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Realidade Virtual
- A conversibilidade dos Signos em Capital e Poder Político

                                                   Euclides André mance
                                                    IFiL - Curitiba, PR

Introdução

Nas últimas décadas, face às modificações introduzidas pelas novas tecnologias, aprofundam-se vários questionamentos acerca da operatividade dos conceitos de valor de uso e valor de troca, emergentes na economia política clássica no século XIX e que foram desenvolvidos -- não sem polêmicas -- no interior do pensamento marxista. 

De outra parte, o uso das expressões lingüísticas, e portanto de signos, foi retomado na segunda metade de nosso século como elemento de definição dos sentidos de tais expressões a partir de teorias dos jogos de linguagem. A explicitação de uma gramática elucidadora das normas seguidas no uso da linguagem cotidiana em seus diversos jogos, aparecia como uma das principais contribuições que filosofia poderia trazer à sociedade. Se considerarmos, ainda, que nenhuma linguagem pode se expressar em nível puramente simbólico, indicial ou icônico -- mas em combinação variada desses elementos -- e que também signos não-lingüísticos ganham sentidos pelos seus usos, empregos ou aplicações sob um conjunto de regras flexíveis, teremos então que ampliar a investigação não apenas sobre os jogos de linguagem mas sobre o conjunto dos jogos semióticos. 

Ora, dada a interação entre a realidade objetiva e a realidade virtual, com o signo se transformando em mercadoria e mediando a modelização das subjetividades e, portanto, a sua interação com a realidade concreta, parece pertinente colocarmos em questão o valor de uso e de troca nesses dois âmbitos -- realidade objetiva e realidade virtual -- e, especialmente, a interação entre ambos. 

Em síntese, neste pequeno ensaio pretendemos desenvolver apenas um breve exercício de reflexão sobre : 1) a conversibilidade dos signos em capital mediante a determinação de duas propriedades suas ao âmbito da sociedade capitalista: a) o valor de uso, que tanto pode ser objetivo -- no caso de um software, por exemplo -- como virtual -- no caso do status adquirido pela posse de um objeto sobrecodificado por um determinado signo --; valor esse de uso virtual que pode ser produzido através das linguagens modelizantes da mídia; b) a conversibilidade dos signos em capitais e vice-versa pela mediação do valor de troca dos signos, tanto no mercado efetivo quanto no mercado virtual que se interpenetram e se condicionam; 2) a utilização política da modelização das subjetividades com vistas a construir hegemonias, induzindo decisões políticas e produzindo uma compreensão fantasiosa da realidade efetiva. Trataremos, para a análise dessas questões, os seguintes fenômenos: a) como o sentido construído a um signo poderá se transformar em valor de troca econômica e em capital, b) como a realidade virtual estabelecida tanto pelo planejamento urbano quanto pela propaganda imobiliária, altera o valor efetivo de imóveis, c) como o discurso jurídico que opera sobre a realidade objetiva a sobrecodifica -- em especial a propriedade privada -- desde a realidade virtual do direito, d) a relação entre especulação, capital objetivo e capital virtual, e) como a Unidade Real Valor utilizada em 1994 como instrumento econômico -- um produto semiótico concebido como unidade de valor de troca na transição do Cruzeiro Real para o Real -- ganhou operatividade política quando promoveu a inversão entre a realidade objetiva e realidade virtual, f) e, ainda, como a construção de imaginários pela mídia e o agenciamento de subjetividades modelizadas por suas linguagens alteram opções políticas do eleitorado. 

Este trabalho é, portanto, um exercício de reflexão, um breve ensaio, e não a apresentação sumária de uma teoria que pretenda resolver o conjunto dos problemas abordados. 

1. Realidade Virtual e Realidade Objetiva 

Para efeitos deste texto, distinguiremos realidade virtual e realidade efetiva. Esta, por sua vez, tanto pode ser objetiva quanto subjetiva. Tais expressões serão explicadas nesta seção. Trataremos inicialmente dos diversos empregos da expressão "realidade virtual" e em seguida da noção com a qual a utilizamos neste texto. 

O termo realidade virtual possui um sentido contemporâneo que advém de seu uso na análise da interação da subjetividade com processos que se desenvolvem ao nível cibernético 2. Com a sofisticação da computação gráfica e da interação do operador com o programa, a informática cria ambientes virtuais que parecem reais. Da interação do homem com tais ambientes resulta a realidade virtual, em que a atuação do sujeito modifica o ambiente, como se o que ocorresse nesse ambiente virtual realmente existisse, embora seja apenas a construção de uma realidade inexistente 3. Assim, entende-se por ambiente virtual "uma computação gráfica interativa, gerada por computador, normalmente tridimensional, que produz a ilusão de se estar presente dentro de uma realidade artificial" 4. No campo da informática a realidade virtual é definida como " uma forma de interface homem-computador que se baseia na formação de imagens espaciais e na ilusão de estar presente dentro de um ambiente gerado por computador"5. Em sentido um pouco mais amplo que este, conforme David Zeltzer, " ... não devemos perder de vista o fato de que cada vez que abrimos um livro, ou vamos ao cinema, ou simplesmente fechamos nossos olhos e sonhamos acordados, podemos entrar em realidade virtual. Durante milênios, artistas, músicos, escritores e contadores de histórias buscaram envolver nossos sentidos e imaginação em mundos que não tinham qualquer base física ". 6 Ao que parece para Zeltzer quando mergulhamos em uma construção semiótica que desloca nossa atenção consciente da realidade objetiva para o mundo dos significados e sensibilidades produzidos por tais construções semióticas, transitamos para a realidade virtual. Esse mundo dos significados resulta de um processo que envolve uma forte dimensão estética, ao ponto que signos e sensibilidades se interpenetram ao nível do imaginário construído. Na relação estética, conforme Edgar Morin, existe uma dupla consciência: " O leitor de romance ou o espectador de filme entra num universo imaginário que, de fato, passa a ter vida para ele, mas ao mesmo tempo, por maior que seja a participação, ele sabe que lê um romance ou vê um filme" 7. Conforme o autor, contudo, nos campos da magia ou religião " o imaginário é percebido como tão real, até mesmo mais real do que o real" 8; o imaginário é " o infinito jorro virtual que acompanha o que é atual, isto é, singular, limitado e finito no tempo e no espaço" 9; ele dá uma fisionomia aos nossos desejos, aspirações, necessidades, angústias e temores. 

Ampliando ainda mais a noção de realidade virtual, -- distinguindo-a da noção cibernética de ambiente virtual10 -- por ela entendemos, neste ensaio, um conjunto de signos articulados, coerentemente ou não, que se referem a realidades efetivas ou imaginárias e que sobrecodificam as demais significações e sentidos evocados pela presença de objetos, circunstâncias ou processos objetivos ou subjetivos, estabelecendo-se como nível primário de sentido, isto é, sendo tomados como se fossem a realidade efetiva. Tal sobrecodificação significativa é também a territorialização de uma disposição afetiva do sujeito face ao elemento sobrecodificado. A realidade virtual é construída pela conferência de sentidos e significações que se articulam em um imaginário, produzindo a ilusão de se estar presente em uma realidade que efetivamente não existe, comportando-se afetivamente o sujeito perante tais realidades como se elas existissem. O imaginário é percebido como concreto11 

De outra parte, consideramos como realidade efetiva não apenas o que é externo à subjetividade mas também todos os processos subjetivos em seus planos biológico e psicológico, excetuando-se apenas os fenômenos de significação e construção sentidos. Efetivo não tem aqui apenas o sentido dialético de algo que tenha sido produzido pelo homem, mediado na práxis. Efetivo, neste ensaio, significa tudo o que há, seja tanto no plano objetivo quanto subjetivo, com a devida excessão apontada. Expliquemos melhor esses âmbitos e suas interações utilizando alguns exemplos até o final desta seção. 

Uma cerveja ou um analgésico são realidade objetiva quando materialmente existentes. Os rótulos que envolvem os frascos que os contém são objetivos, como também o são os sinais gráficos linguísticos e não-lingüísticos que os compõem. Contudo, os sentidos de tais produtos são subjetivos, pois somente são constituídos na subjetividade dos que, com tais produtos, se deparam. 

Uma informação presente na subjetividade de um homem, possui um estatuto de realidade subjetiva. Morto o homem, extingue-se a informação. Quando a mesma informação é escrita, gravada, os significantes que a expressam possuem um estatuto de realidade objetiva. Mortos os homens elas permanecem. Quando uma informação é comunicada durante uma conversa, enquanto ela vai sendo expressa, ela possui estatuto de realidade objetiva frente a diversos sujeitos que podem apreendê-la. Cessada a comunicação ela possui um estatuto de realidade subjetiva, na subjetividade dos diversos sujeitos que dela se apropriaram. 

A cerveja possui um estatuto objetivo, tanto quanto seu rótulo e significantes nele impressos. Contudo, o sentido da cerveja é subjetivo, dependendo do complexo de necessidades, desejos e significações às quais ela é articulada pela subjetividade de quem a considera. Tal complexo de necessidades, desejos, significações e sentidos pode ser produzido "socialmente" e reproduzido pela tradição cultural de um povo, como também pode ser produzido por um pequeno grupo que possui o poder de massificar determinados sentidos articulados a tais produtos, através de linguagens que modelizando os signos já anteriormente a eles estabelecidos -- reterritorializando sua significatividade -- hegemonizam um modo de interpretação dominante. Assim, a subjetividade que considera a cerveja pode fazê-lo a partir das referências estabelecidas sob o código construído pela propaganda, relacionando-se com o produto objetivo a partir dos sentidos subjetivos que lhe foram modelizados. Surge, assim, a realidade virtual, isto é, uma espécie de conjunto de sentidos e significações que é mediatizado ao sujeito pelo objeto, em que cada objeto evoca alguma coisa para fora dele próprio, evocação essa produzida por um modo de semiotização dominante. Ao plano da realidade objetiva fumar cigarros acalma a ansiedade do vício, gera prazer e provoca doenças pulmonares e cardíacas. Ao plano da realidade virtual cada marca de cigarros possui uma identidade que evoca características exógenas ao cigarro, como "levar vantagem em tudo", "ter algo em comum" com alguém singular, etc. A propaganda que estabelece o jogo de semiotização dominante é objetiva quando veiculada. Aquela informação torna-se realidade subjetiva para quem a apreendeu. Mas somente se transforma em componente da realidade virtual quando o sujeito se relaciona com o objeto buscando nele a mediação para a realização de algo imaginário que está para além do objeto, mas que é evocado por ele, como a companhia de belas jovens para quem usa calças USTOP, ou a atração de mulheres para quem usa desodorante Avanço, alcançar "emoção prá valer" tomando Coca-Cola, viver uma família feliz para que consome margarina Doriana, Qualy, etc. 

A constituição da realidade virtual é possível porque a interação do sujeito com os signos -- sejam gestos, palavras faladas e escritas, logomarcas de produtos ou partidos, objetos fetichizados, enfim, os mais variados símbolos, ícones e índices -- é simultaneamente estética e cognitiva12 Por estética entendemos a dimensão dos perceptos e afetos, isto é, da percepção sensível dos signos e das disposições afetivas que suscita, dos sentimentos que evoca13 . Desta interação com os signos pode resultar um conceito ou noção em função do processo comunicativo do significado transmitido. Mas tal conceito ou noção integra -- em maior ou menor medida -- aspectos perceptuais e afetivos envolvidos 14. Assim, a interação com o signo da Coca-Cola -- com suas letras estilizadas, com o formato de sua garrafa e com todo o conjunto de significados e sentidos associados -- é, simultaneamente, cognitiva e estética. Os afetos são modelizados pela mídia nas campanhas de marketing, esteticamente bem produzidas, que provocam no consumidor a sensação de incorporar algo mais que apenas um produto -- como se fosse um ritual antropofágico em que se incorpora as virtudes associadas àquilo que é consumido -- ou a estetização da vida, isto é, a sensação de penetrar no mundo dos significados -- como o garoto da peça publicitária dos refrigerantes Brahma que entra no enredo da propaganda que assiste na TV ou que entra em um filme para consumir o desejado produto e que depois salta novamente para o que seria a realidade efetiva, respectivamente, a sala ou o cinema. 

A rigor, desde o dia em que Marcel Duchamp levou um urinol ao museu, para ser exposto em meio às obras de arte, percebeu-se que qualquer objeto pode ser apreciado sob o ponto de vista estético e que era possível arrebentar os contornos entre a arte e a realidade cotidiana 15. Por outro lado, a estetização da realidade cotidiana efetiva pelas semióticas místico-religiosas -- modelizando afetividades -- possibilitam criar disposições subjetivas frente a acontecimentos, objetos e ritos que recebem sentidos mediadores para chegar-se à realidade transcendente em que se tem virtualmente contato com o divino e o demoníaco. Já no caso da publicidade, a transformação de objetos em signos pela semiose produzida através da mídia transforma, por exemplo, um carro em signo, do qual tem-se uma percepção estética no "museu de arte" do consumo que é a vida: interage-se com ele de maneira cognitiva e estética. Os perceptos nos evocam os afetos -- modelizados ou não sob os códigos publicitários e que são integrados ou não ao conceito ou noção -- quando ouvimos alguém dizer: "eu tenho um B.M.W." ou "eu tenho um Fusca". 

2. A Realidade Virtual se interpenetra com a Realidade Objetiva 

Realidade virtual e objetiva se interpenetram. A realidade objetiva situa-se no plano efetivo, ao passo que a realidade virtual é o plano do imaginário articulado ao inconsciente agenciado semioticamente por inúmeras linguagens modelizadoras. 

A realidade objetiva está na condição de nível primário quando os sentidos e significados são apenas uma mediação na interação do sujeito com a realidade efetiva. A realidade virtual, por sua vez, somente ocorre quando está na condição de nível primário, quando a realidade objetiva é apenas uma mediação significante para a interação do sujeito com os significados codificados pelos jogos semióticos dominantes que modelizam sua subjetividade, constituindo as referências de seu imaginário16 . 

3. Valor de Uso e Troca dos Signos 

Contemporaneamente os produtos comerciais são primordialmente signos. Possuem uma identidade que é construída a partir de pesquisas de imaginários sociais e articulada às aspirações de segmentos de consumidores; isto ocorre para que os produtos apareçam subliminarmente, ou até manifestamente, como portando a capacidade de atender a tais anseios subjetivos17. 

Na aquisição de um produto, muitas vezes, este fator subliminar ou manifesto é o elemento determinante da opção do comprador. Objetivamente compra-se a margarina Doriana. Subjetivamente deseja-se viver em uma família feliz. Se tal marca de margarina fosse associada a uma família cujos membros se agridem com rancor e violência, provocando dor e sofrimento em cada refeição, o produto não teria boa aceitação pelos consumidores. 

Quando o desejo da família feliz é um dos componentes determinantes na aquisição de tal marca de margarina, o comprador se move em uma realidade virtual, adquirindo um signo articulado em um conjunto de linguagens publicitárias, linguagens essas que possibilitaram a modelização da subjetividade necessitante e desejosa do próprio consumidor18 . 

Em muitos casos a posse do signo confere um destaque social como o tênis de determinada marca, o carro do ano, a residência em um certo condomínio, sendo que outros produtos similares ofereceriam as mesmas condições de uso, excetuando- se o reconhecimento social e a satisfação psicológica que somente são possíveis pela posse ou usufruto do signo19 

Dessa forma o signo que possui um valor de uso semiótico, possibilitando a interação entre subjetividades através de linguagens, possui também um valor de troca econômico ao nível da realidade efetiva, na medida em que possibilita, ao nível da realidade virtual, realizar coisas que outros signos não possibilitam. Assim, realidade objetiva e realidade virtual se interpenetram, sendo elementos de determinação de valor de troca do produto. Neste caso, o signo que possibilita a realização do reconhecimento social e da satisfação subjetiva é a posse do signo que sobrecodifica o produto, que é o seu suporte objetivo. A posse de um outro produto não sobrecodificado por tal signo não possibilitaria o reconhecimento social e a satisfação subjetiva, mesmo que objetivamente seja similar em todas as características ao outro produto. Por outro lado, é impossível, nestes casos, a posse do signo sem a posse do produto sobrecodificado por ele. 

Ora, a produção de tal signo e a modelização das subjetividades para desejá-lo requer trabalho e gastos. Assim, o valor de uso virtual agregado ao produto pelo trabalho -- construindo-lhe uma identidade modelizando os códigos de busca de satisfação dos anseios subjetivos do consumidor -- conferirá ao produto um novo valor de troca, pagando o consumidor tanto pelo seu valor de uso objetivo quanto pela realidade virtual que foi produzida e na qual busca encontrar a satisfação de seu desejo pela posse do signo 20. O valor econômico de troca dessa realidade virtual tenderá ser tanto maior, quanto maior for a mobilização daqueles que dispõem de recursos e que encontram em tal produto a satisfação subjetiva de seus anseios. 

Há casos, entretanto, que a posse ou fruição do signo pode independer do meio que o suporta. Informações que independem dos meios passam a ter, cada vez mais, um papel decisivo na complexa organização da vida contemporânea. Um programa simples de computação, por exemplo, tanto pode ser adquirido na forma de um disquete, como pode ser adquirido em um livro e introduzido via teclado linha a linha, como pode ser copiado via modem diretamente de um outro computador conectado através de uma linha telefônica. A fruição de um filme tanto pode ser realizada no cinema em que ocorre a projeção luminosa de uma fita, como em casa, seja através de um vídeo-cassete, seja captando, através de um cabo, uma tele-difusão. Nestes casos os signos são eles próprios o objeto de troca independentemente do objeto que os contém ou os veicula. 

Embora a informação tenha valor de troca, a troca, nesse caso, não se realiza como permuta. Assim, embora ao vender um programa de computação o seu proprietário receba um pagamento por ele, por outro lado ele ainda continua de posse da informação que vendeu, podendo vendê-la inúmeras vezes, da mesma forma que se podem fazer inumeráveis cópias de qualquer arquivo21 . Cabe distinguir, contudo, que este conjunto de informações que é o produto objetivo, pode também ser sobrecodificado pelo mesmo processo de criação virtual de uma identidade que lhe seria peculiar. O nome que ele recebe já é um signo que não interfere no próprio funcionamento objetivo do produto. A publicidade de softwares, por exemplo, cria uma realidade virtual que muitas vezes faz uma pequena mudança objetiva parecer a última revolução tecnológica que traria consigo um enorme aumento de eficiência e produtividade frente aos concorrentes, sendo que na realidade efetiva os produtos concorrentes possuem, às vezes, até melhor desempenho. 

Assim, paga-se não pelo disquete, pelo livro, ou pelo tempo de transmissão, mas tanto pela informação que se torna disponível ao uso, quanto pela realidade virtual que foi construída fazendo de todo o conjunto de informações um signo de reconhecimento social ou de satisfação psicológica, como o status da posse dos diversos games de computador para adolescentes das classes médias... 

O valor econômico de troca da informação, como tal, independe do meio ou veículo que a suporta. Quanto vale uma informação antecipada aos operadores das Bolsas de Valores sobre as medidas que o Governo tomará no plano econômico? Quanto vale a um especulador imobiliário a informação sobre futuras mudanças do Plano Diretor Urbano da cidade em que atua ou sobre a aprovação de projetos de infra-estrutura que sobrevalorizarão certa áreas urbanas ? Que dizer do valor econômico de uso e troca de informações resultantes da espionagem industrial, envolvendo informações biotecnológicas ou das diversas tecnologias de ponta ? Em todos os casos, a venda da informação não implica necessariamente a sua alienação pelo vendedor, que mesmo vendendo-a pode continuar a possui-la. Mas como avaliar se certas informações correspondem aos estados de coisas aos quais se reportam ? Em que medida as informações sobre determinada empresa que levam à queda de suas ações na Bolsa de Valores não são divulgadas sob um jogo de um conjunto de acionistas que desejam ampliar sua participação acionária, ampliando seu poder de decisão sobre a mesma empresa ? Até que ponto falsas informações não são plantadas pela própria empresa com a finalidade de ter valorizadas as suas ações ? Que valor tem a informação do espião que inadvertidamente possui como informante um agente de contra-espionagem daquela empresa ou país? Qualquer informação que corresponda ou não à realidade efetiva terá valor de troca desde que alguém, por algum motivo -- assentado na realidade efetiva ou virtual -- se disponha a pagar por ela. 

Ora se o sentido dos signos deve ser investigado nos seus usos, claro está que sob a modelização do Capitalismo Mundial Integrado, os usos dos signos ao âmbito econômico tem como finalidade fundamental a produção de um valor de troca22 que possa ser acumulado em equivalentes semióticos -- como moedas, títulos, ações, marcas registradas, etc -- que tenham conversibilidade para quaisquer outras formas de capitais e de poder . 

4. Espaço Urbano e Realidade Virtual 

Nas duas seções do item 4 abordaremos a conversibilidade dos signos em capital pela mediação do Plano Diretor Urbano, leis de uso do solo e pela produção de um imaginário coletivo sobre a cidade. Para o esclarecimento de tais fenômenos tomaremos como exemplo principal a cidade de Curitiba onde esse fenômeno de produção de realidade virtual sobre a cidade é fortemente acentuado. A produção de objetos semióticos e um forte trabalho de city-marketing alteraram, nos últimos anos, o imaginário da população de Curitiba sobre a cidade23 . 

4.1 O Valor de Troca da Realidade Virtual Urbana e a Modelização do Imaginário Social 

O espaço e serviços urbanos possuem valor de uso e valor de troca, sendo também sobrecodificáveis virtualmente. A transformação do valor de uso de uma área urbana se realiza não apenas por mudanças objetivas nas suas condições de infra-estrutura, disposição de equipamentos públicos, atendimento a serviços, etc. Tais aspectos referem-se à realidade objetiva. Contudo as alterações da significação social de áreas urbanas, alteram o seu valor de uso virtual. A posse de imóveis em certas áreas da cidade confere um status mais elevado ao seu proprietário. Sobre tais áreas é aplicado o signo "nobre" que expressaria as condições excelentes para habitação. Contudo, a posse de outra área com condições similares de habitação não confere o mesmo signo ao seu detentor. Como quem adquire o imóvel não compra apenas o valor objetivo de uso, mas o signo virtual de destaque social, isto é, o valor de uso virtual, ele também pagará por este aspecto virtual do produto que adquire. 

Assim, em Curitiba, por exemplo, criou-se um signo nobre para especificar uma região da cidade -- o Champagnat --; afirmar que um imóvel fica no Campo Comprido é aplicar-lhe o signo do bairro dos conjuntos populares, da gente pobre; por outro lado, afirmar que o imóvel fica no Champagnat é associá-lo à área nobre Batel/Seminário. Contudo, o Champagnat não é bairro, nem distrito, nem regional e não existe no Plano Diretor Urbano. Ninguém sabe ao certo onde começa ou termina, quais os seus contornos. Mas estando no Champagnat o imóvel tem um signo de prestígio 24 . Assim, imóveis que estão localizados no Campo Comprido, são capturados sob o signo do Champagnat para fins de publicidade imobiliária. 

A mesma lógica da produção da realidade virtual ocorreu com a divisão do bairro Capanema que possui uma das maiores favelas da cidade. Ali próximo à favela, no mesmo bairro haviam residências de classe média. Uma área intermediária - - antes que fosse completamente tomada em uma ocupação -- foi transformada no Jardim Botânico, construído objetivamente pela prefeitura, mas também virtualmente, como signo da Cidade Ecológica. Os moradores da camada média reivindicaram a mudança do nome de sua região de Capanema para Jardim Botânico. Ao mesmo tempo que o jardim botânico valorizou o preço daquela área, o signo que se construiu em torno do bairro Jardim Botânico como que o desvencilhou de sua realidade de estar próximo de uma das maiores favelas de Curitiba. Sob o imaginário modelizado do prestígio não é a mesma situação morar no Jardim Botânico ou na Vila Capanema. Contudo, as casas de classe média e os barracos continuam situados no mesmo lugar onde estavam, nas mesmas condições anteriores, separados agora por uma área de lazer com uma estufa de acrílico, um casarão de madeira e jardins floridos. Um trabalho de paisagismo feito na avenida que corta as duas áreas tenta esconder a realidade objetiva da barroca abaixo que está fora do signo Jardim Botânico da realidade virtual da Capital Ecológica. 

A variação do valor de troca de um imóvel, portanto, é determinada por inúmeros fatores, entre eles a mudança de seu valor de uso objetivo e virtual: seja, no primeiro caso, pela mudança de atendimento em infra-estrutura, equipamentos e serviços, pela transformação do imóvel em sua topografia ou construção, seja, no segundo caso, pela mudança da significação social conferida àquele espaço que pode se articular a algum mecanismo especulativo. Contudo seu valor de troca sofre pressões também pela variação de mercados de aplicação de capitais aos quais está interconectado. 

Muitas vezes a manutenção de uma realidade virtual que sobrecodifica valiosamente uma cidade exige muitos gastos objetivos, a fim de manter o turismo ou atrair indústrias, por exemplo. Cada cidade constrói um signo sob seu nome, cujos sentidos são produzidos e evocados socialmente. O Rio de Janeiro como maravilhosa cidade foi um signo construído a partir dos que estabeleceram ali a capital da República, que literalmente demoliram áreas da cidade para reconstrui- las sob um projeto urbanístico que imaginariamente antecipava o futuro e o progresso que a República traria ao Brasil.25 As campanhas publicitárias veiculadas em 1994 sobre o Rio de Janeiro -- com pessoas passeando tranquilamente pela cidade, divertindo-se à noite, etc -- visavam relativizar o signo da violência, construindo um imaginário favorável ao turismo. De outra parte, um estudo comparativo de diversos tele-jornais evidenciava que algumas emissoras, especialmente a TV Globo, sobrevalorizavam a veiculação de informações sobre a violência no Rio de Janeiro. Em ambos os casos tem-se a construção de realidades virtuais que estabelecem significações distintas a uma mesma cidade26 . 

Em torno de Curitiba, por exemplo, construiu-se um signo de Cidade Ecológica, de Primeiro Mundo. Os signos das pecas publicitárias que aparecem na TV ao mesmo tempo em que constróem o imaginário da população, dão vazão à aspiração de cada qual poder considerar-se em melhores condições que os demais brasileiros. Contudo, contrastando com a realidade virtual está a realidade objetiva: milhares de famílias que moram em favelas 27; crianças brincando no esgoto a céu aberto ou transitando pelas ruas cheirando cola e praticando pequenos furtos28; os rios da cidade que estão mortos ou sendo anti-ecologicamente retificados29; enquanto o prefeito gasta recursos para pintar de verdes os postes da Rua das Flores ou executa obras de paisagismo para esconder favelas que ladeiam a avenida que leva ao aeroporto. Objetivamente Curitiba não é uma cidade que promova um desenvolvimento urbano seguindo princípios ecologicamente corretos e nem muito menos uma "Cidade de Primeiro Mundo". 

Entretanto, a população da classe média e das elites curitibanas que não estão colocadas na situação das populações marginalizadas pelas políticas públicas transitam da realidade objetiva à realidade virtual agenciada através dos diversos signos produzidos pela administração e que conformam o seu imaginário. Quando um curitibano lernista entra em um tubo do Linha-Direta30, objetivamente está entrando em um tubo de acrílico que lhe dá acesso a um ônibus em que viaja prensado entre outros passageiros como em qualquer outro ônibus que também tem que parar nos semáforos, com a única vantagem de não ter pontos próximos uns dos outros e um motor mais potente. Contudo, o tubo de acrílico é um dos signos que no imaginário daquela pessoa está vinculado à realidade do Primeiro Mundo. Assim a pessoa ao entrar no significante -- o tubo -- é como que envolvida pelo seu significado estabelecido no imaginário : o Primeiro Mundo. Se o nível primário fosse a realidade objetiva tratar- se-ia de adentrar em uma plataforma elevada que dá acesso a um ônibus. Como nesse caso o nível primário é o da realidade virtual, a operatividade efetiva do objeto, que o torna significante sob os jogos semióticos, é sobrecodificada como a realização da realidade virtual de viver-se em uma cidade do Primeiro Mundo. O trajeto tem assim dois níveis de realidade: o objetivo que é o deslocamento de um tubo a outro e o nível virtual de realização da fantasia de viver em uma cidade de primeiro mundo. 

4.2 O Valor de Troca da Realidade Objetiva Urbana sobrecodificada pela Realidade Virtual do Plano Diretor Urbano. 

Entre as representações sígnicas da cidade que alteram o seu valor de troca, a principal é o Plano Diretor Urbano, em meio às demais legislações , como a de uso do solo, por exemplo. O planejamento urbano na maioria das cidades é o processo de manipulação de uma realidade virtual. Manejando- se formalmente mapas, considerando-se dados estatísticos e inúmeros vetores, saem das pranchetas projetos que definem como a realidade urbana deve ser. Zonas residenciais, agrícolas, comerciais, de serviços, de preservação ambiental ou histórica, zonas industriais, etc, são estabelecidas aplicando a cada território um signo. Taxas de ocupação do solo, impermeabilização, coeficientes de aproveitamento, gabaritos construtivos, sistema viário, circulação, localização de equipamentos públicos e tantos outros detalhes técnicos são especificados. A cidade real deve ordenar-se de acordo com os signos e códigos da cidade projetada. Mas como tal processo de planejamento -- que, em geral, não é democratizado31 -- possibilita por mediações virtuais a modificação de usos objetivos de espaços e serviços urbanos, ocorre que da manipulação dos signos, como se fosse um passe de mágica, o capital de alguns se multiplica. Assim, se uma Zona Residencial possuía um coeficiente 1 de aproveitamento (ZR1) que possibilitava ao proprietário construir 100 m² em seu terreno, valendo o metro quadrado US$ 500, valia seu terreno US$ 50.000 . Contudo o prefeito muda um signo no Plano Diretor, transformando a realidade virtual e o que era ZR1 passa a ser ZR5. Multiplicou-se assim o coeficiente de aproveitamento por cinco. Se antes era possível construi 100 m² quadrados, agora é possível construir 500 m², valendo o terreno agora, senão US$ 250.000, pelo menos uns US$ 150.000 para as construtoras que desejam fazer ali um pequeno prédio. Normalmente a transformação da realidade virtual -- da qual o Plano Diretor Urbano é o suporte objetivo -- vem acompanhada de argumentos articulados em um grande discurso técnico que a legitima, escondendo inúmeros interesses particulares. Efetivamente os planos diretores da maioria das cidades nada mais são do que o resultado performativo de uma linguagem particular -- do planejamento urbano -- modelizada sob os códigos do valor de uso e troca do capital como sistema semiótico dominante32 

Contudo, como no mesmo caso da modelização do imaginário dominante, aqui também a realidade objetiva se conforma apenas parcialmente à realidade virtual. As populações pobres moram em áreas de risco, em barracos de latas, plásticos e tábuas, crianças vivem pelas ruas, pessoas passam fome... Contudo, medidas enérgicas são tomadas para expulsar legiões de pobres -- que aparecem, ninguém sabe de onde -- assim que um primeiro grupo se arrisca a ocupar um terreno baldio; jatos d'água são jogados nos mendigos que dormem pelas calçadas de certas áreas da cidade ecológica, para que saiam do centro urbano, a fim de parecer mais real a realidade virtual. Das pranchetas advém os programas para crianças de rua, que se constituem em signos de publicidade para manter a vigência do imaginário ao plano da realidade virtual, mas incapazes de transformar a realidade objetiva, não considerando que as crianças não se comportam tão facilmente quanto os signos nas pranchetas. No signo que constroem das crianças de rua, não cabe a elas a condição de sujeitos. Tudo se passa como se a inauguração veiculada pela mídia de um Centro de Educação Integral ou um Farol do Saber -- conforme as determinações do planejamento urbano -- fosse a concretização da realidade virtual, Escola de Primeiro Mundo e democratização do saber, mas que esconde de fato a realidade objetiva da evasão escolar...33 Apresenta-se o Câmbio Verde -- troca de lixo reciclável por alimentos -- como um marco do programa integrado de planejamento ecológico que articula educação ambiental com política de abastecimento, sendo que objetivamente muitas crianças deixam de estudar para ir catar lixo em valetas, aterros, lixões -- expondo-se a doenças infecciosas -- , para trocá- lo no Câmbio Verde por alimentos, ajudando a família a ter alguma coisa a mais para comer. 

Assim, é o valor de troca objetivado no preço das terras, dos alimentos, do material escolar, de tudo o que é imprescindível à vida, bem como a existência de sua corporalidade necessitante e desejosa de seres humanos -- que não se reduzem a um vetor do planejamento virtual dos espaços e dos serviços urbanos -- , que obrigam a esses mesmos seres humanos reais e empobrecidos a viverem objetivamente fora dos parâmetros do planejamento urbano oficial, embora, sob muitos aspectos, gostariam de cumpri- los, se isto fosse possível. 


5. O Discurso Jurídico e a Realidade Virtual 

A alteração virtual de um plano diretor somente altera objetivamente o valor de uso do espaço urbano porque enquanto objeto sígnico o plano diretor é sobrecodificado pela realidade virtual do Direito. 

Sendo sua aprovação um ato lingüístico performativo, tal ato deve respeitar as condições requeridas pelo jogo semiótico para a sua felicidade34, cumprindo todas as normas jurídicas impostas ao seu procedimento. 

O Direito assegura a imposição de um conjunto de leis e procedimentos a serem respeitados na convivência social. Do mesmo modo que o Plano Diretor cria uma realidade virtual que sobrecodifica a cidade, o Direito cria uma realidade virtual que sobrecodifica as condutas sociais -- inclusive as apropriadas ao estabelecimento de um plano diretor urbano -- e certos tipos de relações entre os homens e os objetos, como sendo a promoção da justiça. Entre muitas outras ações, as de uso e troca de propriedades são também reguladas pelo direito. 

A maioria absoluta dos juizes, ressalvando-se algumas poucas exceções, sustentam seus juízos sobre questões que envolvam uso e troca considerando a realidade virtual jurídica. 

Assim, se um conjunto de famílias sem-terra ocupa uma área urbana anteriormente desocupada, servida por infra- estrutura, cujo proprietário é dono de muitas outras áreas e a tem como capital especulativo, normalmente o direito legal do proprietário trocar o imóvel quando bem lhe aprouver prevalecerá sobre a destinação daquela área ao uso social objetivo daquele conjunto de famílias pobres. Segundo o discurso jurídico, todos são iguais perante a lei e portanto a lei deve garantir o direito de propriedade de todos. Na realidade objetiva milhões de brasileiros não possuem nenhum terreno. Portanto a lei não pode defender o direito de propriedade de quem não tem propriedade. Mas quando tiverem uma propriedade fundiária, a justiça defenderá o seu direito, desde que a propriedade tenha sido adquirida de acordo com a lei. Assim, a lei garante um direito virtual a todos, mas o nega objetivamente a milhões na medida que estabelece um mecanismo virtual de acesso à realização do direito que o inviabiliza objetivamente. Que dizer de milhões de pessoas que objetivamente vivem fora dos padrões virtualmente estabelecidos pelo Plano Diretor Urbano ou desrespeitando o código civil de propriedade ? O código jurídico permite ao prefeito mudar um signo no Plano Diretor e promover a apropriação privada pelo proprietário do imóvel de um valor objetivo de uso e troca produzido socialmente, especialmente pelos investimentos públicos, mas não permite que pobres se apropriem socialmente de um valor de uso ocioso. Ocorre que no primeiro caso a realidade objetiva é submetida à realidade virtual do planejamento urbano e do direito, articulados ao signo da propriedade privada modelizada pelas semióticas do capital, ao passo que no segundo caso a realidade objetiva da ocupação do imóvel torna-se um signo de subversão, modelizada sob a semiótica do uso social. Entre comprar alimentos para os filhos e pagar aluguel, imperativos objetivos obrigam à ocupação do vazio urbano que estava destinado à especulação. A vida objetiva do povo pobre, com sua corporalidade necessitante, exige a desconformidade com os padrões da virtualidade constituída. Mas o juiz concederá reintegração de posse e as forças policiais executarão a ação do despejo espancando homens, mulheres e crianças. Sob os jogos semióticos vigentes que modelizam a subjetividade dos soldados, eles apenas cumprem ordens que visam assegurar o que é de direito, expulsando "invasores", "aproveitadores do bem alheio", que teriam sido mobilizados por algum "agitador". E o direito, modelizado pelas semióticas do capital, é que a propriedade do capital seja assegurada acima mesmo das possibilidades objetivas das pessoas sobreviverem.35 

Do mesmo modo que é possível haver vários planos diretores para uma mesma cidade, é possível haver conjuntos diferenciados de leis para a convivência entre as pessoas de um país. Do mesmo modo que um plano diretor pode impor uma norma impossível de sobrecodificar a realidade objetiva, o direito pode impor normas que são impossíveis de serem cumpridas pelos sujeitos que objetivamente existem em uma dada sociedade com todas as suas contingências históricas. 

Em uma sociedade capitalista, contudo, a realidade virtual do Direito é construída a partir dos jogos semióticos modelizados sob os imperativos do capital em contraste com a pressão social pela realização de seus anseios36 . 

6. Realidade Virtual: Economia e Política 

Nas três seções deste item abordaremos os três últimos temas apontados na introdução. O capital como realidade concreta se realiza ao nível objetivo e também virtual. Produz objetos e signos, modeliza subjetividades para realizar seus ciclos de concentração e de expansão. 

Na primeira seção, partindo da análise dos movimentos especulativos trataremos do conceito de capital fictício e imaginário em Marx e apresentaremos a noção de capital virtual que utilizaremos na crítica a Robert Kurz quanto a sua análise sobre o colapso da modernização. 

Na segunda seção analisaremos fenômenos de realidade virtual na economia brasileira, em especial, nas primeiras fases do Plano Real, travadas com jogos semióticos envolvendo a URV. 

Na terceira seção analisaremos o agenciamento de opções políticas -- no período da campanha eleitoral à presidência da República em 1989 -- através de jogos semióticos envolvendo novelas e noticiários da Rede Globo. 

6.1. Capital Objetivo e Capital Virtual Face aos Movimentos Especulativos Pós-Modernos 

Desde os anos 70 percebe-se no mundo um excedente de capital monetário em busca desesperada de uma aplicação lucrativa. Inicialmente este capital se transformou em créditos aos diversos países perdedores na concorrência comercial, financiando suas dívidas e seu comércio. Nos anos 80, por força desse capital excedente cada vez maior, desenvolveu-se uma onda global de especulação com imóveis e ações que teve por centro primário o Japão repercutindo em seguida nos EUA e Grã-Bretanha, atingindo por fim, em níveis diferenciados, todo o mundo ocidental. Os ganhos que não podiam ser reinvestidos na produção, em razão dos mercados consumidores mundiais cada vez mais restritos, foram aplicados por empresas fornecedoras na compra de imóveis provocando uma explosão dos preços jamais vista na história. Esses preços, contudo, nada tinham a ver com o valor objetivo de terrenos ou prédios, nem com a sua forma de aproveitamento para instalação de fábricas, escritórios, residências para locação ou estacionamentos. Uma vez que a especulação alimenta a especulação a compra de imóveis era um investimento cada vez mais lucrativo em função do contínuo aumento dos preços. Conforme Robert Kurz, "dos imóveis, a especulação alastrou-se aos mercados de ações. A cotação das ações foi forçada a alturas incríveis, em parte com ganhos procedentes do boom desvairado dos imóveis. Dentro de poucos anos, o rendimento real (reduzido praticamente a zero no Japão), na forma de dividendos, perdeu quase toda a importância frente ao preço e, com isso, ao valor aparente e astronômico das ações, que ultrapassava de longe seu valor nominal."37 Processos de especulação semelhantes desenvolveram-se posteriormente nos EUA e Grã- Bretanha, insuflados pelo capital especulativo Japonês. 

Esse movimento de multiplicação do capital especulativo só é possível em razão da manutenção de realidades virtuais, uma vez que não há alterações de valor de uso objetivo dos imóveis, nem alterações nos dividendos efetivos das ações.38 

Marx já havia analisado no século XIX esse movimento, ainda que em fase embrionária, análise essa que apenas recentemente tem sido desenvolvida 39 . Quando o preço do conjunto das ações excede ao valor do capital investido nas operações da empresa, o que excede a esse valor chama-se Capital Fictício. O caráter fictício desse capital revela-se ao final de um processo especulativo longo ou curto. Enquanto este processo se desdobra, conforme Kurz, o capital fictício " ... cria nos participantes do mercado a ilusão de render muito mais lucro do que o capital realmente produtivo. Precisamente por isso, o capital fictício pode atuar sobre a produção real de bens e induzir processos de produção materiais, cuja invalidade se revela apenas posteriormente, no colapso inevitável da especulação." 40 Contudo, os lucros do capital especulativo -- que são fictícios quanto a reprodução social do capital objetivo -- podem ter uma realização de aparência produtiva, quando possibilitam a um especulador, por exemplo, comprar um carro do ano com os ganhos que são para ele efetivamente reais. O mesmo acontece quando consideramos movimentos especulativos internacionais, não sendo mais possível separar nitidamente o que seria a acumulação especulativa e a suposta acumulação real. 

No Livro Terceiro do Capital, Marx distingue os níveis fictício e imaginário do capital de seus níveis efetivo e real, fazendo referência a capital fictício, capital imaginário, capital efetivo e capital real. Façamos aqui uma breve recuperação de sua análise para posteriormente distinguirmos o capital fictício ou imaginário do capital virtual. 

Afirma o autor que com o desenvolvimento do comércio no modo capitalista de produção, aperfeiçoa-se a mediação entre credor e devedor no sistema de crédito. Aqui vende-se a mercadoria sem entretanto trocá-la por dinheiro, mas "... por promessa escrita de pagamento em determinado prazo. Para maior brevidade -- destaca Marx -- classificaremos todas as promessas de pagamento na categoria geral de letras. Até o dia do vencimento e pagamento circulam por sua vez como meio de pagamento, e constituem dinheiro genuíno do comércio." 41. Conforme Marx todas as letras se constituem a partir de uma promessa. Em meio a uma citação de J. W. Gilbart, Marx afirma e sublinha que "... I promisse to pay é a fórmula usual dos bilhetes de banco ingleses..." 42. 

Esse fenômeno de que uma promessa resulte em um papel que circule como meio de pagamento é, para Marx, um processo impressionante que gera um capital fictício, imaginário. Considerando tal questão Marx aborda no campo da economia um fenômeno ao qual Austin chegou pelo estudo da linguagem: que palavras possam criar realidades. Conforme a primeira fase da elaboração de Austin sobre os enunciados estes podem ser divididos em constativos e performativos, sendo estes últimos compromissivos, criando coisas com palavras. 

Se como afirmamos anteriormente, certos signos possuem valor de uso lingüístico mas também econômico -- devendo seu estudo articular a filosofia da linguagem e a economia política a partir de uma teoria dos jogos de poder -- podemos entender este "valor fictício" investigado por Marx como resultado de um jogo semiótico. Neste caso, "I promisse to pay ..." é um proferimento performativo que cria algo, um compromisso de pagamento em data futura, determinada previamente antes do ato da promessa. Conforme Marx, essas letras acabam circulando como dinheiro de crédito e resultando em um valor circulante imaginário 43. 

Tais papéis são fonte de movimentos especulativos circulando como fictício capital financeiro: "Os fundos de reserva dos bancos, em países de produção capitalista desenvolvida, expressam sempre em média a magnitude do dinheiro entesourado, e parte desse tesouro consiste por sua vez em papéis, meros bilhetes representativos de ouro, mas que não possuem valor próprio. A maior parte do capital bancário portanto é puramente fictícia e consiste em créditos (letras), títulos governamentais (que representam capital despendido) e ações (que dão direito a rendimento futuro). Não devemos esquecer que é puramente fictício o valor monetário do capital que esses títulos guardados nos cofres dos banqueiros representam -- mesmo quando ... constituem títulos de propriedade sobre capital real, como as ações --, e que é regulado por leis que diferem das relativas ao valor do capital efetivo representado pelo menos em parte por tais títulos . E quando esses títulos representam, em vez de capital, mero direito a rendimento uniforme, esse direito se expressa em capital-dinheiro- fictício que varia sem cessar " 44 

Capital de empréstimo 45 , fundos públicos46 , títulos -- sobre minas e ferrovias 47, por exemplo -- e outras letras tornam-se riqueza financeira imaginária 48 . Toda " essa riqueza financeira imaginária constitui parte considerável da fortuna monetária dos particulares e também do capital dos banqueiros..." 49 

O conjunto do capital fictício, imaginário interpenetrado em transações com capitais reais e efetivos promove profundas deformações na percepção do capital real nos centros financeiros: "tudo aqui está às avessas, pois nesse mundo de papel, nenhures aparecem o preço real e seus elementos efetivos, vendo-se apenas barras, dinheiro sonante, bilhetes, letras, valores mobiliários."50. 

Nos períodos de crise real do capitalismo a situação se torna mais complexa em razão desse capital fictício. A emissão de "meros papagaios" ou "negócios de mercadorias destinados apenas a fabricar letras", fazem subsistir "a aparência tranqüila de negócio sólido e de retornos fáceis de dinheiro... Por isso, sempre às vésperas do craque, os negócios aparentam quase solidez extrema." 51 Quebrando-se a " confiança na fluidez do processo de reprodução"52, emerge o pânico que leva o homem de negócio a buscar ativos reais mesmo perdendo alguns percentuais de seus papéis, chegando- se ao "salve-se quem puder" descrito por Samuel Gurney, empresário, citado por Marx: "Se está sob a influência do pânico, [ ao empresário ] não lhe importa ganhar ou perder. Procura pôr-se a salvo, e o resto do mundo que se arranje."53 . Esse movimento em cadeia leva à fase culminante do craque. 

Frente a esse mundo de papel Marx conceitua o capital efetivo, real. O capital real é o capital produtivo e o capital-mercadoria 54. Assim, para Marx, "... a acumulação real dos capitalistas industriais em regra se efetua por meio do acréscimo dos elementos do próprio capital reprodutivo." 55. Abstraindo todas as especulações e negócios fictícios, Marx analisa as razões das crises reais do capitalismo: " A razão última de todas as crises reais continua sendo sempre a pobreza e a limitação do consumo das massas em face do impulso da produção capitalista: o de desenvolver as forças produtivas como se tivessem apenas por limite o poder absoluto de consumo da sociedade."56. 

Atualmente, os excedentes das exportações das economias fortes que permanecem financiando as importações das economias deficitárias em suas balanças comerciais, transformam-se mediatamente em créditos que alimentam direta ou indiretamente a estrutura global especulativa. Tais excedentes de exportação assumem o caráter de complexos fictícios. Conforme Kurz, quando o movimento de busca de realização desse capital fictício passar a ocorrer haverá, pela inexistência de uma correspondência objetiva de ativos reais ao seu valor, um movimento de desvalorização de papéis em escala planetária, atingindo o valor das moedas, levando a crise das dívidas internacionais a um golpe fantástico na economia mundial, pois " o colapso definitivo da especulação global causará também a ruína do sistema internacional de crédito".57. 

A análise que Kurz desdobra de Marx considera a crise do sistema mundial produtor de mercadorias abordando dois aspectos fundamentais: o primeiro que atinge o capital real -- o aumento da pobreza e a limitação de consumo das massas pela exclusão do processo produtivo de grande parte da força de trabalho em razão da inovações tecnológicas e de gerenciamento; e o segundo que atinge o capital fictício, também conhecido atualmente por capital volátil -- a crise financeira das dívidas que se tornam impagáveis com capitais especulativos fictícios que se evaporarão no movimento de busca de sua realização efetiva quando da iminência de prejuízos ao possuidor dos papéis. 

O problema da análise que Kurz desdobra de Marx é que ele considera o Capitalismo Mundial Integrado pós-moderno sob a lógica da reprodução do capitalismo moderno. No primeiro aspecto que destacamos, a análise de Marx retomada por Kurz é correta, verificando-se a sua vigência pelos movimentos de constituição dos mega-mercados -- tentativa das empresas disputarem sem entraves o consumo daqueles que tem poder aquisitivo. No segundo aspecto entretanto, Kurz não percebe que o capitalismo mundial vigente, pós-moderno, não apenas produz mercadorias, mas também subjetividades, e que modelizando-as semioticamente criam-se necessidades virtuais que para serem satisfeitas necessitam de signos que possuem valor de uso virtual 58. 

Na globalidade da atual economia o movimento especulativo não pode ser compreendido com a categoria de capital fictício, pois ele é virtualmente real. É preciso subsumir a categoria de capital fictício sob a categoria de Capital Virtual. Assim, desfazemos o erro da análise pois a correspondência do capital total, objetivo e virtual não deve ser feita considerando-se apenas o capital produtivo e o capital mercadoria-objetivo, mas também o virtual59 - todo o conjunto dos signos que possuem valor de troca e que podem ser reproduzidos infinitamente em jogos semióticos. Desta forma o que sustentará a continuidade do movimento especulativo é a capacidade de produzir realidades virtuais que continuem movendo as subjetividades ao consumo dos signos. Este excedente que não tem como ser reinvestido na produção dado a restrição dos mercados, corre na disputa por aquisição ou produção de objetos-sígnicos cujo valor é estabelecido ao plano de realidades virtuais. Assim, por exemplo, em alguns leilões que se realizaram nos últimos anos certos objetos que pertenceram a celebridades, peças que objetivamente valeriam muito pouco, foram arrematados por fabulosas fortunas; rabiscos feitos em guardanapos por pintores renomados, peças íntimas de artistas, canetas de estadistas e uma infinidade de objetos que efetivamente não teriam muito valor -- até mesmo fragmentos do muro de Berlim -- são comercializados -- e algumas peças por consideráveis fortunas -- em razão de serem signos capturados sob uma realidade virtual, produzida a partir de jogos semióticos. A captura de obras de arte, passe de jogadores de futebol e outros elementos sob certos jogos semióticos, possibilitam a criação virtual de objetos sobrevalorizados onde o capital virtual é aplicado e que possibilitam o lucro por satisfazerem necessidades virtuais que foram produzidas nos que podem consumir tais signos: pagar a assinatura da TV a cabo que por sua vez paga ao clubes pela transmissão das partidas, em que atuam tais jogadores que são os "craques"; pagar o pacote turístico que inclui a visita ao museu onde estão expostos os objetos pessoais dos artistas famosos que sempre foram vistos nos filmes; ou ao outro museu onde inclusive podem ser vistos os últimos rabiscos de um artista famoso -- projeto de sua última tela que ficou inacabada, porque o mestre veio a falecer antes de completá-la -- mas que seria uma verdadeira revolução em seu trabalho, porque abandonava a fase azul para trabalhar com variações de verde. 

O valor conferido aos objetos acima mencionados não é fictício, mas virtual, porque não se pagou pelo contato, fruição ou posse do objeto, mas pela fruição, contato ou posse do que evoca 60. Se nada ocorrer que estrague objetivamente esses objetos-sígnicos -- como um furacão que destrua o museu deteriorando as peças da exposição (alterando a tonalidade do verde da tela61 ), ou provocando que as peças íntimas do artista sejam levadas pela enxurrada que lhes causa furos, rasgos e desbotamentos, etc -- sua depreciação somente se dará em função de uma nova sobrecodificação de seus signos ao nível da realidade virtual: novas informações que alterem o valor conferido àquele artista ou estadista, dúvidas quanto a originalidade das peças, etc. 

O mais importante, entretanto, é que a velocidade de circulação das informações e que esses excedentes investidos em produção de realidade virtual são dois elementos que dificultariam a quebra catastrófica do mundo dos papéis. A qualquer sinal de tendência depreciativa que provoque o colapso do sistema há um conjunto de dispositivos adotados pelos grandes agentes nos setores oligopolizados que atuam em todos os mercados do mundo impedindo que a depreciação dos papéis inviabilize a continuidade da reprodução do capital objetivo e virtual. Dado o montante de investimentos que certos grupos fazem em ações de seus concorrentes para participar também dos seus lucros ou associações que fazem para disputar certos mercados, visando menor concorrência e maior concentração de capital62 <etc, todos estão de tal modo entrelaçados que o salve-se quem puder fica restrito aos pequenos e mais isolados grupos que não tendo um montante sólido de capital virtual -- signos forte implantados no mercado -- tem suas ações mais rapidamente vendidas e depreciadas. Se tais grupos quebram, deixam mais mercado a ser disputado pelos grandes. Se seus signos tem ainda penetração são adquiridos pelos grandes grupos que, embora sejam também afetados em um primeiro momento, saem deste ciclo mais fortalecidos por ampliarem e fortalecerem o seu capital virtual. 

A crise das dívidas prevista por Kurz provavelmente terá um outro desfecho pois os mega-conglomerados, se virem seus interesses na iminência de serem afetados por ela, intervirão de modo que seus impactos atinjam aos pequenos grupos mas não inviabilize a reprodução do capital dos grandes grupos63. 

O papel da mídia -- instrumento de produção de subjetividades e mediação da reprodução do capital virtual e objetivo -- é cada vez maior na orientação dos vetores econômicos e mesmo na produção de certas tendências ou resultantes64. Para analisarmos esse fenômeno de determinação da economia com a mediação de instrumentos de realidade virtual tomaremos como objeto de análise a primeira fase do Plano Real em que a URV -- um produto semiótico -- foi utilizada virtualmente como instrumento para intervenção na economia brasileira durante alguns meses de 1994. 

6.2. A Unidade Real de Valor como Realidade Virtual 

A passagem da realidade virtual à realidade objetiva e sua interpenetração é peça-chave para a compreensão de algumas políticas econômicas adotadas recentemente no Brasil, como por exemplo, o Plano Real65 

Em 1993, uma pesquisa a nível de pós-graduação em economia apresentada em uma universidade brasileira tratando da inflação, analisou a desvalorização da moeda nacional frente ao dólar e o incremente em moeda nacional do índice da inflação. Considerando que a cotação do dólar frente a moeda nacional alterava em longos períodos, medianamente, na mesma razão da inflação, avaliava que um produto que incorporasse a média da inflação de um período continuaria custando o mesmo valor em dólares mas nominalmente um valor maior na moeda nacional. Produtos que oscilavam abaixo e acima da média inflacionária, tinham não apenas alterados os seus valores nominais na moeda nacional mas também seus valores frente ao dólar. 

O Plano Real, conforme a afirmação do então ministro da economia Fernando Henrique Cardoso, não dolarizaria a economia. Criou-se como alternativa em um jogo semiótico a Unidade Real de Valor, que usou o expediente de incorpar, a cada mês, a média inflacionária, o que significava objetivamente manter-se na mesma razão com o dólar. 

A URV, que foi afirmada como uma unidade real de valor, era, realmente, um produto semiótico resultante da combinação de três índices inflacionários que eram tomados inicialmente pela média: IGP-M, IPC-Fipe e IPCA-E. Efetivamente, a unidade monetária nacional realmente circulante era o Cruzeiro Real, embora unidades referenciais de valor existissem várias, como o dólar, a Taxa Referencial e outras. O próprio nome Unidade Real de Valor já era, pois, uma inversão entre o que era o real e o que era virtual. 

A URV inicialmente incorporava, portanto, a inflação média de um período. Contudo para a definição da inflação apresentada pelos índices que ela tomava para estabelecer a média eram tomados preços de produtos objetivos em Cruzeiros Reais. Como o resultado final era uma média, haveria necessariamente produtos que teriam uma alteração em Cruzeiros Reais abaixo da média e acima da média. A URV, contudo, era, inicialmente, estabelecida incorporando o valor da média. E eis a primeira grande mágica da manipulação da realidade virtual: avaliados em URV, alguns produtos ficavam mais baratos que no período anterior -- embora efetivamente mais caros em Cruzeiros Reais que no período anterior; não tanto como outros produtos que ficavam mais caros ainda. Isso era recuperado nos jogos semióticos, no grande discurso técnico do ministro, para significar que o Plano Econômico dava sinais de acerto! Mas curiosamente, mesmo que nenhuma medida econômica fosse tomada, sempre haveria, em qualquer situação, um preço de algum produto oscilando abaixo da média. O que era apresentado como resultado positivo do Plano Real, ocorreria em qualquer situação, mesmo que não houvesse plano algum. Assim, um signo virtual era tomado pela população como sinal de sucesso de uma transformação efetiva da realidade objetiva. 

Por outro lado, o ministro que sabia que os preços de produtos objetivos não se formam basicamente pela dependência de uma realidade virtual -- acusava a existência de especulação no mercado de feijão como principal componente da elevação momentânea do preço daquele produto, sendo que na realidade objetiva ocorrera uma quebra na safra daquele grão em Irecê na Bahia, devido à seca66. 

Na realidade objetiva a inflação passava dos 40% ao mês. O Governo, para ter dinheiro a fim de continuar pagando bilhões de dólares aos banqueiros nacionais e internacionais referentes às altas taxas de juros que compõem grande parte da dívida interna, levou o congresso a aprovar o Fundo Social de Emergência, derrubando o dispositivo constitucional que destinava 18% do orçamento para gastos com educação e saúde, promovendo cortes nestas áreas, bem como nas políticas sociais e serviços prioritários do Estado. O Fundo Social de Emergência, como signo ao nível da realidade virtual, representava no imaginário popular a idéia de implementação de políticas sociais. Contudo, como instrumento da política econômica objetiva era fonte necessária para o financiamento da dívida interna cuja projeção de gastos com encargos -- juros mais parcelas do principal do empréstimo -- em 1994 subia de US$ 7 bilhões para US$ 17 bilhões 67, graças aos próprios juros altos que o governo praticava no mercado, a fim de segurar a elevação da inflação68. 

Quando a URV passou a servir de referência efetiva para a maioria dos contratos privados, o governo passou a defini-la não pela média dos índices, mas abaixo da média fazendo surgir uma perda real inflacionária em URV -- que servia para conversão de salários -- face à média de preços que subiam em Cruzeiros Reais acima dela e uma valorização da URV frente ao dólar. O virtual era tomado como objetivo e o que objetivamente segurava a inflação baixa era um equilíbrio orçamentário custeado pelo Fundo Social de Emergência 

Por fim o Plano, tendo por base o valor da URV, converteu os Cruzeiros Reais em Reais, mantendo a nova moeda valorizada frente ao Dólar, sustentando-a com duas âncoras: a monetária e cambial69. No imaginário popular havia satisfação pela posse de uma moeda que valia mais que a moeda norte-americana. Entretanto, para manter a moeda estabilizada o governo precisava gastar muito dinheiro pagando taxas de juros elevadas e intervindo no mercado de câmbio, enfrentando os especuladores com Dólar. 

O sucesso da URV como mediação da estabilização de preços somente ocorreu porque as pessoas a assumiram virtualmente como sendo a unidade objetivamente real de valor. Este convencimento foi operado graças a todo um conjunto de jogos semióticos em que a mídia desempenhou um papel fundamental70. Na terceira fase do Plano a campanha de publicidade da nova moeda, em meio a copa do mundo de futebol -- esporte mais popular no Brasil -- afirmava-se insistentemente a cada vez que a bola cruzava pela linha de fundo, cruzando rente à trave: "Acredite, é Real !". Sem todo o trabalho de mídia em torno deste plano, ele não teria atingido seus objetivos. 

O Plano Real -- como objeto-sígnico -- foi modelizado sob os jogos semióticos da campanha eleitoral. Acreditar no Plano Real era confiar naqueles que o elaboraram. O artifício da estabilidade virtual dos preços em URV agenciava a esperança da sociedade na verdade da promessa. Cada produto que em URV ficava mais barato, de um período a outro, era um signo de que a promessa se cumpriria. Quando ocorre a conversão dos Cruzeiros Reais para o Real, ficando a moeda estável e sobrevalorizada frente ao Dólar, não havia mais dúvida -- para a maioria -- que a promessa se cumpriria e que era correto depositar a confiança e a esperança naqueles que elaboraram o Plano. A alteração nas tendências de intenção de voto ocorria na mesma intensidade em que crescia a credibilidade do Plano e a confiança naquele que iria dar a sua continuidade, preocupado com as questões sociais, pelas quais já havia se empenhado na organização de um Fundo Social de Emergência, que objetivamente possibilitava, entretanto, carrear recursos que anteriormente eram destinados a saúde e outras áreas sociais, para pagamento de elevadas taxas de juros que ampliavam ainda mais o fosso entre pobres e ricos, desqualificando os serviços prestados pelo Estado, enriquecendo fabulosamente os especuladores, mas contribuindo na sustentação -- como âncora monetária -- da estabilidade da moeda. 

A realidade virtual do Plano Real, modelizada sob os jogos semióticos da realidade virtual da campanha eleitoral, produziu os principais signos que agenciaram a escolha feita por grande parte do eleitorado em 1994. 

Para compreendermos melhor este processo de interpenetração da realidade objetiva e virtual que promove agenciamentos de comportamentos políticos de certos segmentos sociais, tomaremos como fenômeno para análise a campanha presidencial de 1989, considerando o jogo de trocas sígnicas entre elementos virtuais das te-novelas e elementos efetivos da realidade objetiva. 

6.3. A Construção do Imaginário Político e as Trocas Sígnicas entre as Tele-Novelas da Rede Globo e seus Tele- Jornais. 

As novelas televisivas brasileiras são de alta qualidade. Os atores, textos, roteiros, fotografia, sonorização e outros aspectos técnicos criam uma capacidade sedutora, envolvente, persuasiva fazendo com que toda a trama da estória passe a fazer parte da vida de quem assiste, que ri com os seus personagens, se identifica com alguns deles, se angustia com seus sofrimentos, deseja as suas utopias, revolta-se contra o que o personagem se revolta e conforma- se com aquilo que o personagem se conforma71 . 

Criando significações e sentidos, modelizando a subjetividade dos telespectadores, as novelas criam uma realidade virtual que possui seus ciclos próprios e que simultaneamente estabelece balisas para a compreensão da realidade efetiva ao nível do senso comum. Ao sobrecodificar a realidade objetiva envolvendo-a virtualmente com os signos e os ciclos apresentados nas novelas, a vida objetiva torna- se mediação para ascender ao imaginário modelizado, comportando-se o telespectador frente à vida a partir dos códigos da realidade virtual. É comum entre a população que assiste novelas a expressão: " a gente sabe que aquilo tudo é uma estória, mas na vida real é bem assim que acontece 72 ". Dito de outra forma, afirma-se que a novela é uma construção fictícia que, analogicamente, expressa dinâmicas de processos históricos reais, pois " é bem assim que acontece na vida real" 73 . 

Algumas breves reflexões sobre novelas da Rede Globo tais como "Que Rei Sou Eu" e "O Salvador da Pátria" mostram como elas construíram uma realidade virtual envolvendo imaginário e sensibilidades favoráveis à ascensão de um determinado candidato à presidência da República. Na primeira novela a estória se passa no Reino de Avilã. Um país cheio de corruptos, marajás, com inflação alta, um governo despreocupado com o povo, etc... Tratava-se nitidamente de uma analogia com a situação política e social do Brasil. O povo está insatisfeito com aquele estado de coisas. Mas quem promoverá a transformação daquela situação ? Não será alguém da plebe, mas um nobre príncipe, alguém da linhagem real; que sendo descendente do rei, combaterá a perversão dos nobres que usam do poder em benefício próprio em detrimento do bem do povo. Este nobre príncipe é jovem, possui um corpo atlético, demonstra vigor físico e manifesta sentimentos elevados pelo povo. Na outra novela, O Salvador da Pátria, temos a história de Sassá Mutema, um trabalhador pobre e analfabeto que faz serviço braçal; um homem de muito bom coração, mas também bastante ingênuo. Com o transcorrer dos capítulos ele se apaixona pela professora, aprende a ler e escrever, mas ainda pronuncia erradamente algumas palavras. Envolvendo-se com movimentos sociais "se mete na política" e acaba conquistando a prefeitura da cidade. E eis que o Salvador da Pátria se perverte. Trai antigos amigos. Mostra-se um incompetente. Este simples homem do povo, trabalhador braçal que conquista o governo possui meia- idade, tem um porte físico um pouco mais encorpado,e não um perfil atlético. 

Ambas as novelas compõem elementos semioticamente não excludentes a um mesmo imaginário conformando um único sistema modelizante, com vigorosa capacidade de modelização da realidade efetiva, porque joga com um conjunto de abstrações simples74 . 

Assim, fragmentos das duas novelas são compostos em um mesmo imaginário, sob jogos semióticos que modelizam a interação com a realidade efetiva e que, quando articulados aos signos dos noticiários, instauram uma realidade virtual: " a gente sabe que aquilo tudo é uma estória, mas na vida real é bem assim que acontece"75. 

Mas o que, na vida real era "bem assim"76 que acontecia em 1989 ? O jovem que possuía um corpo atlético, demonstrava vigor físico e manifestava sentimentos elevados pelo povo, sendo descendente de uma linhagem da "nobreza" era Fernando Collor de Mello. Resgatando a memória de Lindolfo Collor associado ao Governo de Getúlio, o "Pai dos Pobres", e vinculando-se à imagem de Juscelino Kubitschek -- por mediação sígnica das imagens em que aparecia ao lado da esposa do ex-presidente --, apresentando-se como o jovem moralizador de Alagoas que combatia a corrupção77 e a perversidade das elites que usavam do poder em benefício próprio, Collor era facilmente associado no imaginário popular com o príncipe arrojado e virtuoso de Avilã -- seu ícone. Por outro lado, o candidato que havia sido trabalhador braçal, que era de meia-idade, possuía um porte físico encorpado e não um perfil atlético, que havia se envolvido com movimentos sociais e "se metido na política" e que ainda pronunciava algumas palavras errado não era Sassá, mas Lula. Raciocinando sob o imaginário construído a partir das referências estabelecidas pelas duas novelas, Lula após a vitória se perverteria e faria um governo incompetente; Collor após a vitória reconstruiria o Brasil em benefício da plebe78. 

Além do papel das novelas, estabelecidas as sensibilidades, disposições e identificações de base, avançou-se na construção de um imaginário que possibilitava o agenciamento do medo frente ao porvir, pois a vitória de Lula traria o indesejável ao país; as ameaças inefáveis ganhavam contornos e modelizavam subjetividades, levando a acreditar que ele "dividiria apartamentos de COHAB ao meio" , "mudaria a cor da bandeira brasileira", "haveria greves o tempo todo", "dividiria pequenas propriedades rurais", " iria tomar o dinheiro da poupança dos assalariados", etc. A campanha "Sem Medo de Ser Feliz" conseguiu reverter parcialmente o agenciamento do medo, sobrecodificando criativamente vários signos que haviam sido capturados nos jogos semióticos dos adversários com esta função, mas não conseguiu sobrecodificar todo o imaginário modelizado. Assim, por exemplo, o vermelho e a barba estereotipados nos programas eleitorais pela mídia como prova simbólica do futuro comunismo caótico de Lula, foi sobrecodificado pela TV Povo a partir do vermelho e da barba do papai-noel amigo dos pequenos e que, portanto, " não devora criancinhas" e muito menos traz o caos, mas que mantém a esperança da felicidade. Contudo a forte sobrecodificação dos signos principais do imaginário social apropriados e modelizados pela equipe de Collor ( como, por exemplo, seu vigor machista, que foi associado ao combate da corrupção e da inflação), bem como a modelização de tais signos a partir de linguagens que explicitassem a realidade objetiva e agenciassem confiança e adesão social ao projeto democrático e popular, foi apenas parcial. A realidade objetiva, para milhões de brasileiros ao nível do senso comum, era apenas uma mediação para adentrar-se na realidade virtual onde um par de barras verde e amarela destruía os males do Brasil, como uma locomotiva que nada segura, mas que nos levaria à reconstrução nacional, barras essas que se transformavam nos dois "ll" da marca "Collor". 

Esse processo de trocas simbólicas por analogia -- entre os elementos das novelas, dos noticiários e programas de reportagem -- não é um processo singularizante79. Toda a realidade virtual construída pela unidade das duas novelas transformam sujeitos objetivos em signos de sua manifestação. Uma vez que consideráveis elementos da estrutura imaginária da novela correspondiam a elementos similares apresentados nos noticiários televisivos, o jogo de trocas significativas ou sobrecodificação do real pelo imaginário, seguindo suas estruturas, tornava-se simples, sendo induzido e operado com facilidade80. As novelas, portanto, não apenas construíam signos que eram facilmente relacionáveis a elementos da realidade efetiva, como apresentavam também uma gramática para a compreensão do real. 

A manipulação dos signos dos noticiários da TV Globo sob a gramática profunda que regia sua articulação apresentada nas novelas, era uma chave interessante para compreender a construção do imaginário das famílias que assistiam ao noticiário e às novelas da Globo. A campanha desenvolvida pela Frente Brasil Popular -- que apresentava Lula como seu candidato à presidência -- sobrecodificou os principais signos denotadores da Rede Globo com a Rede Povo: sua vinheta com o tradicional Plim-Plim tornou-se dois mapas do Brasil que se encontravam, o Globo Repórter tornou-se o Povo Repórter, o Globo de Ouro tornou-se o Povo de Ouro, etc. Com esse procedimento levou-se a disputa política ao âmbito da realidade virtual. O objetivo era desmontar o imaginário que fora construído tanto com os signos dos noticiários -- trazendo, para isso, outras informações, por exemplo, sobre a história efetiva de Collor e a situação de Alagoas81 -- quanto com o sistema modelizante difundido para a compreensão dos fenômenos político em curso -- apresentando outra gramática para compor os signos do próprio noticiário, visando orientar a passagem da realidade virtual manifesta nos signos dos noticiários à realidade efetiva, desde a qual o noticiário poderia ser compreendido como uma seleção parcial de informações, em maior ou menor medida, tendenciosamente produzida. 

Embora tenhamos destacado telenovelas e telejornais da Rede Globo, os argumentos levantados nessas peças semióticas, em geral, se repetiam com maior ou menor intensidade em programas de outros canais. 

Todo o capital gasto com campanhas, convertido em signos sedutores, persuasivos, coercitivos, etc possibilitou o agenciamento de adesões e comportamentos que resultaram na conferência, "formalmente democrática", de poder político ao grupo que hegemonizou a modelização de subjetividades82. Da mesma forma que a realidade virtual de um plano diretor determina a realidade objetiva da cidade, que a realidade virtual do direito determina a realidade objetiva do comportamento social, a realidade virtual dos imaginários políticos determinou, para uma significativa parcela do eleitorado brasileiro, a escolha de um presidente que acabou sendo eleito como moralmente correto e inimigo implacável da corrupção. Muitos destes eleitores até hoje o defendem argumentando que ele nada teve a ver com toda a corrupção escandalosamente praticada em seu governo por seus homens de confiança, denunciada por seus próprios familiares. 

Se encontramos jogos semióticos performativos no estabelecimento da realidade virtual do Plano diretor, do direito, das letras de crédito, etc, no estabelecimento da realidade virtual, já em fenômenos especulativos, de produção de imaginários políticos, imaginários que envolvem espaços urbanos, logomarcas e outros é mais a força persignificativa dos jogos semióticos o que atua. Embora não me agrade recorrer a esse neologismo que tem ares de família com perlocucionário, ele aponta que, nesses casos, essa construção da realidade virtual -- servindo-se de signos sedutores ou coercitivos, que não são necessariamente locuções -- tende a ser mais acentuadas quanto mais intensamente estiverem nela agenciados os desejos, temores e anseios dos sujeitos modelizados -- desejos, temores e anseios esses canalizados a ações práticas por essas construções virtuais. 

7. Conclusão 

O processo de modelização das subjetividades gerando anseios, angústias, consumo simbólico e adesões políticas determinadas, bem como o processo de acúmulo de capital em movimentos especulativos e, ainda de forma mais geral, a conversibilidade entre signos e capital, parecem mais satisfatoriamente compreensíveis a partir de uma teoria geral sobre a realidade virtual que de outras abordagens em voga, teoria esta que poderia subsumir as teorias restritas que tratam das ideologias e do capital fictício, que emergiram no século XIX e que ainda se prestam a compreender certos fenômenos específicos em determinados contextos históricos. 

A análise do conjunto dos fenômenos estudados neste ensaio deve avançar tratando da gramática profunda em que se articulam jogos de poder desde os quais se produzem o signo- mercadoria, os imaginários e o agenciamento das subjetividades, considerando-se a renovação das formas operacionais de manipulação de realidades virtuais sob o movimento acelerado de concentração e internacionalização do capital que desterritorializa estruturas políticas e modeliza os mais diversos códigos culturais. Trata-se de desvendar as os jogos semióticos como mediações de jogos de poder que, sob as modelizações do capital, mediatizam um movimento contraditório de aumento de produtividade e concentração de riqueza e poder, restritos a um grupo cada vez menor de agentes privados, frente ao aumento da pobreza e exclusão social das maiorias dos exercícios objetivos de decisão democrática, uma vez que os poderosos agentes privados, convertendo parcela de seu capital em signos sob estratégias de jogos semióticos publicitários, operando com realidades virtuais, modelizam imaginários e hegemonizam consensos. Trata-se, pois, de compreender melhor o movimento de modelização das subjetividades desde as semióticas do Capitalismo Mundial Integrado, modelização que é peça-chave para que uma empresa possa enfrentar a concorrente em um mercado cada vez mais restrito -- girando assim seu capital pelo consumo objetivo ou virtual -- e para que mantenha no poder político governantes que executem programas que facilitem seu movimento de acúmulo e expansão, como por exemplo os programas de caráter neoliberal. 

 

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NOTAS 

1 Comunicação apresentada em seminário promovido pelo CAVIF e SIEFIL em 12 de Maio de 1994 no Instituto Vicentino de Filosofia. Alguns acréscimos foram feitos em outubro de 1995. (x Semana de Filosofia da FAI) 

2 Empregamos o termo cibernética no sentido lato, não apenas como a ciência que estuda comunicações e o sistema de controle nos organismos vivos e nas máquinas. No sentido restrito refere-se, especificamente, ao estudo comparativo dos processos humanos e do processos maquínicos com a finalidade de compreender suas semelhanças e diferenças. Por cibernético, entretanto, entederemos aqui tudo o que necessita imediatamente de suporte informático para ocorrer. 

3 Para produzir tal ilusão são utilizados equipamentos especiais como certos capacetes estéreo-óticos de visão tridimensional em 360º, enquanto o corpo do operador pode ficar preso a estruturas mecânicas especiais que giram em todos os sentidos, movendo-se todo o conjunto harmonicamente em função dos comandos que o operador executa interagindo no ambiente virtual. 

4 Francis Hamit, Realidade Virtual e a Exploração do Espaço Cibernético, Rio de Janeiro, Berkeley Brasil Editora, 1993, p. 362. 

5 Idem, p. 365. Aparecem como sinônimos de realidade virtual as expressões realidade artificial e virtua- lidade, entre outros. No artigo intitulado Realida- de Virtual - Viagem Fantástica ao Ciber- Espaço, publica- do na Revista Nova Ciência 4(19):25-28 set-dez 93, a realidade virtual é conceituada como " a experiência humana de perceber e interagir através de efeitos sensoriais e visuais elaborados num ambiente de computador. Quem viaja para um mundo virtual -- continua o artigo -- submerge em visões e sons simulados, e até mesmo em efeitos de ordem tátil. A experiência é tão bem apresentada que exclui o sentido de realidade, ou seja, o mundo real. O computador pessoalmente orienta as imagens de acordo com os movimentos que seleciona através de artefatos sensoriais, como dispositivos de cabeça, luvas ou exoesqueletos que a pessoa esteja usando." (p. 25). Entre outras diversas aplicações, a realidade virtual tem sido utilizada no entretenimento com jogos, na atividade comercial com treinamento de pilotos de aeronaves, na visualização de ambientes arquitetônicos -- até mesmo na escolha de móveis de cozinha, podendo-se andar pela casa antes dela estar montada--, como também em aplicações bélicas com o treinamento de comandantes de tanques que treinam em batalhas simuladas, ou ainda, no campo da medicina com o médico podendo ver a posição tridimensional do bebê no corpo da mãe, visualizar tumores ou, unindo-se à telemática, possibilita a realização de operações médicas -- inclusive intervenções cirúrgicas -- à distância ou extremamente delicadas , etc... Sua aplicação no campo de pesquisas científicas é cada vez maior. Os desdobramentos desses recursos informatizados trazem novas questões para o campo da semiótica: " As imagens [computadorizadas] não duplicam mais esse mundo [visível, real], mas simulam-no, o que introduz questões semióticas inteiramente novas...". Lucia Santaella, A Teoria Geral dos signos, São Paulo. Ed. °tica, 1995, p. 164 

6 David Zeltzer, apud Francis Hamit, op. cit., p. 106 

7 Edgar Morin, Cultura de Massas no Século XX: O Espírito do Tempo - I: Neurose, 7ª edição, Rio de Janeiro, Forense- Universitária, 1987, p. 77 

8 Idem, p.77 

9 Idem, p. 80 

10 A interação do homem com processos cibernéticos pode ocorrer em vários tipos de ambientes que definem os padrões para os aplicativos que nele são executados. Entre outros, podemos citar os ambientes UNIX e ambiente Windows. Os ambientes virtuais, por sua vez, criam a ilusão de realidade graças ao vídeo estereoscópico montado sobre a cabeça do usuário, o uso de luva de dados, etc, mas não geram fenômenos de realidade virtual como a concebemos. Entretanto, produtos semióticos gerados em ambientes cibernéticos como peças publicitárias -- que produzem cenas e processos impossíveis de ocorrer efetivamente -- podem ser capturados em jogos semióticos geradores de realidade virtual. A noção de realidade virtual com a qual trabalharemos neste texto, portanto, não se refere necessariamente a fenômenos que se desenvolvam em ambientes virtuais cibernéticos. 

11 Conforme Peirce " o mundo real não pode ser distinguido de um mundo fictício por nenhuma descrição. Nada, a não ser um signo dinâmico ou indicial pode realizar tal propósito". Em outra passagem afirma " É só pelo uso de índices que podemos tornar patente se estamos lidando com o mundo real ou o mundo dos conceitos, ou o mundo das construções matemáticas". apud, Lucia Santaella, Teoria Geral do Signo, São Paulo, Ed. °tica, p.159. Contudo, também os índices podem ser modelizados sob jogos semióticos dominantes, simulando conexões reais de modo tão complexo que tais conexões fazem perceber o imaginário como concreto. Em outra passagem afirma Peirce "Nenhuma língua, tanto quanto eu saiba tem qualquer forma particular de discurso capaz de mostrar que é do mundo real que se está falando. Mas isso não é necessário, visto que os tons e olhares são suficientes para mostrar quando o falante está sendo sério. Esses tons e olhares agem dinamicamente sobre o ouvinte, e fazem-no atentar para as realidades. São, portanto, índices do mundo real". apud, L. Santaella, op. cit., p. 164. Ora, isto parece muito frágil. As experiências com "teatro invisível" -- em que um conjunto de atores executam uma peça em meio à uma situação do cotidiano, sem que ninguém saiba que se trata de uma encenação, envolvendo as pessoas que interagem como se tudo fosse real -- mostra que os índices de realidade são sobrecodificados por um jogo semiótico que se desenvolve sob orientações previstas de levar os participantes da situação a tomar uma certa posição frente ao problema. Por outro lado, a simulação do real em campanhas de marketing-político também criam índices que não permitem distinguir o real do imaginário. Sobre o "teatro invisível" veja-se Augusto Boal, Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1983 

12 A definição de signo é uma das questões mais controversas que acompanha a lingüística, a filosofia da linguagem e a semiótica. A noção mais simples de signo é que seja " qualquer objeto ou acontecimento, usado como citação de outro objeto ou acontecimento" [ Niola Abagnano, Dicionário de Filosofia, Ed. Mestre Jou, 1982, p. 861]. Esta definição expõe a propriedade básica do signo, mas necessitamos de uma noção mais complexa, como uma das elaboradas por Charles Sanders Peirce: " Um signo intenta representar, em parte (pelo menos), um objeto que é, portanto, num certo sentido, a causa ou determinante do signo, mesmo que o signo represente o objeto falsamente. Mas dizer que ele representa seu objeto implica que ele afete uma mente, algo que é mediatamente devido ao objeto. Essa determinação da qual a causa imediata ou determinante é o signo e da qual a causa mediada é o objeto pode ser chamada interpretante". Conforme Lucia Santaella desta definição podemos depreender o seguinte: " 1) que o signo é determinado pelo objeto, isto é, o objeto causa o signo, mas 2) o signo representa o objeto, por isso mesmo é signo; 3) o signo só pode representar o objeto parcialmente e 4) pode ate' mesmo representá-lo falsamente; 5) representar o objeto significa que o signo está apto a afetar uma mente, isto é, produzir nela algum tipo de efeito; 6) esse efeito produzido é chamado de interpretante do signo; 7) o interpretante é imediatamente determinado pelo signo e mediatamente determinando pelo objeto, isto é, 8) o objeto também causa o interpretante, mas através da mediação do signo"[A Percepção- Uma Teoria Semiótica, São Paulo, Experimento, 1993, p. 39]. A partir daí conclui Santaella que " o signo é algo (qualquer coisa) que é determinado por alguma outra coisa que ele representa, essa representação produzindo um efeito, que pode ser de qualquer tipo (sentimento, ação ou representação) numa mente atual ou potencial, sendo esse efeito chamado de interpretante. Para funcionar como signo, basta uma coisa estar no lugar de outra, isto é, representando outra. Basta qualquer coisa de que tipo for, encontrar uma mente que algum efeito será produzido nessa mente. Esse efeito terá sempre a natureza de um signo ou quase signo. Ele é chamado de interpretante." [Idem, p. 39- 40]. Justamente pelo fato de que qualquer signo possa se tornar objeto de um outro signo e de que objetos possam se tornar signos de outros objetos, representando-os falsamente ou não, é que a realidade virtual se torna possível. A dificuldade de se entender esta sentença pode residir na noção que se tenha de objeto, pois não se trata de uma coisa, nem estritamente de um referente. Conforme Santaella explicitando Peirce, " objeto é qualquer coisa que um signo pode denotar, a que ele pode ser aplicado, desde uma idéia abstrata da ciência, uma situação vivida ou idealizada, um tipo de comportamento, um filme, até um sonho, uma nesga de luz etc."[Idem, p. 41]. Que o objeto seja diferente do signo, isto só vale de modo absoluto para o signo triádico, genuíno, ou símbolo como Peirce o denomina: neste caso o signo representa um objeto -- que é, ele próprio, um signo -- produzindo um interpretante ou efeito na mente interpretadora. O efeito interpretativo neste caso é tão geral quanto o objeto, como ocorre quando significamos "estrela" como "astro celeste". Já um fato existente -- singular, determinado, em um lugar e em um momento -- significando uma outra coisa também existente e determinada é chamado de índice. Há aqui uma relação dual, uma conexão física, cabendo ao intérprete apenas conotar a existência da conexão, como a existente entre a fumaça e o fogo. Quando frente a várias qualidades, abstraindo-se o objeto em que tomam corpo, um intérprete estabelece a relação entre duas delas, então a qualidade funciona como signo, representando outra qualidade por possuirem atributos comuns ou semelhantes: trata-se do ícone, como um mapa em relação a uma cidade ou uma fotografia em relação a uma pessoa. Aparecendo à mente, qualquer coisa lhe produz um efeito, pois a mente reage e produz algo ao apreender o que aparece. Peirce considera esse efeito ou signo como um primeiro e como segundo aquilo que o provoca. Se a primazia real é do objeto, por outra parte a primazia lógica é do signo. O efeito que a mente produz como signo do que o provoca pode ser da ordem de um sentimento, de uma reação puramente física ou lógica. De qualquer modo, é o objeto que determina essa representação, que não corresponde ao todo do objeto, mas a algum aspecto seu, sendo portanto o signo, incompleto, na relação que mantém com o objeto que representa.

13 Embora não procuremos neste texto ser fiéis a alguma determinada corrente semiológica, mas apenas operar logicamente com um conjunto de categorias consistentes e não contraditórias, é inegável um diálogo maior com Peirce em algumas passagens. Contudo, se a introdução de um novo conceito ou categoria em um sistema significativo altera o significado de cada um dos elementos em particular com os quais está relacionado -- como analisaram Feyerabend e Kuhn -- nenhum dos conceitos que empregamos será estritamente o formulado por algum determinado autor. Entretanto, recuperaremos marginalmente alguns elementos que ampliam a polifonia do conjunto do texto. Para Peirce, " ... os signos, mesmo os mais genuinamente triádicos, não produzem como interpretantes apenas pensamentos, mas também sentimentos, emoções, percepções, ações, condutas e comportamentos, de modo que, mesmo no signo de natureza pensamental e intelectiva, todos esses elementos estão nele embutidos constituindo, assim, também sua substância." Lucia Santaella, comentando Buczinska-Garewicz em A Teoria Geral dos signos, São Paulo, Ed. °tica, 1995, p. 116. 

14Assim, frente a um mesmo signo, os aspectos cognitivos e afetivos variam. Ocorre que um signo possui mais que um sentido determinável por suas regras de uso, envolvendo os mais variados interpretantes. Assim, uma cruz suástica durante a segunda guerra mundial possui um sentido afetivo para um nazista e outro sentido afetivo para um judeu. 

15 O dadaísmo, corrente estética da qual Duchamp é um dos representantes, caracterizou-se por uma revolta frente aos padrões tradicionais. Embora não possua um único estilo, há um comportamento comum evidente nesta perspectiva estética: a provocação e a ironia com a finalidade de romper o conformismo. O ready-made produzido por Duchamp em 1912, compõe uma roda de bicicleta, assentada em uma banqueta de cozinha. Assim, composições com objetos cotidianos ganham a qualidade de obras de arte, o que por outro lado nos levanta a possibilidade de observarmos com criatividade estética os objetos de nosso cotidiano. 

16 Mesmo no caso da realidade virtual cibernética, esta só pode ocorrer quando os efeitos objetivamente produzidos que afetam a realidade efetiva subjetiva possibilitam mergulhar nas construções imaginárias fantásticas. Enquanto o sujeito permanecer consciente de que se trata de um ambiente virtual, a realidade efetiva será um nível primário. 

17 Em uma análise publicada na Folha de São Paulo (29 nov 93, p. 2-5) sob o título " Aos 4, memoriza marca; aos 14, só consome grifes - Estudo expõe poder de sedução da publicidade sobre crianças e teens", Nelson Blecher comenta um estudo da agência Young & Rubicam Comunicações sobre a publicidade voltado ao mercado infanto-juvenil. Conforme Fátima Belo, diretora de pesquisa da agência, " submetida à exposição freqüente de logomarcas, a criança vale-se de indícios, como cores e grafismos, e aprende não somente a identificar como também reproduzir a escrita das marcas bem antes de estar alfabetizada". Sua subjetividade modelizada pelas linguagens publicitárias é agenciada ao consumo não tanto pelas qualidades objetivas do produto, mas pela mediação virtual que cumpre em seu imaginário. 

18 Anderson Retondar, em "A Publicidade Global" ( Cultura Vozes, Nº1, janeiro-fevereiro 1994) explicitando a noção de consumo desenvolvida por Baudrillard afirma que " o ponto fundamental da análise desenvolvida pelo autor encontra-se alocado na proposição de que os signos que substituem os 'objetos' no interior da esfera do consumo é que, efetivamente, se caracterizam enquanto o próprio 'real'. Neste sentido, o consumo não se refere, nas sociedades contemporâneas, ao consumo do objeto em si, mas sim, ao consumo de sua 'representação'. Mais especificamente, o consumido é, na realidade, a 'simulação do objeto'". Assim, " o que a publicidade busca vender não é o produto em si, mas uma marca. O consumo não está direcionado para o produto pelas suas qualidades, virtudes, facilidades, etc., mas pela valoração que lhe é atribuída e que acompanha a difusão da marca." Op. Cit. p. 20 e 21 

19 Assim, por exemplo, usar um calçado é uma necessidade objetiva do atual modo de vida de nossas sociedades. Contudo os fabricantes de tênis, por exemplo, produzirão peças publicitárias para mover as subjetividades a comprarem seu produto. Não basta, entretanto, agenciar nos jovens o desejo de adquirir um tênis, pois se assim fosse a compra de qualquer tênis realizaria tal desejo. É preciso criar um signo que distinga o tênis de determinada empresa dos produtos similares dos demais concorrentes. A interação que o jovem terá com aquele signo é simultaneamente estética e cognitiva, isto é, há uma interação perceptiva e afetiva com o signo resultando em alguma noção ou conceito que se articula com os demais signos de seu imaginário. A propaganda cuidará então da riqueza perceptiva de tal signo sob uma peça publicitária, para que ele não se confunda com nenhum outro signo de nenhum outro produto, ou pelo contrário, para que tal confusão realmente ocorra para levar o consumidor, por exemplo, a comprar amido de milho da Arisco ou invés de Maisena. Contudo a atenção especial é dada à dimensão afetiva em relação ao signo. Todo signo aponta para alguma coisa que não é ele próprio, mas o que ele significa. Ora a marca do tênis -- como todos os signos -- possui uma função polissêmica, isto é, pode significar mais de um significado. Assim, o signo do tênis apontará não apenas para um calçado mas para um conjunto de qualidades e fascinações que ele enquanto signo sobrecodificará. Na peça publicitária aparecerão jovens alegres, bonitos, sensuais, que causam impressão nos colegas e que são socialmente reconhecidos, merecedores de um destaque especial, por possuirem aquele produto. Na propaganda, quando caminham ou correm eles não passam desapercebidos em meio à massa, como se fossem qualquer um, mas entram evidência. São diferentes. Para o espectador aquele tênis é mais que um calçado é um signo que possui uma identidade própria e que em seu imaginário aparece como uma mediação para alcançar destaque, reconhecimento dos amigos, envolvimentos sensuais. Muitas vezes isto aparece manifestamente na própria peça publicitária: "Se alguém lhe oferecer flores, isto é Impulse! "; "Use Avanço que elas avançam !"; "Com Doriana, os elogios são para você!" ... O componente afetivo é cada vez mais determinante na escolha do produto, especialmente quando os similares tem as mesmas qualidades objetivas e preços semelhantes. É por isso que, por exemplo, as mesmas empresas de sabonetes e dentifrícios, colocam no mercado várias marca de sabonetes e cremes dentais para os diversos segmentos do público consumidor que variam em poder aquisitivo e em imaginários. A modelização da subjetividade -- para que encontre naquele signo uma satisfação virtual de seus desejos -- é elemento imprescindível para o acúmulo de capital pelas empresas que concorrem no mercado. Quando o signo já passou a fazer parte do imaginário como mediação para a realização de afetos, a publicidade em muitos casos deixa de lado o próprio produto para fazer propaganda apenas do próprio signo: como algumas peças publicitárias do "M 2.000", dos cigarros "Hollywood", etc. Assim, o signo tem uma função de uso: não é qualquer tênis que pode garantir o reconhecimento social e a satisfação psicológica de possui-lo. Mesmo que outro produto tenha todas as qualidades objetivas similares, ele é suporte de um outro signo, possui uma outra marca, não cumpre a mesma função no imaginário. Quem compra o tênis em função do signo, a rigor não compra o tênis, mas o signo. Ao consumir o signo visando satisfazer seus anseios subjetivos, agenciados e modelizados sob jogos semióticos -- considerando no objeto, fundamentalmente, as propriedades virtuais a ele associadas -- o indivíduo realiza o consumo virtual. Em sua roda de amigos, em cujo imaginário a posse daquele signo deve conferir um caráter de destaque social ao seu possuidor, aquele jovem viverá a fantasia de ser mais especial que os outros e receberá objetivamente o reconhecimento pelos demais. 

20 Conforme Eurípedes Alcântara, a marca tornou-se muito mais valiosa que o faturamento anual em muitas empresas. Pesquisa realizada pela Financial World, uma revista norte- americana, concluiu que " ... as marcas Marlboro e Coca-Cola valem mais que as duas empresas faturam durante o ano passado [ 1992 ] com a venda desses produtos". Em tal avaliação está considerada a penetração mundial dos logotipos. " O Marlboro lidera. Sua marca valeria cerca de 31 bilhões de dólares -- duas vezes o faturamento da Philip Morris obtido com seu produto no ano passado. A Coca-Cola vem em segundo lugar. O nome do refrigerante mais conhecido no mundo vale 24,4 bilhões de dólares. Em terceiro ficou a cerveja Budweiser (10,2 bilhões de dólares)." Eurípedes Alcântara, "Emoção pra Valer". Revista Veja, 1º de Setembro de 1993, p. 67 

21 Não apenas programas de computação, mas também, filmes, fotografias e outros produtos sígnicos podem ser multiplicados ao infinito. Com categorias peirceanas analisa Lucia Santaella que "no caso da fotografia, é preciso notar que o negativo se constitui num sin-signo de tipo muito especial, visto que ele tem poder de gerar, pela revelação, infinitas cópias ou sin-signos que exibem um só e mesmo quali-signo". Lucia Santaella, Teoria Geral do Signo, São Paulo, Ed. Ática, 1995, p. 136]. 

22 Guattari, analisando a produção econômica e a produção da subjetividade no sistema capitalista, percebe a ocorrência de uma semiotização das relações de poder em ambos os níveis, que são interativos. Os sistemas de signos que regem diversos domínios da vida ficam modelizados sob os códigos do Capitalismo Mundial Integrado. O capital, afirma Guattari, " é muito mais que uma simples categoria econômica relativa à circulação de bens e à acumulação dos meios econômicos. É antes uma categoria semiótica que se refere ao conjunto dos níveis da produção e ao conjunto dos níveis de estratificação dos poderes". "O exercício do poder por meio das semióticas do capital tem como particularidade proceder concorrentemente, a partir de um controle de cúpula dos segmentos sociais, e pela sujeição de todos os instantes de cada indivíduo.(...) A sobrecodificação, pelo capital, das atividades, dos pensamentos, dos sentimentos humanos, acarreta a equivalência e a ressonância de todos os modos particularizados de subjetivação.(...) O conjunto de valores de desejo é reorganizado numa economia fundada na dependência sistemática dos valores de uso em relação aos valores de troca, ao ponto de fazer com que esta categoria de valores de uso perca seu sentido. Passear 'livremente' numa rua, ou no campo, respirar ar puro, cantar meio alto, tornam-se atividades quantificáveis de um ponto de vista capitalístico. (...) A ordem capitalista pretende impor aos indivíduos que vivam unicamente num sistema de troca, uma truduzibilidade geral de todos os valores para além dos quais tudo é feito, de modo que o menor de seus desejos seja sentido como associal, perigoso, culpado." Sob os códigos do capital territorializa-se a ética, a política, a economia, etc; modeliza-se a relação dos sujeitos entre si e com os objetos, produzindo-se-lhes significações, sentidos e códigos de interação. Cf. Félix Guattari, Revolução Molecular São Paulo, Brasiliense, 1987 p. 213, 201 - 202. 

23 Com um grande esforço político e dispendendo significativo volume de capital, o governo municipal conseguiu que a cidade sediasse o dia mundial do Habitat em 1995, graças a esse reconhecimento virtual que será analisado nesta seção. 

24 Em 1985 pode-se perceber nitidamente a segregação espacial entre pobres e ricos na cidade. Feita a média de rendimentos por domicílio têm-se o Batel como o bairro mais rico da cidade com uma média domiciliar de 11,9 salários mínimos (SM), seguido do Cabral e Jardim Social com 9,9 SM, Bom Retiro com 8,8 SM, o Seminário com 8,6 SM, o Alto da Glória com 8,4 SM, o Centro com 8,3 SM e o Tarum_ com 8,2 salários mínimos por domicílio. Entre os bairros com menor renda domiciliar, variando entre 2,4 SM a 2,6 SM, elencavam-se o Butiatuvinha, _rleans, Mossunguê, Pinheirinho, Sítio Cercado, Abranches, São Braz, Bairro Alto. O Champagnat associa semioticamente a localização de determinados terrenos a identidade da região nobre em que se concentram os que possuem uma condição abastada. Fonte: IPPUC, Curitiba em Dados, 80/90, 1991 

25 " A cidade do Rio de Janeiro deixara de ser a Corte para se transformar no Distrito Federal, mas permanecia sendo a mesma cidade, ainda colonial em seu traçado e fragmentada em seu tecido social... Pouco a pouco vai tomando corpo a idéia de transformar a cidade do Rio de Janeiro num cenário que mostrasse aos olhos do país inteiro e aos olhos do mundo que a República trouxera, efetivamente, tempos novos. Transformar a cidade inteira numa espécie de cartão-postal da era moderna que a República pretendia trazer ao país..." Em nome da "reedificação" e "higiene", entre outras coisas, foram demolidos cortiços e expulsos seus habitantes do centro da cidade, passando estes, progressivamente, a ampliar a ocupação nos morros. Cf. Margarida Neves & Alda Heizer, A Ordem é o Progresso - O Brasil de 1870 a 1910, São Paulo, Editora Atual, 1991, p. 56 

26 Esse fenômeno de produção de realidades virtuais mediatamente atingiam ao governador do estado e ao prefeito da cidade do Rio de Janeiro. Processo idêntico ocorre em 1995 com a TV Manchete no trato do projeto Cingapura de urbanização de favelas na cidade de São Paulo que, em grande medida, é um valioso jogo de marketing que beneficia o prefeito do município com a criação de uma realidade virtual em que a ineficiência geral do programa de habitação popular da cidade não aparece. 

27 Segundo os dados oficiais, em 1971 Curitiba possuía 21 favelas com 2.213 domicílios em áreas de subabitação. Em 1990 o número cresceu para 209 favelas, com 24.578 domicílios em subabitação. O índice de crescimento das favelas de 1971 a 1990 chega a 1.110,62 %. As favelas, naquele ano, abrigam 7,3% da população da cidade. Este número cresceu sensivelmente nos últimos anos. Fonte: IPPUC, Curitiba em Dados, 80/90, 1991 

28 O Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua estima que há aproximadamente 1.500 crianças - na faixa de 5 a 14 anos - pelas ruas do centro de Curitiba. Uma parcela dessas crianças, que trabalham no centro da cidade, ainda mora em favelas ou nas periferias mas já dorme algumas noites pela rua. Outra parcela menor mora pelas ruas da cidade. 

29 Vários rios de Curitiba vem sofrendo modificações em seu curso natural com canalizações, retirada de mata ciliar e retificações, extinguindo-se suas curvas, meandros e áreas de expansão lateral. A retificação do rio Bacacheri, por exemplo,, no interior do Parque Bacacheri reduziu em 20% sua área de expansão e aumentou a velocidade do fluxo das águas, o que começou a provocar enchentes nas ruas Guilherme Ilhenfeldt e Nicarágua. Tentando resolver o problema, dragaram e alargaram o rio em algumas regiões, o que provocou enchente no conjunto Solar, que nunca havia sofrido com esses problemas. Conforme Editorial do Jornal do Bacacheri [Agosto/95, p.2] , após a enchente de Janeiro de 95, " ... a Prefeitura Municipal de Curitiba a principal (ir)responsável [ por estas enchentes ] se colocou a cavar o rio e suas margens sem nenhum critério ou estudo técnico, previsto na legislação Resolução 001/86 CONAMA-Conselho Nacional do Meio Ambiente. Isto provocou uma denúncia junto a Promotoria de Proteção ao Meio Ambiente... dragagens e verdadeiras devastações de matas ciliares em todos os cursos de rios de Curitiba... com certeza irão se refletir na cabeceira do Rio Iguaçu" e milhares de pessoas terão suas casas alagadas novamente. O professor da USP, Samuel Murgel Branco comentando esse processo analisa a relação entre o planejamento urbano e a realidade objetiva dos rios: "O rio não tem um traçado fixo e muito menos de acordo com as linhas do traçado que ele [ o planejador ] quer dar à cidade; então, ele canaliza, ele esconde o rio, que se torna o destino final de esgotos e dejetos. Ao contrário, na Europa, o traçado das cidades foi mais ou menos acompanhando o rio, o que o tornou uma via de embelezamento das cidades. Há o Sena, em Paris; o Tâmisa, em Londres e, também,nas pequenas cidades da Europa pode se ver o tratamento que é dado aos rios. Mantém-se a vegetação natural, geralmente um verdadeiro bosque margeando o rio.(...) As curvas dos rios atrapalham as cidades. O correto seria fazer as ruas acompanhando os rios, mas isso cria um problema intransponível na cabeça de alguns planejadores. Então, o que eles fazem? Retificam (deixam retos) os rios, eliminando as curvas.Ora! eliminando as curvas, diminuem as distâncias e o rio fica mais curto... Se cortarmos essas curvas e meandros, fazendo como que ele acompanhe aquela reta traçada ... o que acontece? Aumenta a velocidade. Se faço isso rio acima e não faço embaixo, quando essa água chegar com essa velocidade toda, o rio lá embaixo, ainda com curvas e meandros, não dá conta, enche e provoca inundações".[Idem, p.11-12]. O planejamento urbano da Capital Ecológica que produz parques bonitos com rios retificados não segue, portanto, princípios ecológicos de urbanização e acaba carreando dinheiro do município para empresas contratadas para "resolver" os problemas que a própria "solução" provoca. 

30 Sistema de transporte coletivo cujos ônibus fazem um conjunto menor de paradas no percurso e o embarque é feito a partir de uma estação elevada de formato cilíndrico construída em acrílico aplicado sobre uma estrutura metálica. 

31 Em algumas prefeituras de caráter democrático-popular desenvolve-se um processo de democratização na planejamento da cidade e na definição do orçamento, o que vem possibilitando redefinir os usos objetivos dos espaços, equipamentos e serviços de modo a promover a qualidade de vida da população em detrimento do acúmulo de capital de grupos privados que atuam em lobby no planejamento urbano não democratizado. 

32 Curitiba é o exemplo típico da utilização do transporte e de alterações do zoneamento urbano para beneficiamento da especulação imobiliária. Em 1965, o Plano Preliminar de Urbanismo elaborado por técnicos da prefeitura tinha como uma das propostas " ... mudar a conformação radial de expansão para uma conformação linear, integrando transportes e uso do solo... Os eixos lineares propostos no Plano Diretor procuravam redirigir o crescimento da cidade... Esses eixos, chamados estruturais, permitiam novas alternativas para habitação em alta densidade, o comércio de médio porte, a prestação de serviços e um Sistema de Transporte de Massa possível de ser ajustável à demanda. Esse transporte serviria como indutor do desenvolvimento urbano ao longo desses eixos". Cf. IPPUC, Histórico de Dados do Município de Curitiba, Curitiba, 1991 p. 7. Este é o grande discurso técnico. Contudo, um estudo sobre as mudanças de zoneamento operadas em 1966, 1969, 1972 e 1975, bem como sobre a distribuição de infra-estrutura, equipamentos coletivos e a conformação da rede de transportes no município, poderia evidenciar os grupos econômicos que se capitalizaram às custas do investimento público. Embora o plano diretor objetivasse redirigir o crescimento da cidade, é perceptível o crescimento desordenado de Curitiba, especialmente se avaliarmos que algumas regiões da cidade servidas por transporte e infra- estrutura que deveriam aparecer comportando uma maior população não tiveram uma ocupação satisfatória em função da especulação imobiliária ao passo que outras áreas, inicialmente não projetadas para um maior adensamento populacional, cresceram com taxas elevadas. Considere-se também que o adensamento verificado ao longo de algumas estruturais resultou da alteração do zoneamento urbano ampliando o potencial construtivo daquelas áreas, o que significou a capitalização de setores imobiliários. Dessa forma, a infra-estrutura disposta na região norte encareceu o valor dos imóveis naquela área, indo a população de baixa renda morar na região sul da cidade, em meio aos banhados do Boqueirão e nas carências de infra- estrutura no Pinheirinho. O plano diretor de Curitiba, elaborado nos anos 60, tornou-se uma grande colcha de retalhos, sofrendo inúmeras emendas e nunca foi revisado como um todo, abrindo margens a muitos casuísmos para a valorização de áreas de especulação imobiliária. 

33 O quadro da evasão escolar em Curitiba é o seguinte. Em 1987 6,4% da população com mais de 10 anos de idade era analfabeta. Em 1990 foram matriculados 144.546 de primeira a quarta séries, e 35.288 de quinta a oitava séries. Em 1989 19,32% dos alunos foram reprovados no Primeiro Grau, sendo 7,76% a taxa de evasão escolar. Há atualmente 20% de crianças em idade escolar fora das escolas. Em cada 100 crianças matriculadas na primeira série do primeiro grau, 74,64% concluem a quarta série e apenas 41,55% terminam a oitava série. Esses índices de reprovação fazem com que haja uma pressão maior de matrículas para essas séries. Esse quadro de reprovação, crianças fora da escola, e a contínua evasão anual demonstram a ineficiência da política educacional do município. No caso do Segundo Grau, em 1989, havia em Curitiba 168.014 jovens entre 15 a 19 anos que deveriam estar atendidos pelo ensino de segundo grau. Nesse nível haviam 76 escolas, sendo 2 federais, 36 estaduais e 38 privadas. A prefeitura, por sua vez, não possui escolas de segundo grau. Os alunos matriculados nessas escolas eram 48.178, muito abaixo da população potencial a ser atendida. A rede estadual atendia 44,60% dessa clientela, em sua maioria no ensino noturno.. De cada 100 alunos que iniciam o segundo grau, por motivos de repetência e evasão, aproximadamente apenas 27% concluem o curso. O déficit de oferta de vagas para esse nível de ensino em Curitiba, gira em torno de 70%. Por outro lado, apresenta-se os Faróis do Saber -- pequenas bibliotecas em formas de torre e construídas em bairros da cidade -- como a democratização do saber, mas esconde-se que muitos livros foram levados as escolas para essas bibliotecas e que os alunos ficaram privados de consultá-los facilmente nas escolas, tendo agora maior dificuldade em acessá-los. 

34 A distinção entre enunciados constatativos e performativos foi feita por John L. Austin. Enunciados constativos são aqueles que descrevem, verdadeira ou falsamente, uma certa situação, fato ou estados de coisas. Enunciados performativos são aqueles que ao serem proferidos criam algo, como uma promessa, um veredito, etc, podendo ser felizes quando atingem seu escopo ou infelizes quando ocorrem falhas ou abusos. Conforme Austin, para que um enunciado performativo seja feliz são necessárias as seguintes condições:" (A.1) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito, que apresente um determinado efeito convencional e que inclua o proferimento de certas palavras, por certas pessoas, e em certas circunstâncias; e além disso, que (A.2) as pessoas e circunstâncias particulares, em cada caso, devem ser adequadas ao procedimento específico invocado. (B.1) O procedimento tem de ser executado, por todos os participantes, de modo correto e (B.2) completo. (.1) Nos casos em que, como ocorre com freqüência, o procedimento visa às pessoas com seus pensamentos e sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta correspondente por parte de alguns dos participantes, então aquele que participa do procedimento, e o invoca deve de fato ter tais pensamentos ou sentimentos, e os participantes devem ter a intenção de se conduzirem de maneira adequada, e, além disso, ( .2) devem realmente conduzir-se dessa maneira subseqüentemente." [J. L.Austin, Quando dizer é fazer - palavras e ação, Porto Alegre, Artes Médicas, 1990, p.31 , (título original: "How to do things with words",]. Além dessas 6 regras -- para a felicidade de um performativo em geral -- no nosso caso, em que o performativo está ampliado não apenas como jogo lingüístico mas como um jogo semiótico que envolve mapas - - portanto ícones, na distinção de Peirce --, além das regras de conduta para o proferimento há que se considerar a pertinência de seu objeto -- o plano diretor -- poder virtualmente sobrecodificar a cidade objetiva. Supondo que um prefeito tenha três alternativas de planos diretores para o município que expressam configurações virtuais distintas para normatizar a realidade objetiva da cidade, qualquer um desses três planos tornará feliz o proferimento criando uma realidade virtual que sobrecodifica a cidade. Contudo, supondo-se que, inadvertidamente o plano prevê como área de preservação histórica uma região em que objetivamente não há edificações históricas ou de espécie alguma, mas um imenso depósito de lixo a céu aberto; ou como área de preservação ambiental -- em razão de mananciais hídricos para abastecimento da cidade -- uma região com elevado adensamento urbano que não possui fontes ou lençóis hídricos ou com o solo contaminado por dejetos industriais; embora as seis condições formuladas por Austin sejam cumpridas e juridicamente o plano diretor esteja em vigor, esta realidade virtual não tem condições de interpenetrar-se à realidade objetiva que modeliza. 

35 Em certas situações quando ocorre a resistência aos despejos seguidos de negociações com proprietários e aquisição das terras pelos ocupantes, ocorre a divisão de terrenos que acabam modelizados virtualmente sob os signos da propriedade privada. O enfrentamento desse problema analisamos em Práxis de Libertação e Subjetividade, Filosofia 6(7):81-109 Curitiba, Pontifícia Universidade Católica do Paraná , 1994. 

36 O mundo contemporâneo assiste a organização dos mega- mercados, como exigência dos movimentos de concentração e internacionalização dos capitais que vem provocando modificações substantivas nas leis vigentes nos países que passam a fazer parte desses blocos. 

37 Robert Kurz. O colapso da modernização, Paz e Terra, 1993, p.216-217. 

38 O volume desse capital que cresceu por pressões virtuais chegou ao ponto de grandes empresas temerem ser absorvidas por grupos especuladores com a finalidade de desmontá-las para vendê-las lucrativamente aos pedaços. 

39 A conexão entre os movimentos do capital fictício e a produção real de bens é, segundo Robert Kurz, "... ignorada completamente até pelos teóricos acadêmicos esquerdistas, que percebem o capital fictício somente no âmbito imediato dos setores especulativos e para os quais toda produção aparentemente real é um elemento da acumulação real." Robert Kurz. O colapso da modernização, Paz e Terra, 1993, p.217-218, nota de rodapé. 

40 Robert Kurz. O colapso da modernização, Paz e Terra, 1993, p. 217, nota de rodapé. 

41 Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. V. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 461 

42 Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. . Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p.466 

43 Marx Cita W. Leatham que afirma ser "... impossível determinar quantas delas [ letras ] provém de negócios reais, por exemplo de compras e vendas efetivas, e quantas são postiças, simples papagaios emitidos para recolher letras que estão para vencer, com o que se constitui capital simulado, emitindo-se valores circulantes imaginários." [ O Capital, Livro Terceiro, Vol. V, Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 461.] Tais títulos de dívidas, conforme Marx, "... servem de capital para os respectivos possuidores, na medida em que são mercadorias vendáveis e por isso podem ser reconvertidos em capital." Idem, p 548. Assim, atos de fala ilocucionariamente possuem a força de constituir capital fictício, desde que cumpridas certas condições. Suas condições de felicidade são complexas envolvendo elementos efetivos e imaginários. Perlocucionariamente as ações são valorizadas, assentadas em argumentos e movimentos especulativos fictícios. Contudo, quando o pânico gerado perlocucionariamente quebra a confiança na possiblidade da troca da ação pelo valor imaginário especulado, pelo qual se pagou no mercado, tem-se um movimento em cadeia de sua desvalorização e o capital fictício se esfumaça quebrando consigo atividades do capital real que nele se assentavam, tornando infelizes um conjunto de promessas do tipo "I promisse to pay...". 

44 Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. V. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p.450. Nos períodos de crise e estagnação dos negócios em geral essas letras possuem variação depreciativa. "Esse capital fictício reduz-se enormemente nas crises, e em conseqüência o poder dos respectivos proprietários de obter com ele dinheiro no mercado. A baixa nominal desses valores mobiliários no boletim de bolsa não tem relação com o capital real que representam, mas tem muito que ver com a solvência do proprietário desse capital." Idem, p. 567. Nos momentos de crescimento econômico o sistema de crédito favorece movimentos especulativos e "negócios fictícios" Idem, p. 556. Citando o próprio depoimento do banqueiro Weguelin sobre os distúrbios econômicos de 1857, Marx destaca, nas palavras do banqueiro, que "letras de favor e créditos abertos criaram amplos créditos fictícios, o que foi grandemente facilitado pela maneira de proceder dos bancos por ações das províncias..." que descontavam letras sem considerar a sua verdadeira qualidade. [ Weguelin, citado por Marx, Idem, p. 571. 

45 Referindo-se ao capital de empréstimo, Marx afirma: "Mesmo supondo que o capital de empréstimo só exista na forma de dinheiro real, de ouro ou prata, a mercadoria cuja substância serve de medida dos valores, ainda assim é mister que grande parte desse capital-dinheiro seja meramente fictício, constitua direitos sobre valor, títulos análogos aos símbolos do valor.(...) Quando se converte em capital de empréstimo -- o mesmo dinheiro repetidas vezes representa capital de empréstimo -- é claro que só num ponto existe como dinheiro metálico; em todos os demais existe apenas na forma de direito de exigir capital. (...) a acumulação desses direitos ou títulos difere tanto da acumulação real da qual deriva, quanto da acumulação futura... propiciada pelo empréstimo de dinheiro." [ Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro, Vol. V. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 584-585]. Insiste Marx que "na medida em que emite bilhetes, sem cobertura do encaixe metálico guardado nos subterrâneos, o Banco cria símbolos de valor, que para ele constituem meio de circulação e, além disso, capital adicional, embora fictício, no valor nominal desses bilhetes sem cobertura." Idem, p. 622. 

46 Marx cita Sismondi que afirma ser os fundos públicos nada mais que "capital imaginário que representa, da receita anual, a parte destinada a pagar a dívida." A dívida pode ser paga graças à cobrança de impostos que recolhe a riqueza produzida pelo trabalho real. Sismondi, apud, Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro, Vol. V, p. 548, nota 6 

47 Os títulos sobre minas, ferrovias, etc são direitos sobre capital real, mas que não permitem dispor do capital que não pode ser extraído de onde está, havendo somente o direito de obter uma parte da mais-valia. Contudo, " esses títulos constituem também duplicação em papel do capital real, como se o conhecimento de carga pudesse ser um valor além do da carga, ao mesmo tempo que ela. Tornam-se representantes nominais de capitais inexistentes.." Mediante venda, tais títulos são reembolsáveis como valor-capital. "Mas como duplicatas negociáveis por si mesmas como se fossem mercadorias, e circulando por isso como valor capital, são ilusórios, e o valor pode variar sem depender por nada do movimento do valor do capital real que representam como títulos jurídicos. (...) essa riqueza imaginária -- tem valor nominal originalmente determinado para cada uma de suas partes alíqüotas -- expande-se com o desenvolvimento da produção capitalista".[ Karl Marx, op. cit., p. 548-549 ]. Os ganhos e perdas através desses títulos se realizam em movimentos de especulação. 

48 Em sentido um pouco distinto a categoria imaginário é também empregada com referência à mais-valia: " como fruto imaginário de todo capital adiantado, a mais-valia toma a forma transfigurada de lucro... O lucro ...é portanto o mesmo que a mais-valia, em forma dissimulada, que deriva necessariamente do modo capitalista de produção." Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. IV. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 39. 

49 Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. V. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 549 

50 Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. V. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 563 

51 Idem, p. 557 

52 Idem, p. 555 

53 Samuel Gurney, citado por Marx, Idem, p. 478 

54 Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro - O Processo Global da Produção Capitalista, Vol. V. Rio de Janeiro, Ed. Civilização Brasileira, 1980. p. 576 

55 Idem, p. 577 

56 Idem, p. 556 

57 Idem, p. 219 " ... o crash manifestar-se-á com toda força, e isso na forma de uma reação em cadeia. Quanto mais dívidas se tornam impagáveis, o que então também será o caso nos países da OCDE, tanto mais será preciso recorrer à venda de ações e imóveis para garantir o pagamento, e tanto maior será a velocidade com que a especulação entrará em colapso. Em parte isso já acontece nos mercados imobiliários dos EUA e da Grã-Bretanha, desde os anos de 1989 e 1989. Nos EUA, o mercado da absorção especulativa das empresas é considerado morto, deixando uma herança de endividamento excessivo de ramos inteiros. Durante o ano de 1990, o mercado de ações japonês sofreu uma queda de quase 50%.// Mas o colapso definitivo da especulação global causará também a ruína do sistema internacional de crédito. A bancarrota gigantesca do sistema de poupança americano (savings and loan association) e a crise que está amadurecendo no sistema de bancos comerciais dos EUA e do Japão estão anunciando um grandioso fogo de artifício em que entrarão em colapso os mercados financeiros internacionais e ao qual não poderão escapar nem os países da OCDE que até agora são vencedores. A crise de dívidas dos EUA, da Grã-Bretanha, do Canadá, da Austrália e da Europa Meridional (a Grécia praticamente já faliu e, ao que parece, a Itália logo a seguirá) conduzirá então inevitavelmente também à crise dos credores, o Japão e a RFA, que segundo seus cálculos deveriam ter-se tornado ricos." Op. cit., p. 218-219 

58 Com a mundialização dos mercados e com as novas tecnologias -- especialmente na área de informática e todas as interfaces com mecanismos de comunicação de massas -- o mundo assiste a reordenação do capitalismo em escala planetária, configurando-se não apenas como um modo de produção econômico que vai rompendo cada vez mais -- sob sua lógica do acúmulo privado -- as estruturas políticas que limitam-lhe os movimentos de expansão e concentração, mas especialmente como um modo de produção de subjetividades em escala mundial. Não apenas é preciso modelar as subjetividades de uma parcela da população mundial para que possam produzir sob novos e complexos processos produtivos, mas também é necessário modelar as subjetividades dos que possuem recursos para consumir aquilo que é produzido e que através de jogos semióticos satisfaz necessidades virtuais. Assim, um mesmo produto de uma mesma marca -- um mesmo signo -- é vendido na maior parte do mundo e em cada país manipulam-se subjetividades para que este produto seja desejado e consumido, modelizando signos de culturas particulares que são capturados em jogos semióticos sob linguagens universais que os desterritorializam em função de promover o giro do capital. 

59 Analisando os mecanismos capitalistas de formação de preços de mercado, que para Marx não correspondem ao valor objetivo dos produtos, ele destaca a relação entre a quantidade de mercadorias e a satisfação das necessidades sociais: " se a massa de produtos ultrapassar essas necessidades, teriam as mercadorias de se vender abaixo do valor de mercado; e, ao contrário, acima desse valor se a massa de produtos não for suficiente, vale dizer se a pressão da concorrência entre os vendedores não for bastante para compeli-los a levarem ao mercado essa massa de mercadorias.(...) Subindo o valor do mercado, contrai- se a necessidade social da mercadoria, absorvendo-se menores quantidades dela." [Marx, op. cit. vol. IV, p. 204-205]. De outra parte, considera Marx, " a mercadoria possui valor-de-uso, isto é, satisfaz uma necessidade social qualquer. Quando tratamos das mercadorias isoladas, pudemos supor existente a necessidade das mercadorias consideradas -- já se referindo o preço à quantidade delas --, sem preocupar-nos a quantidade da necessidade a satisfazer. Mas, esta quantidade é elemento essencial, quando se considera, de um lado, o produto de um ramo inteiro de produção e, de outro, a necessidade social. Agora, é necessário observar a medida, isto é, a quantidade dessa necessidade social"[Marx, op. cit. vol. IV, p. 209, grifos nossos]. Este é o problema central que temos de enfrentar. Antes, porém, concluamos o raciocínio de Marx. "Se a quantidade é maior ou menor que a procura, o preço de mercado se desvia do valor de mercado. Primeiro desvio a considerar: se a quantidade é de menos, regula o valor de mercado a mercadoria produzida nas piores condições, se é de mais, a produzida nas melhores condições [ maior produtividade com menos custos]... _ medida que aumenta a diferença entre a procura e quantidade produzida, tende o preço de mercado a desviar- se mais do valor de mercado, para cima ou para baixo." Idem, p. 209-210. Para Marx o valor objetivo do produto deve ser definido considerando-se o tempo de trabalho social nele objetivado. Enquanto a produção não estiver sob " controle efetivo e preestabelecido da sociedade" que fixará a relação entre " a quantidade do tempo de trabalho social, empregada para produzir determinado artigo, e o volume da necessidade social provida por esse artigo" [ Idem, p. 212 ], os preços continuarão sendo determinados pelo jogo do capitalista no mercado que produz em função de ampliar seu lucro e não em função da satisfação das demandas sociais. Para Marx o valor de uso efetivo de qualquer objeto supõe o trabalho que o objetiva. Contudo, Marx reconhece que existem necessidades socialmente criadas que apenas se satisfazem mediante elementos objetivos que portem determinados valores de uso fetichizados. Marx reconhece que uma mercadoria possui valor-de-uso quando satisfizer uma necessidade social qualquer e, desde sua juventude, já analisara que no modo de produção capitalista inúmeras necessidades são criadas com a única finalidade de girar o capital, promovendo a alienação no consumo: " O aumento da produção e das necessidades se converte no escravo engenhoso e sempre calculador de apetites humanos, refinados, anti-naturais e imaginários -- a propriedade privada não sabe fazer da necessidade bruta necessidade humana; seu idealismo é a fantasia, a arbitrariedade, o capricho..." [ Karl Marx, Manuscritos Econômico-Filosóficos, Coleção Os Pensadores, vol. 35 Editora Abril, 1974 p. 22 ] .O produto torna-se uma isca para atrair o ser dos outros, o seu dinheiro. "Toda necessidade real ou possível -- afirma Marx -- é uma fraqueza que arrastará as moscas ao melado -- exploração universal da essência coletiva do homem." Idem, p. 23 . A afirmação inconfessada do capitalista é essa: "... engano-te, enquanto te proporciono o gozo"! Idem, p. 23. O capitalista desperta no outro "apetites mórbidos e espreita todas as suas fraquezas, para exigir dele depois, a propina por estes bons serviços" Idem, p. 23. Sendo assim, a demanda social pode ser produzida provocando a elevação do preço de mercado de um determinado produto. A demanda por determinada letra provocada por um movimento especulativo faz com que seu valor de mercado suba. A necessidade social de fumar Marlboro e não uma outra marca de cigarro qualquer, valoriza a empresa. Se Marx considerasse a produção da demanda social para o giro do capital não teria apenas M-D- M para o capital industrial ou D-M, M-D para o capital comercial e D-D para o capital financeiro. Teria de analisar como é mobilizado o consumo para que a mercadoria se transforme em dinheiro, ou dito de outra forma, como uma outra parcela de dinheiro teria de ser transformada em publicidade agenciando o consumo do produto para recuperar, em função deste último consumo, tanto o dinheiro gasto no produto quanto na publicidade que provoca o consumo despertando, no outro, apetites. Se Marx não o faz, embora já tenha consciência desse processo ainda embrionário no século XIX, é por preferir manter a coerência com seu paradigma dialético. Somente é objeto de ciência o que é objetivo. Sobre desejos e paixões não há como produzir ciência objetiva, apenas crítica filosófica quando se manifestam aparentemente como realização de um valor social elevado sendo essencialmente um movimento de alienação do humano. Mas o momento dialético da objetivação da necessidade é o consumo. O objeto de consumo pode ser fetichizado e tal fetichismo pode gerar - - no momento da compra -- a troca de um valor objetivo na forma de dinheiro por um valor de uso imaginário. Contudo o valor objetivo de uso de tal produto adquirido não pode ser confundido com o valor fictício do objeto fetichizado. Por outro lado, da mesma forma que Marx supondo -- desde a lógica do mercado -- que em um dado momento a oferta pode ser equilibrada em relação a demanda estabelecendo-se aí o valor de mercado, destaca que "... essa coincidência nunca é real, a não ser por mera casualidade, e o que não passa de casualidade é nulo do ponto de vista científico, devendo considerar-se inexistente" [ Karl Marx, O Capital, Livro Terceiro, Vol. IV. p. 214 ], não podendo pois ser tal hipótese de equilíbrio fundamento científico para uma análise econômica da formação do valor do produto; da mesma forma, embora reconheça que muitos consumidores são mobilizados ao consumo por mediações astuciosas e ardilosas do capitalista, Marx avalia que não sendo tais mediações necessárias e universais a todo processo de consumo, não havendo como quantificá-las rigorosamente, delas não se pode elaborar ciência. Entretanto, se reconhecermos que a disputa por mercados implica atualmente não apenas a efetivação do produto, mas o agenciamento do consumo, isto é, a criação de mercado cosumidor a determinado produto de determinada empresa, identificado com certo signo, então precisamos abordar o momento da modelização do consumo promovido por semióticas publicitárias como condição do giro do capital. Partindo desta análise é preciso reconhecer que enquanto for possível manter a procura de um determinado objeto com propriedades imaginárias tal objeto continuará possuindo o valor que o mercado estabelece. Ocorre pois que todo objeto pode possuir não apenas um valor-de-uso objetivo, mas também um valor-de-uso virtual e que havendo a modelização do consumo esse objeto ou serviço com valor de uso virtual pode ser trocado por dinheiro, completando o giro do capital real e a ampliação da taxa de lucro. A mediação da propriedade privada do signo -- que se realiza como marca registrada, o copyright, a patente do programa de computação, ou do design, ou do código genético alterado que origina novas espécies tanto vegetais quanto animais -- é a peça-chave para que esse capital virtual -- informação com valor de uso não objetivada que poderá se objetivar a partir de inúmeros projetos circunstanciais -- possa ser aplicado tanto na ampliação de mais capital objetivo quanto virtual. 

60 A posse, fruição ou contato com tais objetos-sígnicos realiza virtualmente algo estabelecido em jogos semióticos dominantes. A compra do Empire State, por um grupo japonês no coração do poder americano, não se reduz à aquisição de um objeto efetivo; torna-se um signo de poder da companhia que o possui, fortalecendo sua imagem no mundo dos negócios. Adquiriu-se muito mais um signo de forca, de prestígio, que um imóvel. 

61 No caso da pintura, como afirmam Lúcia Santaella e J. Ransdell o processo de envelhecimento e a mudança da qualidade é flagrante. Com categorias peirceanas afirma a autora que corre não apenas a modificação do quali-signo; desde a perspectiva semiótica, " por que não poderia também ser levada em consideração a mudança da identidade do sin-signo e sua conversão progressiva em diferentes sin-signos, de modo que, conforme o tempo passa, um mesmo objeto artístico poderia ser visto como ocorrências diferenciais que mudam substancialmente a natureza do objeto original ?... Mas isso, evidentemente, provocaria abalos sísmicos nos fetiches da história da arte e, mais ainda, nos mecanismos mercadológicos da arte. Por isso mesmo, é aconselhável que a semiótica não coloque as mãos nessa cumbuca."[ Lucia Santaellea, Teoria Geral dos Signos, São Paulo, Ática, 1995, p. 136]. Bastante estranho esse modo de delimitar o objeto de investigação de uma ciência. Pelo contrário deve-se investigar tal fenômeno a fim de desvendar as fragilidades na constituição do capital virtual que se constitui na captura desses signos. 

62 As alianças e associações se estabelecem de diversas formas, seja como participação acionária, como joint ventures, na compra ou fornecimento de componentes, contratos de cooperação tecnológica, ou seja através de acordos de fabricação, montagem ou distribuição de produtos e marketing. Tomemos como exemplo as alianças que se estabelecem no setor de automóveis a partir do quadro publicado em 1991 pela Ward's Automotive International, destacando algumas empresas de diversos países. A GENERAL MOTORS (EUA) incluindo Opel, Vauxhall, Holden's, Lous, Saturn, faz parceria com Bertone, Chrysler, Daewoo, Fiat, Ford, Honda, Isuzu, Nissan, Pininfarina, Renault, Rover, Saab, Suzuki, Toyota, VEB Automobile Works, Volvo, VAZ. Por sua vez, a VOLKSWAGEN (Alemanha) incluindo Audi e SEAT, faz parceria com AZNP, CNAIC, Fiat, First Auto Works, Ford, Mercedes Bens, Nissan, Prosche, Renault, Rover, Shanghai Auto Works, Steyr, Toyota, Volvo, VEB Automobile Works. De sua parte, a FIAT (Itália), incluindo Alfa Romeo, Autobianchi, Ferrari, Iveco e Lancia, mantem parcerias com Chrysler, De Tomaso, Ford, Fuji Heavy (Subaru), GM, Mazda, Nissan, Peugeot, Pininfarina, Pomol; FSM, Steyr, Volkswagen, Zastava. Por sua vez, a NISSAN (Japão), tem como seus parceiros: Daewoo, Fiat, Ford, Fuji Heavy, GM, Mazda, Mitsubish, Peugeot, Second Auto Works, Siam Motors, Toyota, Volkswagen, Yue Long. Por outro lado, a PEUGEOT (França), incluindo Citroen, tem como parceiros CAC, Daihatsu, Fiato, Honda, Isuszu, Mazda, Nissan, Pininfarina, Renault, Rover, Steyr, Suzuki, Volvo. Já a VOLVO (Suécia), faz parceria com Bertone, Daewoo, Ford, Fuji Heavy, GM, Isuzu, Peugeot, Reanult, Volkswagen. De sua parte, a ZASTAVA (Iugoslávia) faz parceria com a Fiat e Polmot FSO, enquanto a KIA (Coréia do Sul) tem como parceiros a Daihatsu, Ford, Mazda. Por fim, a FIRST AUTO WORKS (China) faz parceria com a Volkswagen. Fonte: Relatório Reservado 16 a 22 set 91 in: Quinzena Nº 125, 01 out 91, página 13. São Paulo, Centro de Pastoral Vergueiro 

63 A economia capitalista não é um "Reino da Necessidade" em que hajam leis imutáveis. Ela é como um jogo em que certo conjunto de regras vão se alterando periodicamente seguindo certos princípios. Não há alguma crise econômica que seja inevitável. Cabe aos excluídos do processo produtivo -- que tendem a crescer em número e em degradação social -- promoverem as mudanças necessárias na economia que assegurem a efetiva democratização da riqueza e da informação, condições fundamentais para o exercício da liberdade e construção da cidadania. 

64 A difusão generalizada de notícias favoráveis a um grupo, virtualmente o fortalece; do mesmo modo que a difusão de informações que abalam a imagem da empresa -- seu signo de confiança -- a enfraquece como um todo. 

65Plano Real foi concebido por uma equipe de técnicos comandados por Fernando Henrique Cardoso, quando este exercia a função de ministro da economia do Governo Itamar Franco, sendo peça-chave para o resultado da campanha política em 1994 em que -- assumindo o signo de autor do Plano -- foi eleito presidente do Brasil. O Plano Real, que promoveu a continuidade das políticas neoliberais do Governo Collor, sob as diretrizes do Consenso de Washington, possuia 3 fases: 1) combate ao déficit público e redução da pressão inflacionária da demanda por consumo, 2) implementação de uma unidade real de valor e 3) criação de uma nova moeda, o Real. 1) Para combater o déficit público FHC tomou as seguintes medidas: a) cortou cerca de US$ 4 bilhões nos gastos do governo, cortando verbas de saúde, educação e atendimento emergencial às populações carentes; b) acelerou as privatizações, vendendo empresas públicas, vários delas abaixo do seu valor real; c) diminuiu as redes dos bancos federais; d) aumentou o combate à sonegação fiscal; e) tentou realizar uma Reforma Fiscal que ficou restrita ao IPMF, cobrando um novo imposto de todos que tem conta bancária. Para diminuir a pressão de compra da população o Plano Real tomou duas medidas: a) diminuiu o poder de compra real dos salários que ficaram congelados por um ano: as perdas salariais variam de 26,91% a 47,50% dependendo da categoria profissional e da data base de negociação salarial; os trabalhadores de renda mais baixa que são os 25% mais pobres receberam em março/94 um dos salários reais mais baixos dos últimos dez anos, cerca de 54% do salário médio recebido em 1985; a cesta básica que custava em dezembro/93 80,79 URVs, passou a custar 97,33 URVs em Abril/94 e chegou a mais de 110 Reais em julho/94. Abriu, também, a economia facilitando as importações, aumentando a oferta interna de produtos. b) Por outro lado, para diminuir a pressão de compra das classes médias altas, o Plano mantém taxas de juros muito elevadas tornando atraentes as aplicações financeiras, que em Junho de 94 renderam 53%, sendo que o µndice Geral de Preços ficou em 46,58%. 2) Para cortar o hábito de embutir no mês seguinte a inflação do mês anterior, Fernando Henrique criou a URV, como média de 3 índices de inflação: IGP-M, IPC-Fipe e IPCA-E. Esse mecanismo analisaremos em detalhe nessa seção. 3) Por fim realizou-se a conversão dos Cruzeiros Reais para a nova moeda, mediada pelo valor virtual da URV. 

66 A colheita prevista era de 400 mil toneladas, mas acabou reduzida a 20 mil toneladas, 5% do esperado. Cf. Aloysio Biondi, "A Grande Farsa do Combate aos Oligopólios". in: Folha de São Paulo, 06 mar 94 , p. 2-4. Faltou ao Governo, naquela ocasião, a capacidade estratégica de abastecer o mercado com estoques reguladores ou tomar outras iniciativas objetivas que reduzissem a elevação dos preços. 

67 Folha de São Paulo, 24 de Abril de 94, p. 1-12: "Juro Alto Ameaça Equilíbrio Orçamentário" . 

68 Os bancos e especuladores financeiros tiveram lucro fácil na gestão de Fernando Henrique Cardoso como ministro da economia: em 1993 os juros estiveram 16% acima da inflação e apenas nos três primeiros meses de 94 estavam cerca de 34% acima da inflação. Em 1993 o lucro líquido dos 9 maiores bancos privados passou de US$ 1 bilhão. Os bancos que mais lucraram foram: Bradesco: cerca de US$ 300 milhões, Itaú: cerca de US$ 250 milhões, Unibanco: cerca de US$ 80 milhões, Nacional: cerca de US$ 70 milhões. Em 1994 o Governo gastou US$ 3 bilhões a mais que no ano anterior alimentando a ciranda financeira. 

69 Embora esta política não possa sustentar-se por tempo ilimitado, enquanto o Governo conseguir vender empresas estatais ampliando seus recursos em caixa para manter a política dos juros altos, para atuar no mercado de câmbio e equacionar seu orçamento, a inflação continuará baixa. Quando acabar sua fonte de financiamento -- a venda do patrimônio estatal -- a situação ficará insustentável, a não ser que a credibilidade conquistada pelo sucesso virtual do plano atraia investidores estrangeiros, aumentando o produto interno bruto, a arrecadação de impostos, o que, articulado a um corte dramático dos gastos do Estado, possibilitaria continuar pagando a dívida externa e progressivamente ir abaixando as taxas de juros internas ao ponto de estabilizar a economia sem mais precisar contar com recursos de privatizações, mesmo porque, a essa altura, não haveria mais quase nada a privatizar. 

70 Mesmo quando, inadvertidamente -- sendo captado por antenas parabólicas -- o ministro Rubens Ricúpero ( então titular da pasta da economia em substituição a F.H.C. que agora estava em campanha oficial à presidência) afirmou existir manipulação das informações apresentadas à sociedade ("o que é ruim, a gente esconde..."), a mídia conseguiu recuperar a credibilidade dos signos oficiais apelando a diversas sobrecodificações possíveis das expressões do ministro, para desqualificá-las como movidas pela vaidade. O signo final que consolidou a manutenção da realidade virtual construída pelo Plano Real e absolveu o ministro Ricúpero perante a maior parcela da sociedade brasileira, foi a sua confissão de vaidade e sua participação em uma missa em Brasília em que o close especial foi dado ao momento em que ele comungava. Depois que Deus o perdoou, somente mesquinhos insistiriam em acusar o seu pecado. 

71 Uma análise desse processo de identificação e de realização de catarse pode ser encontrado em Augusto Boal, Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas, Rio de Janeiro, Ed. civilização Brasileira, 1983 

72 Se poderíamos aceitar com Edgar Morin que as pessoas sabem que estão assistindo uma novela, as que afirmam a expressão citada, entretanto, facilmente modelizam a vida real sob os jogos semióticos das novelas, como se a vida real se comportasse obedecendo ao mesmo conjunto de vetores e tendências compostas nos jogos semióticos da peça imaginária em questão. 

73 Assim a estrutura de compreensão da realidade efetiva depende das propriedades do sistema modelizante, no caso as novelas. Analisando a religião como um sistema semiótico que possui um nível mínimo de abstração mas uma capacidade máxima de modelização, destacam alguns semiólogos russos que " aqui a estrutura do todo modelado W depende, principalmente, das propriedades semióticas internas do sistema modelizante S". Cf. A. A. Zalizniák, V. V. Ivanov e V. N. Toporóv Sobre a possibilidade de um estudo tipológico-estrutural de alguns sistemas semióticos modelizantes in: Boris Schnaiderman Semiótica Russa, São Paulo, Editora Perspectiva, 1979, p.82 

74 Seriam semioticamente excludentes se em uma novela o príncipe que conquista o poder fosse leal até o fim aos interesses populares e em outra novela o príncipe que conquista o poder traísse, finalmente, o povo e os interesses populares. O mesmo vale para aquele trabalhador braçal. Esta impossibilidade de composição ocorre em razão da função sígnica polissêmica, pois um mesmo signo aqui comportaria significações distintas sob sistemas semióticos alternativos, impossíveis de serem compostos sem fraturar a sintaxe de ambos. 

75 A navegação entre realidade virtual e realidade efetiva se faz através da metáfora, isto é, da substituição ou correspondência de signos em ambos os níveis, que diferem quanto ao significado mas que sendo associados induzem a sua articulação sob uma mesma sintaxe. Sendo dados ambos os contextos -- o noticiário e as novelas -- a metáfora é motivada pela susbstituição de um signo por outro, de um objeto por outro, por exemplo, quem são os marajás no Brasil e em Avilã, quem os combate Brasil ou em Avilã, etc... 

76 Este "bem assim" é signo de similaridade, neste caso, icônica. Traços de semelhança entre o signo e aquilo que ele representa são detectados orientando a identificação. Elementos da realidade objetiva são iconicamente identificados aos signos do sistema modelizante, sendo determinados, em seus significados por todos os demais elementos daquele sistema. 

77 A TV Globo fez um programa especial chamado "Globo Repórter" em que apresentava inúmeras imagens que provavam esse combate sem tréguas à corrupção e aos marajás. O signo "marajá" foi modelizado sob jogos semióticos em que significava funcionário público, que trabalhava pouco ou nem trabalhava, mas que recebia um salário exorbitante. Modelizado no sistema semiótico daquele Globo Repórter, o signo "marajá" ganhava significação em oposição aos demais signos do mesmo sistema como "combate", "moralidade", "Collor", etc. 

78 Arriscando uma formalização elementar desse processo, podemos enunciar que " sendo A um objeto dinâmico objetivo e B um objeto dinâmico imaginário, sendo C interpretante de B e sendo B ícone de A, sendo aplicado os interpretantes de B a A e sendo tomada a relação de tais interpretantes com A, como realização da mesma verdade significada por esses interpretantes em B, surge o fenômeno da realidade virtual D. Sendo A= Lula, B= Sassá Mutema, C= eleger-se e depois trair os ideais, D significará que Lula após eleger-se trairá seus ideais. Ocorre uma conexão diádica de duas tríades genuínas ou a relação icônica de duas semioses, provocando uma auto- geração sígnica em que o signo da relação diádica provoca o seu interpretante: " na vida real, é bem assim que acontece". 

79 Tomamos singularizante, aqui, no sentido usual de Félix Guattari em Revolução Molecular, E. Brasiliense, 1987. 

80 Conforme Herbert de Souza em "A TV do país da maravilhas - Os telejornais estão de costas para o Brasil real" ( Revista Imprensa, março de 1992), a opinião pública é formada em grande parte pelos telejornais, uma vez que a maioria da população opina a partir das informações selecionadas e editadas pelas quatro redes nacionais de televisão, sendo que apenas a Globo detém cerca de 70% da audiência. Conforme Betinho " quando a mídia destaca em sua pauta os problemas da violência, o Ibope recolhe na outra ponta a violência como a primeira preocupação de seus moradores. A onda depois, sem que a violência diminua, passa para a hiperinflação, a corrupção ou a cólera, e a preocupação dominante varia segundo as emissões". Op. cit. p. 15. 

81 Denúncias que o processo do impeachment novamente evidenciou depois de um ano e meio. 

82 Dizemos formalmente democráticas porque o escopo da democracia é assegurar a realização da liberdade e da cidadania a todos em igualdade de condições. Isto, entretanto, supõe condições variadas, entre as quais, assegurar a autonomia e auto-determinação de cada pessoa e de cada povo quando assentadas em bases éticas; assegurar as condições políticas objetivas para o exercício da cidadania sem as quais nenhuma liberdade pode se efetivar; assegurar as condições materiais -- as mais equânimes possíveis -- a todos os membros da sociedade, sem as quais a liberdade não passa de um ideal irrealizável, uma figura de retórica, para aqueles que estão materialmente impedidos de realizá-la; assegurar o acesso a informação suficiente e de qualidade para as tomadas de decisão sob a autonomia de cada pessoa -- pois mesmo tendo condições materiais, garantias políticas para decidir e autonomia na decisão, dispondo apenas de informações parciais e precárias que lhes são fornecidas por alguns que detem todo o conjunto das informações imprescindíveis à decisão, as pessoas serão induzidas na própria escolha por aqueles que fornecem estas e não aquelas informações. Evidentemente não é possível haver total autonomia e as condições políticas, econômicas e de informação podem sempre ser aprimoradas, mas é sempre preciso assegurá-las, nas suas melhores condições, a todos para que a democracia seja aprimorada cada vez mais. A democracia formal em que vivemos está muito longe de se tornar uma democracia substantiva em que pelo menos as quatro condições citadas estejam realizadas. Para todas essas democracias formais aplica-se bem a ponderação de Max Horkheimer em Eclipse da Razão, quando afirma que os que mais manipulam a opinião pública são também muito empenhados em defender a democracia.


Realidade Virtual - A Conversibilidade dos Signos em Capital e Poder Político.
Revista Lumen, 2(4):75-135 jun 1996. Faculdades Associadas Ipiranga, São Paulo, SP, Brasil, 1996
www.milenio.com.br/mance/real.htm 


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