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Sobre a Identidade Latino-Americana (1)
1. Situando o ProblemaEuclides André Mance
Curitiba, maio de 1995A questão da identidade latino-americana(2) foi abordada de maneira recorrente desde o processo de colonização. Ganhou maior destaque, contudo, a partir das lutas pela independência colonial e, recentemente, na segunda metade do nosso século, tanto a partir dos novos movimentos sociais-revolucionários quanto das elaborações de diversas ciências humanas, que passaram a analisar certos problemas da América Latina em seus aspectos estruturalmente comuns e em seus similares desdobramentos dialéticos. Mais recentemente os movimentos de reorganização do capitalismo a nível mundial, levando ao surgimento de mega-mercados, induziram a constituição do Mercosul. Tal projeto de abertura gerou, em uma parcela da sociedade civil organizada, uma série de reflexões sobre a importância de uma integração não apenas econômica, mas especialmente cultural entre os nossos povos, bem como uma série de críticas aos ideais neoliberais que norteiam esta integração, visando substitui-los pelo objetivo de uma democratização substancial de nossas nações, democratização essa que se configure na construção da cidadania ativa e mais plena possível - o que significa a garantia de todos os direitos humanos, uma vida digna e em qualidade satisfatória para todos, bem como o respeito e empenho pela realização das singularidades humanas em exercício ético de sua liberdade(3).
Esse tema também tem sido recorrente na história da filosofia na América Latina. A partir dos anos 60, contudo, multiplicaram-se os estudos que desembocaram em duas posições que às vezes se integram e às vezes se separam: a filosofia do americano e a filosofia da libertação.
O nó crítico destas aproximações e divergências refere-se ao acercamento ou distanciamento da realidade concreta a que chegam as diversas elaborações sobre tais definições. A busca de uma identidade latino-americana a partir de uma reflexão ontológica, isto é, sobre o sentido de ser da realidade e do homem latino-americanos, pode apontar para uma abstração que perca de vista as diferenças culturais e classistas, bem como, o movimento histórico de construção de uma identidade que é repleto de conflitos sob uma situação de dependência(4). Por outro lado, a busca desta identidade também pode chegar à afirmação do humano que deve realizar-se plenamente em cada pessoa deste nosso continente, exigindo-se, por isso, a ruptura com toda a situação de dependência e dominação.
No período emergente da filosofia da libertação -- meados dos anos 60 aos primeiros anos da década de 70 -- nota-se uma crescente ruptura com a questão "quem somos nós, os latino-americanos ?". A necessidade concreta de libertação dos oprimidos prescinde de tal resposta, uma vez que a condição de seres negados pela opressão implica a própria determinação de uma identidade oprimida. A identidade que nos unifica -- conforme vertentes da filosofia da libertação -- é a nossa própria condição de seres negados. Problemático seria buscar uma identidade abstrata que unificasse, conceitualmente, dominantes e dominados e as diversas culturas particulares neste continente sob uma mesma totalidade, desconsiderando assim as contradições reais que envolvem nossas sociedades e a condição de exterioridade dos diversos povos e sujeitos particulares.
2. A Identidade Latino-americana : elementos da trajetória histórica na colocação do problema
A pergunta pela identidade latino-americana tem origens remotas. O próprio Simón Bolívar que tentara por fim à dependência colonial e sonhara com a unidade da América Latina liberta de toda forma de dependência escravizadora se embateu com este problema até o final de sua vida(5) . No discurso de Angostura, em 1819, ele afirmava o seguinte : "Não somos europeus, não somos índios, mas sim uma espécie intermédia entre os aborígenes e os espanhóis. Americanos por nascimento e europeus por direito, nos encontramos em meio ao conflito de disputar os títulos de propriedade aos nativos e manter-nos no país que nos viu nascer, contra a oposição dos invasores. De maneira que o nosso caso é extremamente extraordinário e complicado.(...) Estamos colocados num grau inferior ao da servidão". "Mantenhamos presente que o nosso povo não é nem europeu, nem americano do norte, é antes uma composição de África e América do que uma emanação da Europa... é impossível determinar com propriedade a que família humana pertencemos"(6).
Nesta busca de construção de uma identidade latino-americana, observa-se, logo após a independência de vários países, posições contraditórias. A pergunta "quem somos?" é uma permanente fonte de angústias para as burguesias crioulas
Por um lado observa-se a valorização do indígena a partir de fins do século XVIII, algumas décadas antes do início dos movimentos de emancipação política, afirmando a capacidade do índio americano como criador de grandes culturas. Afirmando-se a capacidade humana de índios, crioulos(7) e mestiços, afirmava-se simultaneamente o direito de formarem nações independentes da Europa(8).
Após a independência, contudo, um complexo de inferioridade aparece frente à cultura européia. A América latina devia modernizar-se e Domingo Faustino Sarmiento proporá a civilização frente à barbárie do passado colonial e indígena, apresentando como modelo aos países do sul os Estados Unidos da América do Norte: "sejamos os yanques do sul". Salienta Leopoldo Zea que "sobre a composição racial e cultural heterogênea desta América, os civilizadores americanos do século XIX, tais como Sarmiento, Alberdi, Lastarria, Bilbao, Mora e outros mais, se empenharão em colocar a máscara da civilização européia e estado-unidense. Sejamos os Estados Unidos! Sejamos os yanques do sul! Contraposição de máscaras, representações diferentes, mas sempre alheios e pouco autênticas, de diversos personagens. Atores sempre e por sê-lo, simuladores..."(9)
Fracassado tal projeto mimético, José Marti em Nossa América combate a tese de se pretender apagar a história dos povos da América em nome de assumir padrões de uma "civilização" que lhes é estranha. Era preciso irmanar o anseio do futuro com a própria realidade e afirmar seu próprio caminho, uma vez que os livros europeus ou norte-americanos não apresentavam a chave de compreensão do hispano-americano.
Juan Bautista Alberdi afirmava que era necessário um esforço de elaboração conceitual para que a cultura americana emancipada pudesse se afirmar. "Duas cadeias nos atavam à Europa -- afirma Alberdi -- uma material... a outra inteligente... Nossos pais romperam uma pela espada: nós romperemos a outra pelo pensamento. Esta nova conquista deverá consumar nossa emancipação... Passou o reinado da ação; entramos no do pensamento. Teremos heróis, porém sairão do seio da filosofia... A inteligência americana quer também seu Bolívar, seu San Martín. A filosofia americana, a política americana, a arte americana, a sociabilidade americana, são outros tantos mundos que temos que conquistar."(10)
Por sua vez, frente a Civilização e Barbárie de Sarmiento, José Vasconcelos proporá a "mestiçagem" integradora das culturas em A Raça Cósmica. Para o autor, "... mesmo as mestiçagens mais contraditórias podem concluir-se beneficamente sempre que o fator espiritual contribua a levantá-las". Na América Latina, como ocorrera em outras regiões do mundo, a mestiçagem geraria uma nova raça, que seria aqui peculiarmente uma raça cósmica, integrando as diferentes raças e culturas(11) .
Desde o Peru, Jose Carlos Mariátegui exigirá a incorporação do índio à vida da pátria peruana e americana, visando a integração nacional, criando uma nação unida e forte. Afirma que o índio não é um ser inferior, nem expressão da barbárie, mas sendo homem como os demais deve conjuntamente assumir os destinos da América. É preciso combater o preconceito de que existam raças inferiores. Afirma Mariátegui que "o conceito de raças inferiores serviu ao ocidente para sua obra de expansão e conquista"(12) e que, de fato, a colonização e, depois, o liberalismo destruíram a economia agrária indígena, transformando os índios em objeto de exploração, excluindo-os da nação. Mariátegui salientava, então, a existência de dois Perus e de duas Américas: a dos exploradores e dos explorados. Superando a exploração era preciso constituir uma só nação, um só homem, uma só América(13). Analisando tal posição, comenta Leopoldo Zea: "não há índios, nem crioulos nem mestiços, somente homens. Homens que devem tomar consciência de sua humanidade para fazê-la valer e exigir que lhes seja reconhecida. O índio deve tomar a consciência de seu ser homem e atuar como tal nesta América"(14) .
Leopoldo Zea aproxima o indigenismo da negritude(15), isto é, considera a ambos como bandeiras de reivindicação do homem da América Latina e da África, como expressões concretas desses homens que lutam pelo respeito à sua própria humanidade(16). Não se é mais ou menos homem em razão da cor de pele ou da cultura que se tenha. Se a exclusão do índio consistia em seu desconhecimento, era necessário afirmar o ser do indígena, não para negar o branco ou rechaçar valores herdados da cultura ocidental, mas para integrar o que estava separado desde a colonização. Posteriormente no Peru o problema da divisão nacional avançou para análises que subsumiram a reivindicação indígena na reinvidicação dos direitos de todo o povo poder participar do progresso e da prosperidade nacionais. Analisando esse processo, comenta Leopoldo Zea: " o indigenismo se transforma, assim, em latinoamericanismo, em expressão da dupla luta interna e externa que mantém os povos nesta parte do continente para por fim à situação de dominação e dependência. O racismo é só uma justificativa entre outras que um grupo de homens levanta para dominar a outros. O racismo serve tanto aos que tratam de manter a exploração realizada pelos peninsulares espanhóis e seus herdeiros, os crioulos, como aos que a nível internacional originaram o colonialismo. Por isso a luta na América Latina deverá ser anti-oligárquica e anti-imperialista"(17).
3. A identidade latino-americana e filosofia do americano
Na vertente em que se elaboram reflexões sobre o ser peculiar latino-americano, tenta-se, em linhas gerais, elaborar uma ontologia do homem e da realidade americana com uma reflexão criativa sobre as circunstâncias, utopias e mitos que possibilitam a compreensão de um sentido da América Latina que vai despertando como consciência de si mesma(18) .
Em América Bifronte, Alberto Caturelli, reflete sobre o ser da América. O autor constata a "presença muda do ser bruto, que deve ser transformada em presença inteligível e viva" a ser comunicada. É preciso opor à América originária (presença não tematizada e secreta) a América desvelada, sendo portanto necessário descobri-la a nível do seu ser. Descobrir a América significa "romper a muda clausura da entidade simplesmente sendo, em bruto", significa patentear o significado do continente.
A América, portanto, tem uma dupla face. Uma está "voltada para o originário", a América ser bruto(19) ; a outra é aquela "descoberta pela Europa", como reflexão do espírito. Desse paradoxo a América começa a ouvir o apelo do Ser.
Conforme o autor, a busca do sentido original da América enfrenta não apenas o aspecto primitivo da natureza circundante. A pseudo-cultura mimética e europeizada da cidade bastarda, a vivência inautêntica do cotidiano, a pseudo-política esquecida do sentido do Tu, são obstáculos a serem superados para compreenderemos nosso ser, compreenderemos a unidade cultural desde a experiência originária de nossa circunstância -- dimensão pré-cultural -- a partir da qual tem-se o contato com as tradições européias, indígena e negra que devemos fazer desabrochar.
Ortega y Gasset, por sua parte, elaborou interessantes reflexões sobre o homem latino-americano desde a realidade argentina. Em seu artigo La Pampa... promessas ele desvenda um sentido prospectivo do latino-americano ao enfrentar a sua realidade: a realidade é compreendida e vivida a partir das promessas de seu horizonte, de seu porvir. É um viver a partir de um futuro imaginado, mas não real, em que o horizonte se apresenta como uma utopia prometida a se cumprir. " O pampa -- nos diz Ortega y Gasset -- se olha começando por seu fim, por seu órgão de promessas... Talvez o essencial da vida argentina é isso: ser promessa. Tem o dom de nos povoar o espírito com promessas, resplandece em esperanças como um campo de mica com inumeráveis reflexos. Quem chega a esta costa vê diante de si todo o porvir... O pampa promete, promete, promete... Faz, a partir do horizonte, inesgotáveis gestos de abundância e concessão."(20) O homem latino-americano vive a partir do horizonte futuro, longínquo, a partir do que não é, como uma promessa que ad-vém. "Vive-se aqui tudo do distante e a partir do distante. Quase nada está onde está, senão diante de si mesmo, muito adiante no horizonte de si mesmo e, a partir dali, governa e executa sua vida do aqui: a real, presente, efetiva. O modo de vida do argentino é aquilo que eu chamaria o futurismo concreto de cada um. Não é o futurismo genérico de um ideal comum, de uma utopia coletiva, mas é a vivência de cada um a partir de suas ilusões, como se elas já fossem a realidade" (21).
Esse futurismo possui assim um caráter individualista, no modo em que é assumida e projetada a existência, vivendo o latino-americano essa utopia em função de si mesmo, do projeto individual de sua vida. A América como utopia é, pois, uma promessa que se faz pessoalmente ao americano que deseja vivê-la. Daí o sentido trágico e amargo que Ortega y Gasset desvenda ao considerar que o descumprimento dessa utopia e dessa promessa é vivida como uma espécie de derrota pessoal. "A rigor -- nos comenta o filósofo -- a alma crioula está repleta de promessas feridas, sofre radicalmente de um divino descontentamento... sente dor em seus membros que lhe faltam e que, entretanto, nunca possuiu."(22) Assim, o modo de ser americano tem um fundo de tristeza que recobre seu utopismo. Com ilusões irrealizadas, percebe que tem existido sem viver sua própria vida, que lhe passa como uma sombra enquanto anseia por um devir imaginário, descobrindo finalmente uma espécie de vazio irremediável, com o sentimento de ter perdido sua própria vida.
Comentando essa reflexão de Ortega, assim analisa Raul Fornet-Betancourt: " confiante na ilusória promessa de sua vida, o americano não se preocupa com o seu presente, não vive plenamente a sua vida presente e esta se esvai sem ser propriamente vivida por ele.(...) No fim de sua vida, pensa Ortega, o homem americano se vê confrontado com a dolorosa experiência de que a vida tenha passado sem tê-la vivido, sem advertir sequer seu passo concreto "(23). Não se trata, contudo, de simples tomada de consciência de uma sensação de fracasso, pois para assistirmos ao seu fracasso é necessário que a estejamos vivendo. Conclui Ortega que "o crioulo não vive a sua verdadeira vida, mas que ela tem passado sem que ele se dê conta, vivendo a outra, a vida prometida. Por isso, quando chega à velhice e olha para trás, não encontra a sua vida, porque não passou por ele, aquela que não viveu, e encontra somente um rastro dolorido e romântico de uma existência que não viveu. Encontra, pois, o vazio, o oco de sua própria vida"(24)
Roberto Escobar, por sua vez, também apresenta a América como o continente da utopia, mas conferindo-lhe um caráter positivo. A utopia é uma constante ao longo de toda a história da América, que já foi imaginada como o lugar do "bom selvagem", da "fonte da juventude", do "Eldorado".
Na história destas terras quatro utopias tornaram-se dominantes. Sob a utopia social desejou-se "criar uma nova ordem social no novo mundo, encarnada nos projetos de independência e constituições"; sob a utopia religiosa, desenvolvem-se inúmeros movimentos ligados ao milenarismo e messianismo; sustentando as utopias míticas, encontramos as lendas dos indígenas, das civilizações originárias; e por fim sob a utopia intelectual, afirma-se, por exemplo, a tentativa de se criar uma filosofia original. Conclui Escobar que para encontrar a América é preciso inventá-la e que "até agora o único caminho que foi oferecido a nossos pensadores foi o da utopia, nas suas diversas formas e nos seus diversos temas" (25). Urge, portanto, conhecermos a nós mesmos, buscar nossas raízes comuns, e compreendermos o homem latino-americano bem como a sua situação.
3.1 Identidade Latino-americana: Humanismo e Libertação
Para caracterizar a identidade latino-americana, conforme Leopoldo Zea, mais do que investigar as suas utopias é preciso tratar de maneira filosoficamente autêntica a América Latina, investigando sua maneira de ser e suas circunstâncias concretas, recuperando a história do continente, em especial a história das idéias aqui difundidas. Este trabalho, para o autor visa contribuir para o esclarecimento e transformação concreta da realidade.
Conforme Francisco Miró Quesada (26) Leopoldo Zea, em sua trajetória de pesquisador da história das idéias -- a princípio no México e depois na América Latina -- desemboca na filosofia do americano que tem por missão " revelar-nos nosso próprio ser, revelação que se manifesta através da criação de uma determinada consciência histórica, consciência que por sua vez, orienta nossa opção para a libertação definitiva."(27). É justamente pela afirmação de um profundo humanismo desde o qual considera a realidade do homem latino-americano, que a reflexão de Zea se desdobra sobre questões da dependência cultural e da necessidade de libertação, a fim de que os povos atinjam o florescimento pleno de suas culturas e o reconhecimento universal de sua humanidade.
A libertação almejada por Zea somente pode ser conquistada " mediante o reconhecimento da dignidade e da liberdade reais de todos nós latino-americanos"(28). Este reconhecimento humano exige a superação da alienação, a autenticidade, o fim dos imperialismos e da dependência. Desde a reflexão da história latino-americana, dos seus diversos processos de transformação social, o filosofo da história latino-americana haverá de clarear e intensificar um novo tipo de consciência. Assim, conforme explicita Miró Quesada, "a filosofia da história americana tem que ser a vanguarda desta nova consciência, tem que precisar o caminho que ela vislumbra, o modelo cuja realização tornará possível, por fim, forjar uma realidade que seja autenticamente nossa (...) Só um projeto de transformação social radical poderá, ao final, ter o êxito que esperamos: a libertação definitiva de nossos povos, a criação de uma América Latina verdadeiramente independente e humanizada." (29)
4. Identidade Latino-americana e Filosofia da Libertação
No Brasil, comenta Hugo Assmann, a pergunta pela identidade do "ser brasileiro", nos desvia da necessidade de tomar posição ao lado das maiorias oprimidas. Sua vigência étnica, antropológica-cultural é válida, mas não pode servir para ocultar as contradições de classe em nossa sociedade, bem como o modelo sócio-econômico dependente que concentra rendas nas mãos de uns poucos e exclui as maiorias. Ilustrativo desse desvio seria -- para Hugo Assmann -- o trabalho de Darci Ribeiro intitulado "Utopia Selvagem" no qual se encontram as seguintes passagens: "Somos os que fomos desfeitos no que éramos, sem jamais chegar a ser o que fôramos ou quiséramos. Não sabendo quem éramos quando demorávamos inocentes neles (os indígenas, negros), inscientes de nós, menos sabemos quem seremos." (30) E a sua conclusão: "Verso estes jogos utópicos forrado de cautela. Suspeito muito que reformar a sociedade -- desfazendo-a para refazê-la melhorada --, embora indispensável, seja um trabalho muitíssimo arriscado e complicado" (31). Com isto, conclui Assmann, não se consegue superar os aspectos equívocos da pergunta "quem somos?".
Em geral, a filosofia da libertação secundarizou a questão sobre a identidade latino-americana, interessando-se mais em pensar a situação de marginalização e injustiça que sofrem as maiorias oprimidas em nosso continente. A reflexão filosófica que esclareça a dominação e alienação e que contribua com a reflexão crítica da práxis de libertação é, para esta vertente filosófica, a mais prioritária. Daí a ponderação de Hugo Assmann: "A partir da extrojeção-negação-morte-anulação das maiorias oprimidas a resposta à pergunta 'quem somos?' passa necessariamente pela outra pergunta 'do lado de quem nos posicionamos?'. E esta -- conclui o autor -- deveria ter uma resposta clara e insofismável... é o posicionamento prático que importa."(32).
Enrique Dussel, por sua vez, a partir de sua dialética alterativa (33), assumindo uma posição clara frente às alternativas de Assmann, apresenta a América Latina como "o outro" oprimido, como um continente ontologicamente oprimido -- desde o século XVI até o século XX -- por uma "vontade de poder" exercida desde a totalidade européia que lhe criticou os valores próprios e lhe propôs - como ainda propõe - novos valores desde o pólo dominante da bipolaridade: "a América Latina teve então como ideal, ser européia" (34). Este ideal resultou de um processo de dominação e opressão em todos os aspectos: a "América foi oprimida cultural, política, econômica e religiosamente. A vontade de Colombo era a mesma 'vontade unívoca de poder', ainda que fosse a vontade da cristandade... Esta situação (latino-americana) de ser 'vontade oprimida', sob a 'vontade de poder' da totalidade segue se cumprindo nos nossos dias" (35). Contudo, conforme Dussel, desde há pouco tempo descobrimos -- a partir de uma nova metafísica (36) -- a distinção da América, a sua "novidade", que desde sempre, foi outro em relação a Europa, ainda que esteja até hoje oprimida (37).
Vários outros filósofos de nosso continente problematizaram o conceito de Latino-americano. Para Osvaldo Ardiles, por exemplo, o conceito latino- deveria ser substituído por indo-ibero-. Este adjetivo melhor caracterizaria nossa América ao evidenciar os dois elementos estruturais latentes nas entranhas étnicas dos povos dessa porção do continente e do Caribe. Afirma o autor utilizar " ... uma palavra composta para expressar com ela uma unidade constitutiva, com a finalidade de evitar as dificuldades que o hispanismo, primeiramente, e o indigenismo, posteriormente, tem levantado na questão da auto-compreensão americana" (38).
Refletindo sobre o tema das raízes étnicas em nossa América, Rodolfo Kusch busca des-cobrir a América Profunda, des-entranhando os elementos negados em sua identidade. Para determinar o sentido profundo do ser americano há que se voltar, segundo o autor, às culturas pré-colombianas, ao mundo americano originário. Com isso destaca-se que a raiz indígena da América passa por um processo de mestiçagem com a raiz européia. Tem-se assim a amálgama do ser e do estar. "A importância do descobrimento -- segundo Kusch -- deve-se ao fato de ser o encontro entre duas experiências do homem. Por um lado, a [experiência européia] do ser, como dinâmica cultural, cuja origem remonta às cidades medievais e que adquire maturidade até o século XVI. Por outro lado, a experiência [indígena] do estar, como sobrevivência, como acomodação a um âmbito por parte dos povos pré-colombianos, com uma peculiar organização e espírito; e essa rara capacidade de assentar-se através de uma longa permanência, de vários milênios, nas terra da América" (39). O descobrimento e a colonização provocam o choque de duas culturas: a do homem que está integrado aos ritmos do cosmos, que contempla a natureza e que com ela se identifica e a do homem que busca ser alguém dominando-a, subjugando-a ao seu projeto, oprimindo índios e negros. O processo de libertação da América supõe, segundo Kusch, que a cultura dominadora e soberba do ser seja radicalmente transformada pela cultura do estar.
Trabalhando desde a tese da existência de uma racionalidade indígena e negra negada no processo de colonização, Kusch buscará recuperar esses elementos para a construção de um projeto popular de libertação. Desvendando a condição do estar sob a racionalidade indígena e negra, estabelece um horizonte crítico à cultura do ser imposta pela colonização. Ao recuperar a dimensão emocional, Kusch afirma um âmbito de maior indeterminação que a intelectual, mas possuidora de elementos positivos que se articulam sob uma lógica diferente, que nos leva a determinações desde às quais se desempenha o existir.
Comentando Kusch, afirma Fornet-Betancourt que a opção antropológica do pensador argentino possui um conteúdo claramente político, transparecendo "... sua fé e confiança na capacidade humana dos setores populares da América: o índio, o mestiço e o negro. Estes são os marginalizados de hoje, contudo, neles pulsa e vive o profundo sentido do americano e representam assim a reserva espiritual que possibilitará a redenção da América". Kusch faz assim uma "opção pelo povo", isto é, busca aceder a "... realidade e o sentido da América através da leitura atenta da tradição, história e existência concreta dos grupos humanos conaturais a ela... "(40).
De modo geral, se considerarmos a trajetória do indigenismo latino-americano e as formulações de Kusch percebemos um movimento aparentemente contraditório: por um lado a afirmação de uma integração cultural e por outro lado a necessidade da evolução do próprio etnos de cada nação indígena frente à cultura que lhe é estranha. A capacidade de integrar respeitando a diversidade é o que a filosofia da libertação em geral afirmou defendendo a construção de uma democracia realmente substancial. Na reconstrução do conceito de democracia, propõem-se -- desde um horizonte ético de afirmação do humano -- o respeito a cada cultura com sua vontade de ser e o diálogo intercultural que promove reflexões e o aprendizado a partir de práticas distintas. Avança-se pois na efetivação da cidadania que respeitando as singularidades aponta a resolução dessa contradição inicial.
Conclusão
A identidade latino-americana como campo de investigação é um vasto território que permite a elaboração de inúmeras reflexões contraditórias. Diferentemente de outras regiões do mundo em que grupos humanos constituíram identidades nacionais com uma língua, valores e práticas comuns, resultando posteriormente a constituição de estados nacionais; na América Latina deu-se o inverso: o processo de independência colonial e fragmentação dos países levou primeiro ao surgimento dos Estados e posteriormente à pergunta pela identidade e pelos projetos nacionais. Na história oficial desta região do globo, o que distingue as "nações" - que, em geral, falam a mesma língua, possuem composições étnicas e crenças semelhantes, mais identidades do que diferenças - é a demarcação territorial. Em muitos casos a identificação do nacional é desdobrada da memória dos conflitos na disputa por territórios com países limítrofes, emergindo os heróis da história oficial.
A pergunta pela identidade latino-americana é valiosa quando se espera como resposta não um conceito formal que abarque a identidade de inúmeras nações, etnias e subgrupos, mas quando nos leva a descobrir os traços estruturalmente comuns de alienação, dominação e exclusão de milhões de pessoas, quais são os seus mecanismos geradores, nacionais e internacionais; bem como, quais são as ações desenvolvidas pelos inúmeros movimentos sociais-populares, partidos políticos, movimentos culturais e outros grupos de resistência e de enfrentamento a tais processos.
Tal investigação é valiosa quando recupera de cada cultura elementos que lhe são singulares e que, nesta singularidade, afirmam facetas da realização humana em sua dignidade, em sua potencialidade criadora, que nos possibilitam reconstruir nossa sensibilidade estética e ética face ao mistério e ao desconhecido de cada outro.
Investigando as utopias de cada movimento social que luta pela realização de justas aspirações populares, podemos construir utopias cada vez mais coletivas que visem a realização de inúmeras singularidades do autenticamente humano.
Assim, a pergunta pela identidade latino-americana, para que não caia em um círculo estéril, necessita entroncar-se com a práxis de libertação popular. A tomada de consciência de nossa realidade, nossa circunstância, nossa história, das múltiplas determinações de nossa subjetividade não pode levar a uma mistificação ou apenas a movimentos superficiais de integração. Para que o discurso sobre a integração latino-americana não permaneça apenas uma peça ideológica que justifique o movimento de concentração e internacionalização dos capitais, ele deve evidenciar a condição de seres-negados em que se encontram as maiorias latino-americanas, subsumidas por este mesmo capitalismo que a cada dia mais nos empobrece. Deve evidenciar elementos das utopias dos movimentos populares que possam ser articulados em um grande projeto de Nuestra América, de realização da plenitude humana de cada rosto latino-americano. Deve apontar para iniciativas conjuntas de nossos países no tratamento de nossos problemas estruturais como a concentração de riqueza, a pobreza, a divida externa, a concentração fundiária, a não democratização dos meios de comunicação, etc. De outra parte, a convivência de inúmeras raças, culturas, religiosidades, práticas singularizantes em uma democracia substancial que garanta as condições materiais para o exercício mais plenamente possível da liberdade de cada pessoa é, talvez, a grande utopia que a América Latina venha dolorosamente buscando realizar e que possa oferecer como objetivo estratégico a todos os povos do mundo.
Atendo-se a essas coordenadas, a reflexão filosófica sobre a identidade latino-americana poderá contribuir com o processo de integração de nossos povos e com a formulação de uma perspectiva histórica em que o Mercosul se torne uma das mediações estratégicas de um processo muito mais amplo voltado para a emancipação popular.
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Notas:
1 Comunicação apresentada no "2o Encontro Estadual de Estudantes de História" (Univille - Universidade de Joinville, Santa Catarina, em 6 de maio de 1995) sob o tema "A Filosofia da Libertação na América Latina e o seu Papel na Construção de uma Identidade Latino-Americana".
2 Conforme definições da ONU a América Latina e Caribe compõem-se da porção continental que vai do México, separado do Texas pelo Rio Grande, até o extremo sul do continente, a Terra do Fogo, incluindo as ilhas do Mar do Caribe.
3 Embora a integração da América Latina tenha sido debatida em inúmeras oportunidades entre os governantes dos diversos países gerando vários acordos de integração em diferenciados níveis, somente agora, sob os novos imperativos econômicos internacionais, inicia-se esse processo, ainda que de forma excludente. Em 1960 foi criada a ALALC - Associação Latino-Americana de Livre Comércio, na conferência de Montevidéu, visando integrar economicamente os diversos países do continente. Em 1980, essa associação foi transformada na ALADI - Associação Latino-Americana de Desenvolvimento e Integração, mas os objetivos dessas entidades não foram atingidos porque as economias desses países, mais que complementares, eram concorrentes e porque se mantiveram em acordos econômicos e comerciais que não enfrentaram conjuntamente problemas estruturais. O Governo Reagan, por exemplo, atuou fortemente para que a renegociação das dívidas externas desses países não fossem negociadas em bloco, mas sim de maneira isolada. De outra parte, a OEA - Organização dos Estados Americanos, constituída na conferência de Bogotá, em 1948, surgiu mais como frente tática de combate ao comunismo sob a estratégia norte-americana da Guerra Fria, do que como uma instância de democratização substancial de todo o continente americano na defesa de interesses populares. Assim, na conferência de Punta del Leste, em 1962, aprovou-se a expulsão de Cuba da Organização em 1965, na conferência do Rio de Janeiro, um ano após o golpe militar no Brasil, Lyndon Johnson tenta articular militarmente o continente contra a denominada "subversão comunista". A negação prática da Doutrina Monroe da "América para os americanos" foi a posição dos Estados Unidos na defesa de interesses geopolíticos ingleses ao apoiar a Inglaterra quando do conflito com a Argentina que reivindicava a posse das Ilhas Malvinas em 1982, indo contra as definições primeiras da OEA quanto ao pacto de solidariedade dos Estados Americanos em caso de conflitos e agressões externas.
Atualmente, o Mercosul surge como um reflexo do movimento internacional de reorganização dos capitais. Embora a grande importância que esse mercado possa ter se assumir um caráter político de tratamento de questões estruturais da economia dependente latino-americana, como a dívida externa, e embora componha uma população considerável, sua magnitude comparada aos mercados europeu, americano e japonês é irrisória, porque grande parte desta população está abaixo na linha de pobreza absoluta -- não se configurando como o mercado consumidor desejado pelas multinacionais -- bem como porque o crescimento econômico desses países é pequeno, senão estagnado. Uma comparação entre o crescimento econômico de Brasil e Argentina com diversos países do bloco japonês evidencia o que afirmamos.
4 Em certo sentido o problema do nacional e do popular aqui se recoloca de modo mais amplo. Da mesma forma que sob a definição do nacional corre-se o risco de se perder a diferença entre os interesses de segmentos em posições contraditórias, também na definição do latino-americano o mesmo pode acontecer. Sob este aspecto o Mercosul deve ser criticado por não ser a integração de interesses latino-americanos, mas de grupos econômicos de diversos países interessados em expandir seus mercados consumidores com certas proteções frente a outros grandes mercados.
5 Simón Bolívar liderou, a partir de Nova Granada, a resistência aos exércitos espanhóis que pretendiam pacificar a colônia espanhola frente as lutas pela autonomia que se desenvolveram na primeira década do século XIX. Suas atividades militares resultaram na libertação da Colômbia, Venezuela e Equador. No sul do Continente a libertação da Argentina, Chile e Peru é liderada por José San Martin. Os dois líderes se encontram em 1822 em Guayaquil, no Equador. Com o acordo, Bolívar passa a comandar o exército de libertação que será vitorioso em Ayacucho em dezembro de 1824 terminando, assim, o período de dominação espanhola sobre a América.
6 Simón BOLÍVAR, "Discurso de Angostura", 15-02-1819, citado por Hugo ASSMANN. Filosofia da Libertação, mimeo, UNIMEP, Piracicaba, Junho de 1982, p.13
7 A expressão criollo significa, no espanhol, tanto "o filho de pais europeus, nascido em qualquer outra parte do mundo", como também " o negro nascido na América, por oposição ao trazido da África". Em alguns contextos também possui o sentido de "nacional", "vernáculo" ou "indígena".
8 A bandeira do indigenismo apareceria desta maneira, segundo Leopoldo Zea, como a afirmação do homem concreto desta América, considerando o índio como parte desta humanidade concreta.
9 Leopoldo ZEA "Latino-americana na encrucijada de la história" , p. 68, citado por ASSMANN op. cit.
10 Juan Bautista ALBERDI, Fragmento Preliminar al Estudio del Derecho, Buenos Aires, Hachete, 1955, pp. 55-56, in Arturo Andres ROIG, "Necessidad de un filosofar americano". Actas del II Congresso Nacional de Filosofia Argentino, Tomo II - Simpósios, Ed. Sudamericana, Buenos Aires, 1973
11 As teses de Vasconcelos, publicadas neste livro de 1948, merecem críticas. Quando fala do "... atraso dos povos hispano-americanos, onde prepondera o elemento indígena..." (p.11) ou quando afirma que " uma religião como a cristã fez avançar os índios americanos, em poucos séculos, do canibalismo até a relativa civilização" (p.12), seus conceitos de civilização e atraso assumem padrões de uma determinada cultura em detrimento dos valores de outra. Não há aqui um movimento de integração virtuosa como em José Carlos Mariátegui ou Oswald de Andrade, com seu conceito de antropofagia. Várias de suas afirmações históricas são simplórias, como quando escreve que " Dom Pedro I... por toda parte impôs a boa administração e o respeito aos direitos humanos" (115). José VASCONCELOS, La Raza Cósmica, 16a.Ed., Espasa-Calpe Mexicana SA, México D.F., 1992.
12 Jose Carlos MARIÁTEGUI, citado por Leopoldo ZEA, "Negritude e Indigenismo" , in: German MARQUINEZ ARGOTE, Temas de antropologia Latinoamericana, Coleccion Antologia, N.2, Bogotá, Editorial El Buho, 5ª Edição, 1989, p. 96
13 Manuel Gonzalez Prada, também desde o Peru, enfatizava com Mariátegui que a emancipação dos índios dependia do esforço do próprio indígena.
14 Leopoldo ZEA, op. cit., p. 96
15 A negritude, se constituiu em um movimento cultural de resgate/construção da identidade negra. Comenta Aimé Césaire sobre a origem do conceito de negritude que sua criação " ... correspondia a uma necessidade... o negro na França via uma espécie de assimilação diminuída em nome do universalismo que ameaçava suprimir todas as características nossas. Dito de outro modo, estávamos ameaçados por uma terrível depersonalização" [ Aimé Cesaire, citado por Leopoldo Zea, "Negritude e Indigenismo" , in: German MARQUINEZ ARGOTE, Temas de antropologia Latinoamericana, Coleccion Antologia, N.2, Bogotá, Editorial El Buho, 5ª Edição, 1989, pp.89-107, p.104.] Isso era muito grave em razão do momento histórico em que se debatia o problema da descolonização de povos dominados por países ocidentais. Semelhante processo ocorreu por exemplo na América Latina durante o século XIX, quando os latino-americanos pensaram em apagar o seu passado no desejo de assemelhar-se ao saxão norte-americano. Daí a razão do voltar-se sobre o que se considerava próprio ao homem latino-americano e sua cultura, dando origem à pergunta pelo ser do peruano, do mexicano, do latino-americano. Cf. Leopoldo ZEA, op. cit., p. 104. A negritude afirmava que o homem negro era tão homem quanto qualquer outro e que havia realizado obras culturais de valor universal, às quais, os que empunhavam a negritude queriam ser fiéis. "Cada povo -- diz Senghor -- não desenvolveu mais que um ou vários aspectos da condição humana. A civilização ideal seria aquela que, como esses corpos assim divinos surgidos da mão e do espírito do grande escultor, reunissem as belezas reconciliadas de todas as raças" [Leopoldo Senghor, citado por Leopoldo ZEA, op. cit p. 106]. Analisando tal passagem afirma Zea que se trata pois de uma luta para que o conceito de humanidade não seja uma simples abstração, mas abarque a todos os homens com suas expressões naturais e culturais peculiares. Senghor foi um dos maiores divulgadores da negritude, buscando desvelar a alma negra cuja característica essencial seria a emoção que se integra à razão de maneira distinta que na cultura européia.
16 O indigenismo latino-americano, conforme Zea, origina-se na preocupação de assimilar um grupo socialmente marginalizado, que são os indígenas, para que se transforme em latino-americano concreto, reconhecendo-se como humano, numa mestiçagem cultural em que se conservam os elementos valiosos que são incorporados na cultura nacional, com o cuidado de evitar o isolamento folclórico de grupos humanos. Essa mescla cultural deve ser fortalecida frente as culturas de dominação.
17 Leopoldo ZEA, op. cit. p. 98
18 Aqui evidencia-se a relação "filosofia/circunstância latino-americana", revelando-se nessa relação o que filosofar pode oferecer de universal.
19 O cosmos americano - uma "natureza hostil e primitiva, [que] impõe ao homem o confronto com as paisagens, com as medidas cósmicas" -- é oposto ao cosmos grego -- no qual "domina o humano, medida micro-cósmica da natureza e da história".
20 José ORTEGA Y GASSET. "La Pampa... promessas". in: Obras Completas, p. 638, citado por Raul FORNET-BETANCOURT, Problemas Atuais da filosofia na Hispano-america, São Leopoldo, Editora Unisinos, 1993, p. 97
21 Ibidem, p. 97-98
22 Ibidem, p. 98
23 Raul Fornet-Betancourt, Problemas Atuais da filosofia na Hispano-america, São Leopoldo, Editora Unisinos, 1993, p. 99
24 Ortega y Gasset, op. cit., p. 639, citado por Raul FORNET-BENTACOURT, op. cit., p. 99. Desdobrando as reflexões de Ortega, Betancourt afirmará em 1993 que tanto a verdade da América, como o modo de ser americano, consistem em sua própria mentira. A rigor, o ser e a verdade da América aparecem como problemas, " porque não são o que aparentam ou o que pretendem ser. Seu ser é o 'não-ser' e, sua verdade, a mentira. O ser da América não é o ser imaginário dessa terra prometida, destinada a ser o lugar verificador de uma humanidade feliz. Nem tampouco sua verdade consiste em ser a representação do humano melhorado como ideal a ser realizado pelo homem. Assim, convém insistir nisto -- salienta Betancourt --, o ser da América é o 'não-ser' de sua utopia, e sua verdade, a mentira de seu sentido inventado" idem, p. 100 . Neste continente, como em qualquer outra parte do mundo, os homens vivem e morrem, são bons e maus, alegram-se e sofrem, esperam e se desesperam. O pretenso sentido destinal que alguns atribuem à América frente a toda a humanidade, é um engano. O homem americano é simplesmente um homem e nada mais.
25 Roberto ESCOBAR, citado por Constança Marcondes CESAR, "Filosofia na América Latina: Polêmicas", Revista Reflexão, Campinas, 9(30):51-66, set dez 84, p. 57
26 Francisco MIRÓ QUESADA. Proyecto y Realización del Filosofar Latino-Americano. México D.F. Fondo de Cultura Económica. 1981
27 Ibidem p. 148
28 Ibidem, p. 148
29 Ibidem, p. 168
30 Darcy RIBEIRO, Utopia Selvagem, p. 188, citado por Hugo ASSMANN, op. cit. p.14
31 Ibidem p. 14
32 Ibidem p. 14
33 Denominamos aqui como dialética alterativa o método que Enrique Dussel vem desenvolvendo desde os anos 70 e que recebeu do próprio autor variadas denominações como método analético, método dialético positivo, método dialético metafísico e método anadialético, entre outras. Um estudo comparativo da questão de método em Dussel percorrendo suas várias fases de elaboração pode ser encontrado em nosso trabalho "Filosofia da Libertação - Histórico, Vertentes, Críticas e Perspectivas".
34 Enrique DUSSEL, "Para Una Fundamentacion Dialectica de la Liberacion Latinoamericana" in Stromata 28(1-2):53-105 jan-jun 1972, aqui p. 80
35 Ibidem, p. 80-81
36 Trata-se de uma nova leitura da condição latino-americana desenvolvida por algumas vertentes da filosofia da libertação que desenvolveram uma nova metafísica a partir de elaborações como as do lituano, naturalizado francês, Emmanuel Lévinas e as do espanhol Xavier Zubiri. Inicialmente Dussel considera a superação da ontologia moderna pela sua metafísica dialética como a afirmação de um pensamento pós-moderno que é capaz de romper os limites dos conceitos ontologicamente formulados graças à afirmação de uma exterioridade histórica e metafísica, o outro, a alteridade que, metafisicamente, jamais pode ser subsumida como mediação de um projeto histórico que se lhe imponha, mas que desde sua infinita exterioridade pode afirmar criativamente uma nova ordem, justa e solidária.
37 Em um quadro mais amplo, conforme Dussel, no início da década de 70, a grosso modo, Estados Unidos, Europa e URSS expressam sua vontade de poder sobre América Latina, o mundo islâmico, a África Negra, a índia, o Sudeste Asiático e a China. É naquele quadro geopolítico que a filosofia da libertação formulará inicialmente as suas teses sobre a afirmação da exterioridade periférica e dominada, afirmação essa que implica a ruptura com as situações de dependência econômica, política e cultural. Destaque-se que a integração econômica não pode ser compreendida como dependência estratégica. Pelo contrário, a integração latino-americana com a economia mundial deve significar um avanço na realização da soberania popular e não apenas nacional. A soberania nacional deve se concretizar como soberania popular na definição das políticas nacionais.
38 Osvaldo ARDILES, "Prolegomenos para una filosofia de la liberacion", in: Nuevo Mundo, 3(1):5-24 jan jun 73, aqui p. 6
39 Rodolfo KUSCH, "América Profunda", p. 146, citado por, Raul FORNET-BETANCOURT, op. cit p.87
40 Raul FORNET-BETANCOURT, op. cit p. 89
Sobre a Identidade Latino-Americana
Comunicação apresentada no "2o Encontro Estadual de Estudantes de História" (Univille - Universidade de Joinville, Santa Catarina, em 6 de maio de 1995) sob o tema "A Filosofia da Libertação na América Latina e o seu Papel na Construção de uma Identidade Latino-Americana".
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