condições ideais, como elas podem estar realizadas no plano da 'comunidade de comunicação real' (98) na melhor das hipóteses de modo suficiente, jamais, porém, de modo pleno. Em discursos argumentativos, todavia, as condições ideais de comunicação tem que ser supostas como suficientemente realizadas. No entanto, aqui também acontece... [uma] separação analítica entre os 'verdadeiros' parceiros de discurso, com os quais se pode debater, sem reservas, sobre qualquer assunto, e aqueles numerosos representantes da atitude estratégica, sobre os quais ainda se pode discutir." (99)

A racionalidade estratégico-cínica deve ser enfrentada com uma racionalidade contra-estratégica, tomando-se a responsabilidade pelas conseqüências como princípio regulativo. Como critérios dessa responsabilidade Apel elenca: " no alvo distante a realização aproximativa das condições de uma comunidade de comunicação ideal... e na condição restritiva de não por em risco, por essa via, as conquistas da humanidade conseguidas até agora..." (100) , como o Estado democrático de direito constitucional, por exemplo. Desta forma, as tentativas de libertação popular que se valeram da "ditadura do proletariado", por exemplo, são ilegítimas. Essas conquistas da humanidade são já realizações históricas que, em seus diversos níveis, tendem para a comunidade de comunicação ideal pelo esforço coletivo de seu aperfeiçoamento. Comenta Apel que nas inúmeras conferências internacionais que tratam de questões pertinentes a toda humanidade estão presentes dois critérios de racionalidade distintos: a) " o compromisso com a idéia reguladora de discursos práticos, nos quais devem ser tomados em consideração os interesses de todos os envolvidos" , b) a consideração de que " ... todas essas conferências também possuem o caráter de negociações estratégicas, nas quais se tem que agir como representantes de interesses." (101). Nessas negociações os representantes dos países pobres devem buscar a compensação estratégica de suas desvantagens estruturais motivadas historicamente e os representantes dos países ricos têm como limitação para suas ações o possível sucesso dos acordos coletivos. Essa compensação estratégica realizaria, a longo prazo, as condições de uma comunidade ideal de comunicação.

 

3.3.4 A Exterioridade da Comunidade de Comunicação: o afetado, o dominado e o excluído. 

No quarto Seminário, Dussel retoma o debate sobre o ponto de partida de sua Ética da Libertação (102), distinguindo-a de outras éticas - às quais denominou éticas ontológicas da autenticidade (formuladas especialmente na América do Norte por pensadores como Ch. Taylor , A. MacIntyre, entre outros) e Ética do Discurso (composta por éticas formais da universalidade elaboradas desde a Europa por Apel e Habermas, entre outros) -, distinguindo-a também da filosofia da libertação de Scannone, que propõe um novo ponto de partida para a filosofia latino-americana .

Trabalhando a partir de um relato vivencial de Rigoberta Menchu (103), reitera Dussel que o ponto de partida da Ética da Libertação " ... acontece mais-além da ontologia, do mundo e do ser vigente ou dominador ou da comunidade de comunicação hegemônica. O ponto de partida é o Outro, mas não simplesmente como outra 'pessoa-igual' na comunidade argumentativa, mas ética e inevitavelmente (apoditicamente) desde o Outro em algum aspecto dominado (principium oppressionis) e afetado-excluído (principium exclusionis), desde a experiência ética da 'exposição' no face-a-face: 'Chamo-me Rigoberta Menchu', ou o 'Eis-me aqui!' de Lévinas" (104). O tema que Dussel vai, então, desenvolvendo aqui, em seu diálogo com Apel, é que "...sempre haverá afetados-excluídos de toda comunidade de comunicação real possível" (105), o que traz uma dificuldade sobre o caráter de validade dos acordos comunicativos realizados na comunidade de comunicação.

Retomando três níveis de exterioridade, anteriormente levantados em seus estudos sobre Marx, Dussel estabelece como ponto de partida de sua ética o afetado, o dominado e o excluído. O afetado é o que sofre os efeitos de um acordo válido alcançado. Ter consciência que é afetado é já resultado de um processo de libertação. Assim, o ponto de partida radical é "... a situação na qual o/a afetado/a não tem consciência de ser afetado/a. Tal é o escravo que acredita ser por 'natureza' escravo." (106). O dominado é o afetado intra-sistêmico, como a mulher sob o machismo, a classe operária sob o capitalismo. O excluído: " Por último há afetados que estritamente estão ou não em relação de dominação, e que são excluídos ( há, efetivamente, graus de exterioridade e subsunção)" (107), como o pobre que, excluído do processo produtivo, não tem condições de satisfazer suas próprias necessidades, isto é, reproduzir sua vida.

Comenta Dussel que a análise ontológica deve ser aplicada ao mundo do afetado, do dominado ou excluído, mas que não se deve vê-lo somente como negatividade pura ou exterioridade formal, sendo necessário prestar uma atenção positiva, à sua realidade. Portanto a elaboração de Heidegger, Taylor ou Scannone tem sentido, pois em sua exterioridade cultural, o Outro deve ser autêntico (108). Contudo esse momento deve ser ultrapassado por uma "afirmação analética" pela passagem à "razão ética originária". Explicitando esse último conceito afirma Dussel: " É evidente que 'ética' (ethische) aqui não quer ser uma referência à 'eticidade' (Sittlichkeit) concreta, como indicaria Habermas, mas, muito pelo contrário, é o uso originário da razão desde onde a própria razão 'moral' (moralisch) universal ou discursiva é deduzida. Por isso agregaremos sempre 'originária' à denominação 'razão ética'." (109).

Em seu relato Rigoberta afirma que em um dado momento de sua vida começou a analisar sua infância, relacioná-la com a vida dos filhos de famílias ricas - servidos com alimentação farta e que educavam seus animais para reconhecê-los -, mas não sabia como ordenar e compartilhar suas idéias. Quando começou a ter amigos de outra comunidade pôde, posteriormente, compreender que sua própria experiência era a situação geral de todo o povo, explorado no trabalho e discriminado na condição de indígena. Para Dussel, esse momento de relação com pessoas de outra comunidade foi o momento fundamental, na vida de Rigoberta, do " 'face-a-face' da comunidade na Exterioridade do sistema. Esta intuição - afirma Dussel - quisemos expressar ... com a proposta de que o Outro, os pobres, constituem comunidades empíricas fora do sistema, onde experimentam eticamente relações humanas que lhes são negadas no sistema. É a partir dessa utopia (ouk-topos: o que não-tem-lugar-no sistema) desde onde a 'razão ética' começa seu trabalho" (110).

A relação com o outro enquanto Outro, ainda em sua exterioridade, abriria assim um tipo específico de racionalidade que é a razão ética originária, distinta da razão discursiva, estratégica, instrumental, emancipatória, hermenêutica, etc. (111). Esta razão ética originária é o momento racional primeiro, a re-sponsabilidade a priori pelo Outro, pressuposta na expressão lingüística proposicional ou argumentativa, em toda comunicação ou práxis, momento ilocucionário na origem de todo ato-de-fala, intenção constitutiva anterior ao ato-de-trabalho, a toda pretensão de serviço ao Outro ou a toda divisão do trabalho: " É o 'Dizer (Dire)' antes de todo 'o dito (le dit)'...; é um 'estar-exposto' na própria pele ante-o-Outro o momento primeiro da 'razão ética originária', na qual consiste 'a racionalidade mesma da razão'" (112). Para Dussel, a razão discursiva se funda e se deduz desta razão ética originária: " ... a razão discursiva é um momento fundado na 'razão ética originária' (o 'para-o-Outro' da razão prática como fonte primeira, anterior a todo argumento e a toda comunicação)." (113). Como anterioridade, a razão ética originária abre a possibilidade da ação comunicativa e da argumentação a partir da capacidade de estabelecer o encontro com o Outro; ela re-conhece o rosto como pessoa, como " ... Sujeito possível do processo de 'libertação' para chegar a ser 'livre', participante pleno da nova comunidade de comunicação real, possível, futura. A afirmação analética - continua Dussel - (mais além do horizonte do mundo e da comunidade de comunicação hegemônicos) é fruto da 'razão ética originária', cujo primeiro sujeito é o Outro mesmo dominado ou excluído, que se reconhece comunitariamente como o Outro afetado..." (114).

Assim, a constituição de uma nova comunidade de comunicação possui três momentos: afirmação, negação e superação: "'À 'afirmação' (sabedoria popular afirmada, tomada-de-consciência, organização, interpelação à comunidade de comunicação vigente, hegemônica) segue a negação da negação, como des-construção prática... do sistema, que se supera pela 'passagem' (Uebergang) dialético-positiva" (115). Comentando esse processo, escreve Dussel: "Se a afirmação é do que está 'mais além' da Totalidade (anó-); e a negação da negação é subsunção (Subsumtion) também do necessário para a construção do novo sistema; a passagem (Uebergang) (dia-) mais além da Totalidade 1 (-logon) para a Totalidade 2 (nova comunidade de comunicação) é: ana-dia-lética. A pura 'dialética negativa' não é suficiente. 'O Outro' é já sempre a priori a utopia real (não a 'fantasia' ou a criação estética de Marcuse ou Adorno desde o sistema). Trata-se, pelo contrário, de uma 'dialética positiva': desde a positividade afirmada do Outro 'fonte' do movimento dia-lético (ana [affirmatio] - dia [negatio] - lético [eminentia]'." (116).

Citando Rigoberta, Dussel analisa o momento de negação da negação, ou da práxis des-construtiva da libertação, quando ela e seus companheiros buscam novas formas de luta, visando des-truir o sistema almejando a construção de um novo, em razão da impossibilidade do antigo responder aos afetados-dominados-excluídos em suas exigências de justiça. Cada sistema possui muitos subsistemas que efetivam diversas exclusões, havendo portanto muitos sujeitos de práxis e processos des-construtivos em cada momento desses, possibilitando a afirmação da diversidade da pluralidade e das distinções.

Por fim, a passagem a um novo sistema se realiza como práxis construtiva de libertação. A des-construção não basta, sendo necessário construir um novo sistema, resultado de uma razão ético-discursiva, estratégica e instrumental que se articulam respeitando a autonomia e funções próprias de cada qual. É o momento da criação de instituições. Insiste Dussel que " ... a participação dos não-participantes não se efetua por simples 'inclusão' na mesma comunidade, mas por criação da nova, onde os antigos 'afetados-dominados-excluídos' são agora parte plena (...) Por isso não se trata nem de mera afirmação ontológica da Lebenswelt (seja hegemônica como em Taylor, seja popular como em Scannone), nem de mera transcendentalidade (Apel) ou universalidade (Habermas) do dado, que é afirmação reflexiva do 'Mesmo', mas da afirmação da exterioridade (do afetado-dominado-excluído) na relação com o sistema que o nega, e, desde a potência dessa afirmação do Outro, a negação da negação (ana-lética), para culminar na superação a uma nova situação de justiça e igualdade (eminentia ana-dialética)." (117)

 

3.3.5 Ética do Discurso e Filosofia da Libertação : Modelos Complementares ? 

No correr do progama de seminários, o diálogo entre a pragmática transcendental de Apel e da Ética da Libertação elaborada por Dussel avançou na conclusão de que ambas, como " ... possíveis modelos próprios da atual racionalidade filosófica" (118), podem ser complementares (119).

Conforme as reflexões de Hans Schelkshorn embora exista uma diferença metodologicamente relevante entre os princípios da Ética do Discurso e da Filosofia da Libertação, eles podem corrigir-se mutuamente, tanto em suas virtudes quanto em suas fraquezas, mas não podem anular-se.

De sua parte, Apel e Dussel, embora salientem suas divergências em vários aspectos, reconhecem a possibilidade de mútua complementação entre suas filosofias, especialmente em três aspectos. Conforme Apel, são eles: " [1] complementariedade entre a 'comunidade de comunicação ideal' como premissa antecipativa da pragmática lingüística transcendental e a 'comunidade de vida ideal' como premissa antecipativa de uma filosofia da libertação transcendental que... encerraria... uma 'econômica transcendental'; ... [2] complementariedade entre a 'interpelação da razão do outro' no discurso argumentativo e a respectiva interpelação dos 'outros' excluídos da comunidade de comunicação real: do 'pobre' do Terceiro Mundo,... [3] complementariedade entre a contestação pragmático-transcendental do cético a serviço da fundamentação última da norma básica da ética do discurso e a luta intelectual da ética da libertação contra o cínico, o que significa... contra a racionalidade estratégica do sistema capitalista dominante que nem se envolve num discurso com o outro excluído..." (120).

 

Conclusão 

Concluindo este artigo introdutório, retomaremos algumas idéias sobre as filosofias de libertação e sua relação com a democracia em face a vários desafios e contradições das sociedades contemporâneas.

Há 20 anos atrás, em um debate filosófico internacional, Francisco Miró Quesada, apresentou algumas idéias valiosas à nossa presente reflexão:

"Toda autêntica racionalidade conduz à libertação humana. Neste sentido o pensamento latino-americano contribui para esclarecer o sentido último do filosofar e mostrar a relação profunda entre racionalidade e condição humana. A filosofia latino-americana, culmina nesta direção, em um verdadeiro humanismo, no único humanismo que merece seu nome: um humanismo universal, aplicável a todos os seres humanos e que, em conseqüência, só pode realizar-se na prática mediante a libertação de todos os oprimidos do mundo." (121)

Embora possamos problematizar largamente estes pensamentos - questionando se os exercícios de poder opressivos também não são expressão de uma autêntica racionalidade, analisando o que se entende por esta autenticidade, considerando o que se pretende significar com a expressão ‘libertação de todos os oprimidos do mundo’, ou ainda o que se entende por humanismo universal e como ele poderia ser caracterizado em um diálogo intercultural, etc - eles resgatam um sentido ao filosofar que o torna repleto de importância face aos atuais fenômenos da mundialização, da planetarização e da globalização.

No momento atual em que a sociedade se questiona sobre a conduta ética frente as possibilidades abertas pela presente revolução científica e tecnológica, frente à exclusão de uma parcela cada vez maior da população mundial - que não dispõe de mediações materiais, políticas, educativas e informativas para o exercício satisfatório de sua liberdade -, frente à banalização do sofrimento e da humilhação a que estão submetidas milhões de pessoas em todo o mundo, frente à carência de interpretantes que possibilitem tanto a reação coletiva a informações veiculadas pelas mídias que modelizam subjetividades e imaginários quanto aos índices dos exercícios de poder opressivos perceptívies na vida cotidiana, afirmar que a racionalidade filosófica tenha por objetivo maior contribuir na crítica, preservação e ampliação do exercício das liberdades pública e privada, é afirmar um papel valioso que cabe à filosofia, especialmente, desempenhar ao bem viver de toda a humanidade.

Com sentido próximo a este, senão idêntico, a UNESCO promoveu recentemente uma enquete mundial sobre o tema Filosofia e Democracia no Mundo e um encontro internacional sobre o mesmo assunto, em 1995, com filósofos de todos os países membros, no qual foi firmada a Declaração de Paris para a Filosofia. Afirma o documento que

"...a reflexão filosófica pode e deve contribuir para a compreensão e conduta dos afazeres humanos, (...) que a educação filosófica, formando espíritos livres e reflexivos - capazes de resistir às diversas formas de propaganda, de fanatismo, de exclusão e de intolerância - contribui para a paz e prepara cada um a assumir suas responsabilidades face às grandes interrogações contemporâneas, notadamente no domínio da ética, (...) que o desenvolvimento da reflexão filosófica, no ensino e na vida cultural, contribui de maneira importante para a formação de cidadãos, no exercício de sua capacidade de julgamento, elemento fundamental de toda democracia." (122)

Ora, se não há democracia sem a garantia do exercício público e privado da liberdade, por outra parte, o exercício da liberdade pode ser compreendido de muitos modos, da mesma forma que também a palavra democracia se presta a vários empregos nos mais variados jogos de linguagem e de poder - uma vez que a função polissêmica de qualquer signo permite a sua modelização sob variados sistemas semióticos divergentes.

Sendo assim, ao criticar o exercício da liberdade pública e privada tendo em vista a ampliação universal de tais exercícios eticamente orientados, a filosofia da libertação se coloca no cerne do debate contemporâneo sobre o sentido da vida humana, sobre os modelos políticos propostos à convivência social, sobre os processos semióticos presentes nos fenômenos de informação e comunicação, sobre o diálogo entre várias racionalidades peculiares à diversas culturas - contribuindo na reflexão sobre o sentido maior da democracia, que é promover o exercício ético das liberdades públicas e privadas o mais largamente possível.

A filosofia não pode abdicar de sua tarefa de problematizar o sentido da vida humana, problematizar os critérios de nossas escolhas ou a fragilidade de nossas compreensões da realidade. O esvaziamento da filosofia implica no retorno ao mito, ao dogmatismo e à intolerância ou ao modismo, ao ceticismo e à indiferença. O mundo contemporâneo assiste esse duplo movimento: a expansão de violências fundadas em dogmatismos e intolerâncias dos mais diversos tipos em inúmeros países e, por outro, da miséria e exclusão social em várias outras sociedades marcadas pela indiferença, pelo ceticismo e individualismo.

As filosofias de libertação, portanto, não apenas são uma das possíveis configurações históricas de realização da reflexão filosófica, como também revelaram-se - em muitas de suas vertentes - valiosas elaborações teóricas ao fortalecimento da democracia. Quando Miro Quesada nos fala da "libertação de todos os oprimidos do mundo" não se trata de um apelo romântico, mas de uma racional compreensão de que todo ser humano deve ser respeitado em sua alteridade e de que a filosofia nos desafia, constantemente, a promover e qualificar os exercícios éticos de liberdade de cada pessoa em toda parte. Esta, seguramente, tem sido uma das características conceituais mais gerais das filosofias de libertação e uma das contribuições desenvolvidas por este pensamento à reflexão filosófica universal.


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NOTAS 

* Pós-graduado em Antropologia Filosófica pela UFPR; atual presidente do IFIL - Instituto de Filosofia da Libertação; lecionou a disciplina Filosofia na América Latina na UFPR nos anos de 1994-1995. 

1. Sobre a diversidade de empregos de algumas destas categorias, veja-se nosso trabalho, "Desafios que a Filosofia da Libertação enfrenta", Cadernos da FAFIMC, Viamão-RS, N.15, jan-jun, 1996, p. 95-142 

2. Sobre os conceitos filosóficos negativo e positivo de libertação veja-se José FERRATER MORA, Diccionario de Filosofia, Madri, Alianza Editorial, 1990, vol3, p. 1967s, verbete "Liberación". 

3. Sobre o pensamento sofístico acerca da physis e nomos, bem como sobre suas implicações na crítica à aristocracia grega, que será posteriormente legitimada metafisicamente, veja-se Roberto A. R. de AGUIAR. O que é Justiça - Uma Abordagem Dialética. São Paulo, Editora Alfa-Omega, 1982. p. 32s  

4. Sobre a pedagogia libertadora de Paulo Freire veja-se José Carlos LIBÂNEO, "Tendências Pedagógicas na Prática Escolar", Revista ANDE N.3 (vol. 6), p.15-16 

5. Veja-se Pedro NEGRE RIGOL. "Sociologia da Libertação" in: Sociologia do Terceiro Mundo - Crítica ao Modelo Desenvolvimentista. Petrópolis, Vozes, 1977 p. 99. Este livro foi originalmente publicado em 1975 pela Editorial Paidós com o título Sociologia del Tercer Mundo. 

6. Veja-se Alberto VIVAR FLORES. Antropologia da libertação Latino-Americana. São Paulo, Edições Paulinas, 1991 

7. Destacam-se inicialmente os trabalhos de Gustavo GUTIÉRREZ, Teología de la Liberación, Lima, Editorial Universitária, 1971, de Leonardo BOFF, Jesus Cristo Libertador, Petrópolis, Vozes, 1972, e de Juan LUÍS SEGUNDO, A Libertação da Teologia, publicado originalmente em 1975 

8. Veja-se o conjunto dos trabalhos apresentados nas Segundas Jornadas Acadêmicas da Universidade de El Salvador, San Miguel - Buenos Aires - Argentina, em 1971 e publicados na revista Stromata, N. 1-2 (Tomo 28) jan-jun 1972 - em especial a exposição de Enrique DUSSEL. "Para una Fundamentación Dialectica de la Liberación Latinoamericana", p.53-105. 

9. Veja-se J. Leite LOPES. Ciência e Libertação. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1969 

10. Veja-se Frantz FANNON Les Damnés de la Terre, Paris, Ed. Maspéro, 1961; Ébénézer NJOH-MOUELLE. Jalons, Recherche d’une mentalité neuve. Youndé, Ed. Clé, 1970. Fannon, embora martinicano por nascimento, viveu grande parte de sua vida intelectual e militante como argelino, sendo necessariamente incluído nos estudos sobre o pensamento africano. Njoh-Mouelle nasceu na região que é, atualmente, a República dos Camarões. 

11. Veja-se Herbert MARCUSE. An Essay on Liberation. Boston, Beacon Press. Tradução Francesa sob o título Vers la Libération - au-dela de l’homme unidimensionel. Paris, Les Editions de Minuit, 1969 

12. Segundo Alberto Vivar Flores, o emprego do termo antropologia da libertação pela primeira vez se deve ao sociólogo norte-americano André Gunder Frank, em 1969, quando proferiu no Canadá uma conferência com o título "Antropologia Liberal versus Antropologia da Libertação". Cf. VIVAR FLORES, op. cit., p.31  

13. James CONE. A Black Theology of Liberation, Genebra, 1972. 

14. Veja-se Euclides André MANCE, "Filosofia da Libertação e Filosofia Latino-americana - Acervo Bibliográfico da SIEFIL", Filosofia, Curitiba, N.4, out 1992, p. 109-158 e Euclides André MANCE, Mil Títulos - Filosofia da Libertação e Filosofia Latino-americana. Curitiba, SIEFIL, 1995  

15. Ernesto MAYZ VALLENILLA. "Presentacion" in VÁRIOS. La Filosofia en America - Trabajos presentados en el IX congreso Interamericano de Filosofía, Tomo I, Caracas, Sociedad Venezoelana de Filosofía, 1979, p.5-6 

16. Francisco MIRÓ QUESADA, "Posibilidad y limites de una filosofia latinoamericana", in VÁRIOS. La Filosofia en América..., p. 167-172; Constança Marcondes CESAR, "Filosofia na América Latina - Polêmicas". Reflexão, Campinas, N. 30 (Ano 9) set-dez 1984, p. 51-56 e Raul FORNET-BETANCOURT, Problemas Atuais da Filosofia na Hispano-América, São Leopoldo, Ed. UNISINOS, 1993 

17. Paul RICOEUR, "Philosophie et Libération", Libertação-Liberación, Campo Grande-MS, N.1 (Ano 3) jan dez 1993, p.135-141. Conforme o autor,"...mesmo se se admite que toda filosofia tem por fim último a libertação, este termo tem recebido mais de uma significação no curso da história...(...) Se eu insisto de tal forma sobre esta heterogeneidade das histórias de libertação, é para preparar nossos espíritos a admitir que tais experiências são não somente diversas mas talvez incomunicáveis...". Ibidem, p.135-136 

18. Augustin Basave FERNANDES DEL VALLE, "Possibilidad y limites de una filosofia latinoamericana" in VÁRIOS. La Filosofia en América..., p. 194 

19. Conforme Constança Marcondes Cesar, "a visita de Ortega a vários países [latino-americanos] significou a descoberta da nacionalidade e da América como temas de meditação." Busca-se, então, "...compreender o ser do mexicano, do brasileiro, do argentino, da América Latina...". Constança Marcondes CESAR, Filosofia na América Latina, São Paulo, Edições Paulinas, 1988, p.71. O colchete é nosso. 

20. Roberto ESCOBAR, "A utopia como constante filosofica en América". in: VÁRIOS, La filosofia en América..., p. 161 

21. Ibidem, p.163 

22. Ibidem, p. 163 

23. Leopoldo ZEA, apud FORNET-BETANCOURT, op. cit., p. 20 

24. MIRO QUESADA. Posibilidad y limites..., p.168 Para uma crítica desta posição de Miró Quesada veja-se Eliam CAMPOS BARRANTES. "Possibilidad y limites de una filosofia latinoamericana" in VÁRIOS. La Filosofia en américa..., p.173-176 

25. Francisco Miró Quesada. Proyecto y Realización del Filosofar Latinoamericano. México D.F. Fondo de Cultura Económica. 1981 

26. Ibidem p. 148. A noção de "libertação definitiva" encerra um problema acerca do exercício histórico da liberdade que não discutiremos aqui, em razão dos motivos indicados na introdução. No geral, contudo, discordamos do emprego da noção "libertação definitiva" não apenas porque negativamente qualquer exercício de liberdade pode vir a ser tolhido, quanto pelo fato de que, positivamente, tal exercício possa sempre ampliar os horizontes de sua realização. 

27. Ibidem, nota 16, p. 183 e 184 

28. Trata-se de um grupo de pesquisadores chefiados por Leopoldo Zea que, por volta de 1948, buscava elaborar uma filosofia americana ou nacional. Entre outros, destacam-se os seguintes pensadores: Emílio Uranga, Salvador Reyes Nevárrez, Luís Villoro, Miguel Léon Gortilla, Jorge Portilla, Joaquim Macgregor e Ricardo Guerra. Cf. CESAR, Filosofia na América Latina, p. 52 

29. Ibidem, p. 52 

30. MIRO QUESADA, Proyecto y realizacion..., p. 148 

31. Ibidem, p. 168 

32Ibidem, p. 183 

33. Augusto SALAZAR BONDY. Existe una filosofia de nuestra America ? México, DF, Ed. Siglo Veintiuno (1a. ed. 1968), 11a. ed. 1988 

34. Augusto SALAZAR BONDY. " Filosofia de la Dominación y Filosofia de la Liberación", San Miguel, Stromata N. 4 (Tomo 29) out-dez 1973, p. 393-397 

35. Uma pequena amostra desta diversidade pode ser recolhida de quatro fontes clássicas: Revista Stromata, especialmente os tomos 28, 29 e 30, publicados respectivamente nos anos de 1972, 1973 e 1974; Revista Nuevo Mundo, N.1 (tomo 3) jan-jun 1973; Revista de Filosofia Latinoamericana, N.1 (tomo 1) - Tema: "Liberación y Cultura", Ediciones Castañeda, jan-jun 1975 e o livro VÁRIOS. Cultura Popular y Filosofía de la Liberación - Una Perspectiva Latinoamericana. Buenos Aires, Fernando Garcia Cambeiro, 1975. Entre outros autores, destacam-se: Osvaldo Ardiles, Horácio Victorio Cerutti Guldberg, Enrique Dussel, Daniel Guillot, Rodolfo Kusch, Arturo Andrés Roig, Mario Casalla, Alberto Parisi, Juan Carlos Sacannone, Carlos Cullen, Hugo Assmann, Aníbal Fornari, Diego Pro, Amélia Podetti, José Severino Croatto, Manuel Ignácio Santos, J. C. Teran Dutari, Máximo R. Chaparro, Julio D. de Zan, Antonio Enrique Kinen, Salazar Bondy e Leopoldo Zea. 

36. Arturo Andrés ROIG, "De la Historia de las Ideas a la Filosofia de la Liberación", Latinoamerica - Anuario de Estudios Latinoamericanos, N.10 , México, UNAM, Facultad de Filosofía y Letras, 1977, p. 63  

37. Horácio CERUTTI GULDBERG. Filosofia de la Liberacion Latinoamericana, México DF, Fondo de Cultura Economica, 1983, p. 242 

38. Arturo A. ROIG, "Bases Metodológicas para el tratamiento de las Ideologias", in VÁRIOS Hacia una Filosofia de la Liberacion Latinoamericana (Enfoques Latinoamericanos 2). Buenos Aires, Bonun, 1973 p. 217-244, aqui p.228, apud CERUTTI GULDBERG, op. cit., p. 242 

39. Ibidem, p. 242 

40. Ibidem, p. 242-3 

41. Ibidem, p. 243 

42. CERUTTI GULDBERG, op. cit., p. 243 

43. Ibidem, p. 244 

44. ROIG, "Bases Metodológicas...", apud CERUTTI GULDBERG, op. cit. p. 284 

45. ROIG, "Algunas pautas del pensamiento latinoamericano" in Revista de la Universidad Católica N.3 (vol.9) jun 1975, p. 115-116, apud CERUTTI GULDBERG, op. cit. p. 285 

46. Conforme Kusch, " a importância do descobrimento apoia-se no fato de que é o encontro entre duas experiências do homem. Por uma parte a do ser, como dinâmica cultural, cuja origem se remonta às cidades medievais e que adquire maturidade até o século XVI. Por outro lado, é a experiência do estar, como sobrevivência, como acomodação a um âmbito por parte dos povos pré-colombianos, com uma peculiar organização e espírito; e essa rara capacidade de assentar-se através de um enraizamento de vários milênios nas terras da América" . Assim opõem-se o homem do ser: ativo, dinâmico, executor, ao homem do estar: que não quer dominar o mundo, não quer submetê-lo ao seu poder, mas busca estar nele, como parte dele, submetendo-se ao ambiente, identificando-se com o mundo que o refugia e ampara, não visando lutar contra ele, mas conviver com ele, contemplá-lo. Rodolfo KUSCH. América Profunda. Buenos Aires, Editorial Bonum, 1975, p. 146 

47. Rodolfo KUSCH, "Una logica de la negación para compreender a America" in Nuevo Mundo, Buenos Aires, N.1 (Tomo 3) jan-jun 1973, p.170-178, aqui p. 175. Coplas são típicas canções populares, pequenas composições poéticas, normalmente em quadras. 

48. Ibidem, p. 175 

49. Enrique DUSSEL. América Latina - Dependencia y Liberación. Buenos Aires, Fernando Garcia Cambeiro, 1973, p. 121. Esta preocupação com a abertura à alteridade e com a interpretação adequada de sua palavra aparece também em trabalhos de Alberto Parisi nos quais se problematiza a "...tarefa de elaborar uma teoria da compreensão, da práxis e da alteridade que nos pusessem em caminho de fundamentar uma filosofia da história..." que contribuísse com a práxis de libertação. Esta abertura, entretanto, não torna equívoca a análise das contradições sociais, uma vez que "exterioridade e oposição marcam os dois momentos capitais da dialética que define a situação de classe da classe operária e do povo." Alberto PARISI, "Pueblo, Cultura e Situación de Clase" in VÁRIOS. Cultura Popular y Filosofía de la Liberación. Una Perspectiva Latinoamericana (Estudios Latinoamericanos, 15) Buenos Aires, Fernando Garcia Cambeiro, 1975, pp. 221-239, aqui p. 227 e 229 

50. O termo geralmente utilizado para expressar essa idéia é destruir. Este termo, contudo, gerou - a leitores que desconheciam o emprego a ele dado por Heidegger - alguns mal-entendidos quanto a posição valorativa assumida por Dussel frente à história da filosofia. Sobre isso são esclarecedoras algumas linhas de Hans Schelkshorn: "Dussel se propôs fazer, então, em analogia à ‘Destruição da História da Ontologia’ de Heidegger, uma ‘destruição’ da ética filosófica tradicional. Essa ‘destruição’ é compreendida em sentido inteiramente heideggeriano, isto é, não como mera negação, mas como um tirar do ocultamento a serviço do desvelamento do original do ser." Hans SCHELKSHORN, Ethik der Befreiung - Einführung in die Philosophie Enrique Dussels, Viena, Herder, 1992, p. 31-32. Veja-se especialmente o segundo capítulo desse livro, p.31-55, que recebeu por título "E. Dussels De-struktion der europäischen Philosophie". 

51. Enrique DUSSEL, Introduccion a una filosofia de la liberación latinoamericana, México D.F., Editorial Extemporaneos, 1977, p. 131. Este volume compõe conferências realizadas pelo autor em 1972, em Rio Negro, Argentina. 

52. Ibidem, p. 131 

53. Os dois textos que compõem o quinto capítulo e as conclusões gerais de "Método para una filosofia de la liberaccion", Salamanca, Sigueme, 1974 - que citaremos aqui - são compilações de "O Método Analético e a Filosofia Latino-americana", Nuevo Mundo, Buenos Aires, N.1 (Tomo 3) jan-jun 1973, p. 116-135 e "A Questão Dialética na América Latina", que fazia parte de La Dialectica Hegeliana - Supuestos y Superación o del Inicio Originario del Filosofar. Mendoza, Editorial Ser y Tiempo, 1972 - sofrendo, ambos os textos, algumas alterações com as quais Dussel busca precisar o método, que deixa de ser método para uma ética da libertação para - considerando-se a ética como filosofia primeira - tornar-se método para uma filosofia de libertação. 

54. DUSSEL, Método..., p. 182 

55. Ibidem, p. 182 

56. Ibidem, p. 182 

57. Ibidem, p. 183. 

58. Ibidem, p. 183 

59. Conforme Dussel, "... entre os entes há um que é irredutível a uma de-dução ou de-monstração a partir do fundamento: o 'rosto' ôntico do outro que, em sua visibilidade, permanece presente como o trans-ontológico, meta-físico, ético. A passagem da totalidade ontológica ao outro como outro é aná-lética: discurso negativo a partir da totalidade, porque pensa a impossibilidade de pensar o outro positivamente partindo da própria totalidade; discurso positivo da totalidade, quando pensa a possibilidade de interpretar a revelação do outro a partir do outro." Ibidem, p. 183 

60. Segundo o autor, "essa revelação do outro já é um quarto momento, porque a negatividade primeira do outro questionou o nível ontológico que, agora é criado, com base num novo âmbito. O discurso se faz ético e o nível fundamental ontológico descobre-se como não originário, como aberto a partir do ético, que se revela depois (ordo cognoscendi a posteriori) como o que era antes (o prius da ordo realitatis)." Ibidem, p. 183 

61. Ibidem, p. 183 

62. Trata-se do artigo Liberación - Notas sobre las implicancias de un nuevo lenguaje teológico, publicado em San Miguel, na revista Stromata N.1-2 (Tomo 28) jan-jun 1972, p. 161-193. Embora seja um artigo apresentando em um encontro teológico, o primeiro de seus itens - intitulado Implicaciones Sócioanalíticas e Ideológicas del Lenguaje de Liberación - se move no plano filosófico ao questionar conceitualmente as implicações ideológicas do emprego de símbolos lingüísticos. Dada a relevância deste tema em face do nosso objetivo de uma introdução conceitual às filosofias de libertação e considerando-se o caráter desse item do trabalho de Assmann, faremos aqui uma exceção no perfil da literatura citada neste trabalho optando por recuperar o conteúdo de tal elaboração, embora o artigo na sua globalidade possua um escopo teológico. O cuidado que temos em salientar este aspecto, visa esclarecer que não se pode construir argumentos filosóficos tomando-se por fundamentação teses teológicas. A filosofia se move no limite estrito da argumentação racional, não podendo invocar nenhum tipo de revelação religiosa como fundação de sua legitimidade. 

63. Hugo Assmann. art. cit. p. 165 

64. Ibidem, p. 166 

65. Ibidem, p. 167-169 

66. Ibidem, p. 170 

67. Hugo ASSMANN. "O Desafio da Filosofia Analítica" in: Libertação-Liberación N.1(Ano 1), Porto Alegre jan-dez 1989, p.79-94. Palestra realizada no VIII Encontro Estadual de Licenciamento de Filosofia do Rio Grande Sul, São Leopoldo, Universidade do Vale dos Sinos, UNISINOS, 1 a 3 de maio de 1987. Aqui, p. 91-92 

68. DUSSEL, Enrique. Filosofia de la Liberación, México D.F., Editorial Edicol, 1977

69. CERUTTI GULDBERG, Horácio. Filosofia de la Liberación Latinoamericana, México D.F., Fondo de Cultura Económica, 1983 

70. ARDILES, Osvaldo A. El Exilio de la Razon, Córdoba, Ed. Sils-Maria, 1988, particularmente o item "Filosofia: populismo ou libertação", que já havia sido publicado na Revista de la Universidad de Guadalajara, N.13, 1982, pp. 21-36. 

71. Pablo GUADARRAMA. "La Filosofia Latinoamericana de la Liberación" in: VÁRIOS, La Filosofia en America Latina, Bogotá, Editorial El Buho, 1993, p. 314 

72. Ibidem, p. 314 

73. Ibidem, p. 315 

74. Raul FORNET-BETANCOURT, Problemas Atuais da filosofia na hispano-america, São Leopoldo, Editora Unisinos, 1993, p.145 

75. Sobre o trabalho filosófico de Kusch afirma Fornet-Betancourt: "Não resta dúvida de que um dos esforços mais sérios e acreditados que se tem feito na América para inculturar a filosofia, quer dizer, para abrir o quefazer filosófico à sabedoria originária e englobante do povo em sua cultura, se encontra na obra de Rodolfo Kusch." Ibidem, p.145 

76. Em 1985 Dussel publica uma nova versão de sua obra de síntese à luz das leituras que fizera de Marx. Trata-se de DUSSEL, Filosofia de la Liberación, Buenos Aires, Ediciones La Aurora, 1985. A tradução em português publicada pela editora Loyola refere-se à primeira versão editada em 1977 pela Edicol, no México, anterior a estas leituras.

77. Sobre isso veja-se nosso trabalho Dialética e Exterioridade. Curitiba, SIEFIL, 1994, 47 pp 

78. Para essa análise comparativa vejam-se nossos três artigos: "Lévinas: Proximidade, Responsabilidade pelo Outro", Atualidade, Curitiba, N.113, 02-08 Out 1988, p. 7; "Dussel: Proximidade, Responsabilidade pelo Oprimido", Atualidade, Curitiba, N115, 16-22 Out 1988, p.7; e "Lévinas e Dussel Face-a-Face", Atualidade, Curitiba, 116, 23-29 Out 1988, p.7 

79. Sobre este assunto veja-se: Antonio SIDEKUM, "Informe - O Programa do Diálogo da Ética do Discurso e a Filosofia da Libertação", Libertação-Liberación, Campo Grande - MS, N.1 (Ano 3) jan dez 1993, p. 163-166 

80. Entre outros, apresentaram-se os seguintes trabalhos: Karl-Otto Apel: Ética do Discurso como ética da responsabilidade uma transformação pós-metafísica da Ética de Kant; Alexius J. Bucher: Limites da Ética do Discurso-Ética entre o solipsismo metódico e a intersubjetividade dialógica; Hansjürgen Verweyen: Direitos humanos: para uma Envergadura de uma fundamentação transcendental e pragmática última; Enrique Dussel. A "comunidade de Vida" e a "Interpelação do Pobre". A Praxis da Libertação; Raúl Fornet-Betancourt. Razão e contexto. Reflexões sobre um pré-questionamento no diálogo da filosofia latino-americana e européia. 

81. Foram apresentados os seguintes trabalhos, entre outros: Raúl Fornet-Betancourt. Em vez de uma Introdução: Problemas do diálogo intercultural na filosofia; Karl-Otto Apel: A Ética do Discurso a partir do desafio do Terceiro Mundo; Edmund Arens: Ética do Discurso, um jogo para filósofos do primeiro Mundo?; Michael Barber. Dimensão ética do debate sobre Racionalidade e Relativismo; Michael Candelaria: A dialética do Transcendental e do pragmatismo universal. Uma crítica marxiana e étnico-existencial; Enrique Dussel. A Razão do Outro. A "interpelação" como ato de fala; Vittório Höesle: O Terceiro Mundo como um problema filosófico; Heinz Krumpel: Conceito filosófico e contextualidade; James Marsch: Verdade e Poder; Hans Schelkshorn: Discurso e Libertação. 

82. Com os seguintes trabalhos, entre outros: Hugo Assmann: Capitalismo, Marxismo e filosofia da libertação; Sirio Lopez Velasco: Crítica do capitalismo e Ética do Discurso; James Marsh: Da Comunicação à libertação; Michael Barber: O Terceiro de Levinas: Ponte entre a Filosofia da Libertação e Pragmática Transcendental; Michael Candelaria: Observações sobre a hermenêutica dialética; Enrique Dussel: Desafios atuais da Filosofia da libertação; Osvaldo Ardiles: ANÁMNESIS solidária e temporalidade autêntica; Helmut Thielen. Anarquismo Ciente e Socialismo Utópico. Tradições arruinadas da libertação na Europa; Franz J. Hinkelammert. Sobre a teoria dos valores hoje. 

83. Apresentaram-se, entre outros, os seguintes trabalhos: Aloysio Bohnen: Os Desafios Éticos da Atualidade; Raúl Fornet-Betancourt: A Ética do Discurso - Racionalidade e Contextualidade; Karl-Otto Apel: A Ética do Discurso em Face do Desafio da Filosofia da Libertação Latino-Americana; Christoph Türcke: Limites do Discurso; Hugo Assmann: A Ética do Discurso e a Filosofia Latino-Americana da Libertação - Crítica à Economia Política a partir da Corporeidade; Franz Hinkelammert: Ética de Discurso e Ética de Responsabilidade: Uma Tomada de Posição Crítica; Hans Jörg Sandklüler: Marx e seus modelos de racionalidade hoje; Enrique Dussel: Ética da Libertação; Arturo Andrés Roig: A ‘Dignidade Humana’ e a ‘Moral da Emergência’ na América Latina; Pablo Guadarrama González: Os Pontos de Partida da Filosofia da Libertação e da Ética do Discurso; Helmuth Thielen: Ética e Experiência; Michael Candelaria: Sobre a Possibilidade de Uma Ética Universal, Ética do Discurso e Ética da Libertação; William Newell: Teoria como Resistência à Teoria; Sírio Lopez Velasco: Ética - Do Discurso à Produção. 

84. O primeiro dia do seminário foi reservado às reflexões sobre o momento atual desde as perspectivas: da Europa Ocidental (com exposições de Etienne Balibar, Paris e Christoph Türcke, Leipzig), do Leste Europeu ( exposições de P. Barisic, de Zagrev; N. Werz, de Rostock e P. Sismisova, de Bratislava), da América Latina ( exposição de Franz Hinkelammert, de S. José, Costa Rica), da Ásia ( exposição de W.Fernandez, de Nova Deli) e da África (exposição de T. Diallo, de Frankfurt), tendo sido iniciados os trabalhos com a introdução de Raúl Fornet-Betancourt. O segundo dia foi reservado ao debate sobre os modelos éticos frente os desafios da pobreza. Conferenciaram sobre diversos temas ao redor deste núcleo: Karl-Otto Apel, M. de Oliveira, Enrique Dussel, B. Gerstenberg, Antônio Sidekum e Raul Fornet-Betancourt. Nos terceiro e quarto dias as conferências giraram em torno da questão da pobreza como desafio internacional à teoria, à práxis e às instituições. Conferenciaram: E.-U. Huster, J. Kanzayire, Tarso Genro, Helmut Thielen , P. Erath, A. J. Bucher, Erico Hickmann e H. Sing . 

85. Foram apresentadas as seguintes conferências, entre outras: Christoph Turcke, O empobrecimento cultural; W. Fernandes, Globalização, Liberalização Econômica e Pobreza na Índia; F. Hinkelammert, Globalização e Exclusão desde a América Latina; H. J. Sandkuhler, Direito, Pluralismo e Justiça Política; Karl-Otto Apel, Pluralismo de Bens ?; W. Kulhmann, Relações entre Ética do Discurso e Economia; R. Rottlander, Globalização e Pluralismo Cultural; M. de Oliveira, Globalização e Problemas do Terceiro Mundo; H. Schelkshom, Ética econômica neo-institucionalista ? E. Dussel, Desde as vítimas da História; A. Cortina, Problemas de Ética Aplicada na Espanha. 

86. As conferências dos quatro primeiros seminários podem ser encontradas, pela ordem, nas seguintes publicações: Raúl FORNET-BETANCOURT: Ethik und Befreiung. Aachen, Augustinus Verlag, 1990, 155 p.; IDEM, Diskursethik oder Befreiungsethik. Aachen, Augustinus Verlag, 1992, 207 p. ; IDEM, Die Diskursethik und ihre lateinamerikanische Kritik. Aachen, Augustinus Verlag, 1993, 262p.; Antonio SIDEKUM, Ética do Discurso e Filosofia da Libertação - Modelos Complementares. São Leopoldo, Editora Unisinos, 1994. A publicação das conferências dos dois últimos, sob a organização Raúl Fornet-Betancourt, pelo que nos consta, ficou a cargo da editora Augustinus Verlag, de Aachen, Alemanha. 

87. Enrique DUSSEL. Filosofia da Libertação - Crítica à Ideologia de Exclusão. São Paulo, Editora Paulus, 1995 

88. Michael CANDELARIA, " Sobre a Possibilidade de uma Ética Universal, Ética do Discurso e Ética da Libertação", in SIDEKUM, op. cit. p. 226 

89. Conforme Apel, "aceitar as regras de uma comunidade de comunicação crítica não é um fato empírico. Antes é uma das pré-condições para a possibilidade e validade do estabelecimento científico empírico de fatos." Segundo Michael Candelária - comentando Apel - " este conceito de pré-condição é formal e procedimental. Não é necessariamente moral ou ético. Apel, todavia, coloca como sua tarefa o desenvolvimento da ética sobre esta pressuposição." CANDELARIA, art. cit. in SIDEKUM, op. cit. p. 228 

90. Como esclarece Michael Candelaria, "a base para a necessidade da CCI [comunidade de comunicação ideal] se acha na idéia de consenso antecipado no conceito de verdade herdado de Peirce. 'A busca da verdade antecipa a moralidade como uma comunidade ideal de comunicação, quando pressupõe consenso intersubjetivo...'". CANDELARIA, art. cit. in SIDEKUM, op. cit., p. 228 

91. Karl-Otto APEL. "Das Apriori der Kommunicakationsgemeinschaft" in Estudos de Moral Moderna, Petrópolis, Vozes, 1994, p. 151 

92. Ibidem, p. 149 

93. Enrique DUSSEL. Apel, Ricoeur, Rorty y la Filosofia de la Liberación, México DF, mimeo, 1982, p.35, nota 19 

94. Ibidem, p. 36 

95. Karl-Otto APEL, " A Ética do Discurso em Face do Desafio da Filosofia da Libertação Latino-Americana" in SIDEKUM, op. cit., p. 35 

96. Ibidem, p. 35 

97. Ibidem, p. 35. O colchete é nosso. 

98. Na tradução de Ilson Kayser preferiu-se o termo "comunhão" ou invés da expressão "comunidade", expressão essa que adotaremos aqui e em passagens subseqüentes, uma vez que tem sido a tradução habitual. 

99. Ibidem, p. 36. O colchete é nosso. 

100. Ibidem, p. 36

101. Ibidem, p. 38 

102. Enrique DUSSEL, "Ética da Libertação" in SIDEKUM, op. cit., pp. 145-170. 

103. Texto elaborado por Elizabeth Burgos, Me llamo Rigoberta Menchu y así me nació la conciencia, Siglo XXI, México, 1981 

104. DUSSEL, "Ética da Libertação" in SIDEKUM, op. cit., p. 154-155. Conforme Dussel, " A ética ontológica parte do já sempre do mundo pressuposto; a Ética do Discurso parte da já sempre pressuposta comunidade de comunicação; a filosofia latino-americana do 'nós estamos' [ formulada por Scannone ] parte de uma cultura sapiencial popular afirmada e analisada desde uma interpretação hermenêutica. A Ética da Libertação tem por ponto de partida, em troca, a 'exterioridade' do horizonte ontológico ('realidade' mais além da 'com-preensão do ser'), o mais além da comunidade de comunicação ou de uma mera sabedoria afirmada ingenuamente como autônoma ('estando' concreta e historicamente reprimida, destruída em seu núcleo criador, sendo marginal e dificilmente reproduzível, ignorar estes fatos é cair em uma 'ilusão')."Ibidem, p. 155  105. Ibidem, p.148

106. Ibidem, p. 155

107. Ibidem, p. 155

108. Citando vários capítulos do relato de Rigoberta comenta Dussel que recuperar todo o conteúdo deste primeiro momento é necessário pois "... o Outro oprimido e excluído não é uma realidade formal vazia: é um mundo pleno de sentido, uma memória, uma cultura, uma comunidade, o 'nós-estamos-sendo' como realidade 'resistente'." Ibidem, p. 156. Dussel afirma, contudo, que é preciso ir além desse momento de Scannone. 

109. Ibidem, p. 168, nota 52 

110. Ibidem, p. 168 

111. A definição desta razão, Dussel a recupera de Lévinas: "A proximidade indica então uma razão anterior à tematização da significação do sujeito pensante, anterior ao referir-se a termos no presente, uma razão pré-originária não procedendo de nenhuma iniciativa do sujeito, uma razão an-árquica. Uma razão anterior ao começo, anterior a todo presente, pois minha responsabilidade pelo Outro me move antes que toda decisão, antes que toda deliberação [...] Entretanto, a razão da justiça, do Estado, da tematização, da sincronização, da representação do logos e do ser não chega a absorver em sua coerência a inteligibilidade da proximidade na qual ela se desdobra". Emmanuel Lévinas, Autrement qu'être ou au-delà de l'essence, p. 212-213, apud, DUSSEL, "Ética da Libertação" in SIDEKUM, op. cit., p. 157 

112. DUSSEL, "Ética da Libertação" in SIDEKUM, op. cit., p. 158 

113. Ibidem, p. 158 

114. Ibidem, p. 159 

115. Ibidem, p. 161 

116. Ibidem, p. 170 

117. Ibidem, p. 163 

118. Raúl FORNET-BETANCOURT, "A Ética do Discurso - Racionalidade e Contextualidade", in SIDEKUM, op. cit., p. 11

119. Veja-se Hans SCHELKSHORN, "Discourse and Liberation. A Critical Aproach of ‘Discourse Ethics’ and E. Dussel's ‘Ethics of Liberation’".in Libertação-Liberación. Campo Grande-MS, N.1 (Ano 2) jan-dez 1991, p. 97-114 

120. Karl-Otto APEL, "Ética do Discurso em Face do Desafio da Filosofia da Libertação Latino-Americana", in SIDEKUM, op. cit., p.20-21

121. MIRÓ QUESADA. Posibilidad y limites..., p.171 

122. UNESCO. Philosophie et Démocratie dans le Monde - Une enquête de l’UNESCO. Librairie Génerale Française, 1995, p. 13-14


Uma Introdução Conceitual às Filosofias de Libertação 
Revista Libertação-Liberación / Nova Fase - Curitiba, IFiL, Ano 1, N.1, 2000, p.25-80. 
www.milenio.com.br/mance/umaint.htm


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