.

Trabalho, Ciência e Tempo Livre em Karl Marx
- Dos Grundrisse a O Capital

Euclides André Mance
IFiL - Curitiba, PR

Introdução

Uma leitura comparativa dos Grundrisse e de O Capital revela traços da elaboração teórica de Marx que passam despercebidos para grande parte dos estudiosos de seu pensamento que se fixam, separadamente, em uma ou outra dessas obras.

Muitos tratam O Capital como uma obra sólida e sem fissuras, em que um conjunto de certezas vai sendo somado a outros conjuntos de certezas, que vão se articulando com uma rigorosidade metodológica analítica que possibilita compreender o capital em sua essência, de maneira cabal e completa.

Quando analisamos os Grundrisse - que, em grande parte, são rascunhos que darão origem ao Capital -, entretanto, deparamo-nos com um Marx perplexo e confuso frente a angustiantes problemas que exigiam uma definição teórica rigorosa a fim de consolidar sua economia política. Perplexidade e confusão que são inerentes a todo trabalho teórico que tem por objetivo produzir conceitos e estratégias teóricas sobre problemas complexos.

É interessante perceber que certas passagens dos Grundrisse são praticamente transcritas no Capital, demarcando uma definição conceitual, a escolha de um certo conjunto categorial que não fora concebido sem reservas. Para resolver algumas dificuldades de sua teoria global, Marx não acabaria sacrificando algumas intuições particulares e contornando certos problemas que estão explícitos nos Grundrisse, mas latentemente difusos e aparentemente equacionados no Capital com o concurso de muitas outras mediações teóricas ?

Dois problemas deste tipo que apontavam, cada qual, para caminhos antagônicos nos Grundrisse e que foram "equacionados" no Capital são, por um lado, a definição de trabalho produtivo e improdutivo, e por outro, o caráter da ciência como fator produtivo, sua relação com o valor, a produção de mais-valia e o tempo livre.

Sobre esses dois problemas apresentamos aqui algumas anotações de nossa investigação neste trabalho inicial de uma leitura temática paralela dos Grundrisse e de O Capital. O que segue é apenas uma primeira aproximação do tema nos Grundrisse.

 

1. Trabalho Produtivo, Trabalho Improdutivo e Capital

Após discorrer longamente, no final do ano de 1857 (1), sobre o que se poderia definir como trabalho produtivo e improdutivo nos Grundrisse (Capital, Caderno II), considerando o primeiro como aquele que aumenta o capital e o segundo como todo aquele que não o aumenta, Marx conclui "All this nonsense [Tudo isso é descabido]. Digressão. Porém retornar, mais de perto, a isto, sobre produtivo e não produtivo."(2) Surpreendentemente, no Caderno III, cheio de boas razões, Marx concede que o que parecia nonsense é a pedra angular de sua economia política: "Productive labourer he that directly aumengts capital" ["Trabalhador produtivo é aquele que diretamente aumenta o capital"].(3)

O que está em jogo nesta definição é uma conceituação rigorosa que permita esclarecer o objeto de sua investigação, isto é, o Capital. Eis porque Marx opta por aquilo que parece ser extremamente descabido, mas que lhe permitiria avançar na explicitação do Capital em sua essência. Esta definição, por outro lado, acabou trazendo inúmeros problemas que Marx tentará solucionar nos quadros de sua teoria mais geral e que, quando não foram satisfatoriamente equacionados nos Grundrisse, simplesmente não são considerados como problemas fundamentais em O Capital, uma vez que não diriam respeito a explicitação científica do capital que se fizera com o recurso de seu contorno, sem ter que resolvê-los, posto que tal contorno não prejudicava a compreensão dos determinantes fundamentais do capital em sua época.

No caderno II, assim discorre Marx:

"O trabalho como mera prestação de serviços para a satisfação de necessidades diretas, nada tem que ver com o capital, pois a este não lhe interessa. Quando um capitalista faz cortar lenha para assar seu carneiro... O que corta a lenha presta um serviço ao capitalista, um valor de uso que não faz crescer o capital, mas que o consome, e o capitalista lhe proporciona em troca outra mercadoria, sob a forma de dinheiro. Assim ocorre com todas as prestações de serviços que os trabalhadores intercambiam pelo dinheiro de outras pessoas e que são consumidas por estas pessoas. Este [intercâmbio] é um consumo de rendimento, e como tal corresponde sempre à circulação simples, não à do capital. Como nenhuma das partes contratantes se enfrenta à outra como capitalista, esta prestação do que serve não se pode incluir na categoria de trabalho produtivo. Desde uma puta até o papa há uma boa quantidade desta gentalha. Porém também se inclui aqui o honesto e "laborioso" lumpemproletariado; por exemplo, grandes grupos de serviçais cáftens, etc., nas cidades portuárias, etc. O representante do dinheiro só exige o serviço em vista de seu valor de uso que desaparece imediatamente para ele; porém, o cafetão reclama o dinheiro, e em tais circunstâncias, tanto o que oferece o dinheiro pela mercadoria, como o que oferece a mercadoria para obter dinheiro, representam reciprocamente tão só dois termos da circulação simples." (4)

Marx retoma essa noção de trabalho produtivo de Adam Smith, cuja obra A Riqueza das Nações pareceu a Marx um estudo sério na busca de formalização de uma ciência econômica, embora que sob o recorte burguês. Ao se perguntar sobre o que se pode caracterizar como riqueza de uma nação, Smith descartou, do ponto de vista econômico, todo o conjunto de valores, conhecimentos e bens artísticos e culturais que não possuem valor de troca e descartou como trabalho produtivo toda atividade que não redunde em algo que objetivamente tenha algum valor econômico acumulável como riqueza. Parece-nos bastante defensável que, Marx trabalha com a hipótese de que o que seria aparentemente, em Smith, "riqueza" seja, essencialmente, uma das formas possíveis de manifestação do capital. Assim, o trabalho produtivo de Smith que produziria a riqueza começa a ser agora recategorizado como o trabalho produtivo que produz capital. Quanto a isto, avança claramente Marx,

"A. Smith, no essencial, tinha razão com seu trabalho produtivo e improdutivo, o tinha desde um ponto de vista da economia burguesa. (...) Por isso é completamente lógico... que segundo os economista conseqüentes, aqueles que trabalham em fábricas de artigos luxuosos, por exemplo, sejam trabalhadores produtivos, ainda que taxem expressamente de derrocadores improdutivos aos tipos que consomem tais objetos. O fato é que estes trabalhadores, sem dúvida, são produtivos na medida em que fazem crescer o capital de seu senhor; improdutivos no que concerne ao resultado material de seu trabalho. De fato, este trabalhador ‘produtivo’ está tão pouco interessado na merda que tem de fabricar, como o próprio capitalista que o emprega..."(5)

Contudo, a conclusão a que chega Marx após este percurso, embora pareça ter consolidado uma posição resoluta, também não parece todavia convencer definitivamente ao próprio Marx:

"Com maior exatidão, temos que de fato a verdadeira definição de trabalhador produtivo consiste no seguinte: un homem que não necessita nem exige nada mais que o estritamente necessário para estar em condições de procurar a seu capitalista o maior benefício possível. All this nonsense [Tudo isso é descabido]. Digressão. Porém retornar, mais de perto, a isto, sobre o produtivo e não produtivo."(6)

A afirmação de que tudo isto é descabido, talvez não seja uma posição de Marx sobre o que ele formulara - embora Marx use a expressão inglesa nonsense com este sentido em outras passagens (7) -, mas apenas um marcador semântico para a continuidade posterior da reflexão retomando a crítica que certos autores faziam ao pensamento de Smith e Malthus taxando aquela elaboração de nonsense.

Semanas depois, Marx retorna ao tema depois de haver investigado inúmeras formas da relação capital e trabalho, o valor de uso deste que - como mercadoria - possui um preço, o problema do salário, a participação do trabalhador na riqueza em geral, o trabalhador como oposto ao capital, os objetivos contraditórios do capitalista e do trabalhador em face ao processo produtivo, a separação entre trabalho e propriedade dos meios produtivos, o processo do trabalho incorporado ao capital, etc. É ao considerar o processo de produção como conteúdo do capital que Marx retoma o problema do trabalho produtivo e improdutivo - já no Caderno III.

Em uma nota marginal onde encerra de vez sua problematização e definição do que se trata trabalho produtivo e improdutivo, destaca que o debate sobre este tema fora exaustivo desde que Adam Smith resolveu distinguir o trabalho nestas duas categorias para elaborar adequadamente sua reflexão econômica. Marx então retoma a objeção feita por um crítico a esta categorização e a responde:

"Não é um absurdo... que o fabricante de pianos deva ser um trabalhador produtivo, mas não do mesmo modo o pianista, ainda que sem o pianista o piano seria um nonsense? Mas assim é, exatamente. O fabricante de pianos reproduz capital; o pianista troca seu trabalho somente por uma remuneração. Mas o pianista produz música e satisfaz nosso sentido musical. Não produz, então, de certo modo ? De fato, o faz: seu trabalho produz algo, mas não por isso é trabalho produtivo em sentido econômico, do mesmo modo que não é produtivo o trabalho do louco que produz fantasmagorias. Só é produtivo o trabalho se produz seu contrário."(8)

A conclusão é fulminante: só é produtivo o trabalho que produz capital. É a partir do objeto de sua investigação - o capital - que Marx definirá o que é ou não o trabalho produtivo. Todo o trabalho que não produza capital não será importante do ponto de vista da construção teórica da economia política, mas quando não houver como se furtar a considerá-lo, passará a ser tratado marginalmente ou compreendido com inúmeras mediações relacionando-se-o ao trabalho produtivo ou ao consumo do que seja por este gerado.

Considerando Marx que certos economistas chamavam o trabalhador improdutivo de indiretamente produtivo, afirma que com isto também eles admitiam que

"...só é produtivo o trabalho que produz capital, e portanto, que o trabalho que não o faz, por útil que possa ser - do mesmo modo que possa ser danoso - não é produtivo para a capitalização, portanto é trabalho improdutivo."(9)

Por outro lado, considerando que outros economistas defendam que a distinção entre produtivo e improdutivo refira-se não à produção, mas ao consumo, afirma Marx:

"Totalmente o contrário. O produtor de tabaco é produtivo, ainda que o consumo de tabaco seja improdutivo. A produção para o consumo improdutivo é tão produtiva como a produção para o consumo produtivo; sempre e quando produza e reproduza o capital. ‘Trabalhador produtivo é aquele que aumenta diretamente a riqueza de seu senhor’, diz por isso, com toda a razão Malthus, pelo menos com razão em um aspecto. A expressão é demasiado abstrata, já que esta formulação se aplica igualmente ao escravo. A riqueza do senhor, no que toca ao trabalhador, é a forma da riqueza mesma em sua relação com o trabalho, o capital. Productive labourer he that directly augments capital. [Trabalhador produtivo é aquele que diretamente aumenta o capital.] (10)"

Ainda no Caderno III, Marx distingue improdutivo e produtivo considerando a imediatez e mediatez do trabalho. "O trabalho, tal como existe para si no trabalhador, em oposição ao capital; o trabalho, pois, em sua existência imediata, separado do capital, não é produtivo. Como atividade do trabalhador, nunca chega a ser produtivo, tampouco, já que o trabalho unicamente entra no processo simples da circulação, só formalmente modificado."(11)

Vemos, portanto, no que toca à definição de trabalho produtivo e improdutivo que Marx cedeu à argumentação de Adam Smith considerando a forma da riqueza mesma em sua relação com o trabalho, isto é, da riqueza como capital. Esclarece também, no Caderno VII, que Smith não poderia ter colocado adequadamente o problema que Marx agora investigava, já que o modo de produção do capital pressupõe o trabalhado livre. Contudo, com o desenvolvimento da relação capital e trabalho a distinção entre trabalho produtivo e improdutivo formulada por Smith permanecia justificada, segundo Marx (12), não havendo porque ceder aos contra-argumentos a tal teoria neste aspecto. Para Marx, Adam Smith "... só erra ao conceber a objetivação do trabalho de maneira bastante grosseira, como trabalho que se fixa em um objeto tangível. Mas em Smith isto é algo secundário, um descuido na forma de expressar-se." (13). Mas este fora o modo que o autor de A Riqueza das Nações encontrara para definir a riqueza que deseja investigar.

Ao afirmar que Smith erra ao conceber a objetivação do trabalho como algo que se fixa em um objeto tangível, estaria supondo Marx que o trabalho possa resultar em algum tipo de bem intangível - como o conhecimento produzido por alguma investigação científica ? Ou seria tal expressão fruto da compreensão que a objetivação do trabalho também se efetiva em todas as etapas do processo produtivo e não apenas no produto final e que todas as forças produtivas são elementos de riqueza? Ao que parece a segunda hipótese é, inicialmente, a mais defensável, pois como afirmará Marx no Caderno V, o desenvolvimento da riqueza significa o mesmo que desenvolvimento das forças produtivas (14). Posteriormente, contudo, o problema da ciência como fator de produção, como um elemento potencializador das forças produtivas, levará Marx a situações delicadas quanto a considerar como produtivo somente o trabalho que diretamente ou imediatamente faz crescer o capital, uma vez que a ciência também será considerada uma forma de riqueza, produzida, paradoxalmente, em um tempo de não trabalho.

 

2. A Ciência como Fator Produtivo
- sua Relação com o Valor, a Produção de Mais-Valia e o Tempo Livre.

No Caderno III dos Grundrisse Marx deixa claro que o progresso da civilização - ou o aprimoramento das forças produtivas sociais - que se deriva da ciência, dos inventos, do melhoramento dos meios de comunicação, da divisão e organização do trabalho, etc, acabam enriquecendo o capital e não o trabalhador, acrescentando poder aos que dominam o trabalho e aumentando a força produtiva do capital (15).

O poder da ciência aparece sobretudo na passagem da manufatura à grande indústria, que correspondem a duas formas distintas do capital produtivo. "Na primeira predomina a divisão do trabalho; na segunda a combinação das forças de trabalho (com um modo uniforme de trabalho) e da aplicação do power científico, desde onde a combinação e, por assim dizer, o espírito coletivo do trabalho se transferem à máquina, etc. Na primeira situação, a massa dos trabalhadores (acumulados) deve ter uma magnitude proporcional ao amount of capital; na segunda, o capital fixo deve estar em proporção ao grande número de trabalhadores que colaboram." (16). Sob ambas as situações, tanto a força coletiva do trabalho é força coletiva do capital quanto a força produtiva da ciência é força produtiva do capital (17).

Posteriormente Marx perceberá que não é apenas a combinação e o espírito coletivo do trabalho que se transferem à máquina na grande indústria, mas que a própria capacidade produtiva do trabalhador passa a ser substituída pela máquina, passagem essa somente possível pela aplicação da ciência à produção, ciência essa que faz parte de uma atividade social que não é trabalho produtivo. A riqueza progressivamente vai deixando de ser criada pelo trabalho vivo para ser criada pelo trabalho objetivado como maquinaria: "Assim como com o desenvolvimento da grande indústria a base sobre a qual esta se funda - a apropriação do tempo de trabalho alheio - deixa de constituir ou criar a riqueza, do mesmo modo o trabalho imediato cessa, com aquela, de ser, enquanto tal, base da produção, por um lado porque se transforma em uma atividade mais vigilante e reguladora, mas também porque o produto deixa de ser produto do trabalho imediato, isolado, e é bem mais a combinação da atividade social a que se apresenta como a produtora."(18)

Anteriormente, no Caderno VI, Marx já havia considerado que o progresso do saber e da experiência é uma grande força social. "Este desenvolvimento , esta progressão social pertence [ao] capital e é explorada por ele. (...) O desenvolvimento histórico, o desenvolvimento político, a arte, a ciência, etc., se desenvolvem nas altas esferas... Mas é o capital o que primeiro capturou o progresso histórico colocando-o ao serviço da riqueza."(19). Na grande indústria fica patente que o progresso do saber, da experiência, da arte e da ciência ampliam ainda mias a possibilidade de produção da riqueza. É justamente o emprego da ciência no processo produtivo o que caracterizará a transição da manufatura à grande indústria.

Retomando uma passagem de Owen, escrita em Six Lectures Delivered at Manchester, transcrita por Marx no Caderno VII, fica evidenciado o papel da força da ciência - o scientific power - colocada a serviço do capital nesta passagem da manufatura à grande indústria. Dizia Owen, "desde o período quando na área da manufatura começou a empregar-se de maneira generalizada o scientific power se operou, neste respeito [na organização e extensão da produção] uma mudança gradual."(20) Esta mudança gradual intriga a Marx de maneira cada vez mais ampla, levando-o a buscar compreender o que preside o seu movimento.

Já nos Cadernos IV e V, considerando como o desenvolvimento das forças produtivas ou da riqueza leva ao dissolução de sucessivos modos de produção e como se articula a produção sob o capital, Marx destaca o forte papel desempenhado pela ciência neste processo:

"O único desenvolvimento da ciência - id est, da forma mais sólida da riqueza, tanto produto como produtora da mesma - era suficiente para dissolver esta comunidade [feudal]. Embora o desenvolvimento da ciência, desta riqueza ideal e também prática, é só um aspecto, uma forma sob a qual aparece o desenvolvimento das forças produtivas, id est de la riqueza."(21)

"A produção fundada sobre o capital cria por uma parte a indústria universal - isto é mais-trabalho, trabalho criador de valor -, por outra parte cria um sistema de exploração geral das propriedades naturais e humanas, um sistema de utilidade geral; como suporte desse sistema se apresentam tanto a ciência como todas as propriedades físicas e espirituais, ao passo que fora dessa esfera da produção e do intercâmbio sociais nada se apresenta como superior-em-si, como justificado-para-si-mesmo".(22)

É curioso perceber que Marx já considerasse aqui a ciência como uma forma sólida de riqueza, produto e produtora da própria riqueza; como suporte do sistema capitalista. A ciência como riqueza não é um bem tangível. Assim, errara Adam Smith ao desconsiderar como riqueza o que não fosse bem tangível, uma vez que com isso não poderia, portanto, considerar a ciência como riqueza econômica. Contudo, com o passar do tempo - no correr dos cadernos -, também Marx começará a ter dificuldades para considerar a ciência como produtora de riqueza ou avaliá-la enquanto capital.

Ele sabe que do mesmo modo que a força coletiva do trabalho produtivo é força coletiva do capital, o desenvolvimento científico - a ciência que nasce de muitos cérebros (23) - implica em desenvolvimento das forças produtivas e do capital (24). Marx, então, ensaia a primeira solução para o problema no final do Caderno VI, que já no início do Caderno VII parece trazer dificuldades ainda maiores: considerar que a ciência possibilita transformar os meios de produção em maquinaria - trabalho produtivo objetivado - e que esta passa a determinar o emprego do trabalho vivo em escala cada vez menor frente a uma produção de riqueza cada vez maior. Como diz Marx,

"a ciência - que obriga os membros inanimados da máquina, conforme ao fim de sua construção, a operar como um autômata - não existe na consciência do trabalhador, mas opera através da máquina como um poder alheio sobre ele, como poder da própria máquina. (...) O processo de produção deixa de ser processo de trabalho no sentido de ser controlado pelo trabalho como unidade dominante. (...) Na maquinaria o trabalho objetivado se apresenta ao trabalho vivo, dentro do processo de trabalho mesmo, como o poder que o domina e no qual consiste o capital - segundo sua forma - enquanto apropriação do trabalho vivo. A inserção do processo de trabalho como mero momento do processo de valorização do capital é posta também desde o ponto de vista material, pela transformação do meio de trabalho em maquinaria e do trabalho vivo em mero acessório vivo dessa maquinaria, em meio para a ação desta."(25)

A ciência, portanto, é produtora de riqueza uma vez que, possibilitando a transformação dos meios de produção em maquinaria, promove um progresso dos meios produtivos frente ao qual "... a força valorizadora da faculdade individual de trabalho desaparece como algo infinitamente pequeno..." (26). Frente ao problema que começa a vislumbrar, isto é, de que a ciência como fator de produção concorre para um modo cada vez mais aprimorado de o capital fixo - como trabalho objetivado - possibilitar produzir um volume ainda maior de capital com dependência cada vez menor da quantidade de trabalho vivo empregado, Marx insiste na primeira solução afirmando que a ciência é fonte de riqueza somente quando se efetiva como capital fixo, como trabalho objetivado:

"A acumulação do saber e da destreza, das forças produtivas gerais do cérebro social, é absorvida assim, com respeito ao trabalho, pelo capital e se apresenta desde aí como qualidade do capital, e mais precisamente do capital fixo, na medida em que este ingressa como verdadeiro meio de produção ao processo produtivo. A maquinaria, pois, se apresenta como a forma mais adequada do capital fixo e o capital fixo ... como a forma mais adequada do capital em geral. Por outro lado, na medida em que o capital fixo está imobilizado em sua existência como valor de uso determinado, não corresponde ao conceito de capital, que enquanto valor é indiferente a toda forma determinada de valor de uso e pode assumir ou abandonar qualquer delas como encarnação diferente. Desde este ponto de vista, o da relação do capital para fora, o capital circulante aparece como a forma adequada de capital, com respeito ao capital fixo."(27)

Desenvolvendo as implicações deste argumento no final do Caderno VI e na primeira parte do Caderno VII, Marx se depara com algumas novas dificuldades. Uma delas é que o trabalho social em sua qualidade genérica não está mais no trabalhador vivo e sim na maquinaria, que sendo capital fixo, nos leva a concluir que é no capital onde se representa o trabalho geralmente social. O capital, portanto, negando o trabalho, incorpora a propriedade da identidade geral do trabalho. Outra dificuldade é que o processo do trabalho em que o trabalho vivo está subsumido pelo trabalho objetivado, resulta da aplicação tecnológica da ciência que é uma força produtiva; a ciência como tal, entretanto, não é produzida sob um trabalho produtivo economicamente, pois não faz aumentar imediatamente o capital. Contudo, este trabalho não produtivo, realizado em um tempo de não-trabalho, é fonte daquilo que possibilita, pela incrementação tecnológica das forças produtivas, dispensar trabalho produtivo do processo de produção - isto é, a ciência é fonte de tecnologia que convertendo-se em capital fixo possibilita reduzir o emprego de trabalho vivo e aumentar o volume do capital produzido. Daí Marx terá que concluir que o tempo de trabalho terá que deixar de ser a medida do valor e que o tempo de não-trabalho se ampliará como resultado desta contradição intrínseca do capital, embora inicialmente - talvez pensando na manufatura ou na fase inferior da grande indústria - afirmasse que a ampliação da acumulação do capital implicasse em uma exploração cada vez maior do trabalho vivo.

Vejamos como estas questões emergem nos Grundrisse:

"Na medida em que a maquinaria, ademais, se desenvolve com a acumulação da ciência social, da força produtiva em geral, não é no trabalhador mas no capital onde está representado o trabalho geralmente social. (...) Na maquinaria, o saber aparece ao trabalhador como algo alheio e externo, e o trabalho vivo aparece subsumido sob a sua atuação objetivada, independente. O trabalhador aparece como supérfluo, na medida em que sua ação não está condicionada pela necessidade do capital. (...) ... o processo inteiro da produção, contudo, não aparece como subsumido sob a habilidade direta do trabalhador, mas como aplicação tecnológica da ciência. Dar à produção um caráter científico é, desde aí, a tendência do capital, e se reduz o trabalho imediato a mero momento desse processo.(...) (28)

"Na mesma medida em que o tempo de trabalho - o mero quanto de trabalho - é posto pelo capital como único elemento determinante, na mesma medida desaparecem o trabalho imediato e sua quantidade como princípio determinante da produção - da criação de valores de uso -; tanto o trabalho imediato se vê reduzido quantitativamente a uma proporção mais exígua, como qualitativamente a um momento sem dúvida imprescindível, mas subalterno, seja frente ao trabalho científico geral, à aplicação tecnológica das ciências naturais por um lado, seja por outro lado frente à força produtiva geral resultante da divisão social da produção global, força produtiva que aparece como dom natural do trabalho social (ainda que [seja, na realidade, um] produto histórico). O capital trabalha, assim, em favor de sua própria dissolução como forma dominante da produção." (29)

Marx considera como tempo de trabalho aqui o tempo que o homem e a máquina, interpenetrando a ação produtiva do trabalho vivo com a ação produtiva do trabalho objetivado, gastam para produzir a mercadoria. A ação produtiva da maquinaria - cuja importância é cada vez maior frente ao trabalho vivo imediato - só é possível graças à aplicação da ciência ao processo produtivo como mediação tecnológica. Marx passa a considerar que a produção de uma riqueza cada vez maior com uma quantidade cada vez menor de trabalho vivo avançaria progressivamente favorecendo à própria dissolução do capitalismo - como veremos algumas páginas mais à frente.

A grande indústria é analisada agora, por Marx, em sua fase superior, isto é, quando máquinas realizam o mesmo trabalho que antes era feito pelo trabalhador e quando o capital coloca a seu serviço todas as ciências. Nesta fase superior as invenções se transformam em um ramo de atividade econômica, uma vez que a aplicação da ciência à produção é o que possibilita aumentar a magnitude do lucro, reduzindo o tempo de trabalho necessário e diminuindo o volume de trabalho vivo necessário à produção de um mesmo volume de mercadoria. Fica patente, portanto, que a análise da forma de capital produtivo feita por Marx distingue não apenas a variação que possui o trabalho vivo como fonte de valor na manufatura e na grande indústria, como nesta última, caracteriza duas etapas em que, especialmente na superior, o volume de trabalho vivo empregado se torna cada vez menos importante face à possibilidade de gerar riqueza pelo emprego da ciência no processo produtivo.

"A apropriação do trabalho vivo pelo capital adquire na maquinaria, também neste sentido, uma realidade imediata. Por um lado, o que permite às máquinas executar o mesmo trabalho que antes era efetuado pelo trabalhador, é a análise e aplicação - que dimanam diretamente da ciência - de leis mecânicas e químicas. O desenvolvimento da maquinaria por essa via, entretanto, só se verifica quando a grande indústria alcançou já um nível superior e o capital capturou e pôs a seu serviço todas as ciências; por outra parte, a mesma maquinaria existente oferece grandes recursos. As invenções se convertem, então, em ramo de atividade econômica e a aplicação da ciência à produção imediata mesma se torna um critério que determina e incita a esta." (30)

Marx registra, entretanto, que fase superior da grande indústria é fruto de uma análise científica da divisão e especialização do trabalho nas fases anteriores do capital, que possibilita transferir tarefas do trabalhador para a máquina. Seguindo rigorosamente o percurso da investigação do valor que ele próprio vinha desenvolvendo, fica patente, para Marx, não haver contradição em ser a exploração do trabalho vivo na manufatura o que possibilita o surgimento da grande indústria, na qual a maquinaria que substitui o trabalho vivo passa a ser a grande força produtiva de acumulação.

"Esse caminho é a análise, através da divisão do trabalho, a qual transforma já em mecânicas as operações dos trabalhadores, cada vez mais, de tal sorte que, em certo ponto, o mecanismo pode introduzir-se no lugar deles. (para economia de energia). O modo determinado de trabalho, pois, se apresenta aqui diretamente transferido do trabalhador ao capital sob a forma da máquina, e em virtude desta transposição, se desvaloriza sua própria capacidade de trabalho. Daí a luta dos trabalhadores contra as máquinas. O que era atividade do trabalhador vivo, se converte na atividade da máquina." (31)

Esta linha de raciocínio prepara o desfecho final da argumentação de Marx: o desenvolvimento das forças produtivas - especialmente em razão da ciência - levam o capital a depender cada vez menos do mais-trabalho da massa como condição de sua expansão e à redução do tempo de trabalho necessário da sociedade a um mínimo criando, portanto, um tempo livre em que se torna possível o desenvolvimento científico e artístico graças ao meios criados para todos. A riqueza agora não mais se funda no "roubo do tempo de trabalho alheio", uma vez que o trabalho imediato ou produtivo deixa de ser a grande fonte da riqueza e também sua medida, sendo o pilar da produção da riqueza a apropriação da força produtiva geral do homem, sua compreensão da natureza, o desenvolvimento do indivíduo social, cujo tempo livre é cada vez maior em razão da própria produtividade capitalista. Quanto a isto, Marx parece claramente convencido no Caderno VII:

"Na medida, entretanto, em que a grande indústria se desenvolve, a criação da riqueza efetiva se torna menos dependente do tempo de trabalho e do quanto de trabalho empregados, que do poder dos agentes postos em movimento durante o tempo de trabalho, poder que por sua vez - sua poderosa eficácia - não guarda relação alguma com o tempo de trabalho imediato que custa sua produção, mas que depende bem mais do estado geral da ciência e do progresso da tecnologia, ou da aplicação desta ciência à produção. (...) O trabalhador... se apresenta ao lado do processo de produção, em lugar de ser seu agente principal. Nesta transformação o que aparece como pilar fundamental da produção e da riqueza não é nem o trabalho imediato executado pelo homem, nem o tempo que este trabalha, mas a apropriação de sua própria força produtiva geral, sua compreensão da natureza e seu domínio da mesma graças à sua existência como corpo social; em uma palavra, o desenvolvimento do indivíduo social. O roubo do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se funda a riqueza atual, aparece como uma base miserável comparado com este fundamento, recém desenvolvido, criado pela grande indústria mesma. Tão pronto como o trabalho em sua forma imediata cessa de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem que deixar, de ser sua medida e portanto o valor de troca [deixa de ser a medida] do valor de uso. O mais-trabalho da massa deixa de ser condição para o desenvolvimento da riqueza social, assim como o não-trabalho de uns poucos cessa de sê-lo para o desenvolvimento dos poderes gerais do intelecto humano. Com isso, desmorona a produção fundada no valor de troca, e ao processo de produção imediato se lhe cancela a forma da necessidade imposta e do antagonismo. Desenvolvimento livre das individualidades, e por isso não redução do tempo de trabalho necessário com vistas a por mais-trabalho, mas em geral redução do trabalho necessário da sociedade a um mínimo, ao qual corresponde então à formação artística, científica, etc., dos indivíduos graças ao tempo que se tornou livre e aos meios criados para todos." (32)

Neste movimento em que o capitalismo vai engendrando a sua própria dissolução, graças à incrementação do processo produtivo em razão da ciência produzida no tempo de não-trabalho, o tempo de trabalho deixa de ser a medida da riqueza que passa a ser o "disposable time", isto é, o tempo livre ou o tempo de não-trabalho, ou o tempo disponível em que, além de inúmeras outras coisas, se produz a ciência e arte, pois "com relação a toda a sociedade, a criação de tempo disponível é também, pois, criação de tempo para a produção científica, artística, etc."(33) Mas como manter alguma unidade real de valor para avaliar a mercadoria se o tempo de trabalho vivo não é mais a sua fonte e se a medida de riqueza de uma sociedade passa a ser o disposable time ? Frente a este problema, Marx argumentará que o capitalista, lutando contra a perda da referência do valor, tenta ainda reduzir as gigantescas forças sociais criadas ao tempo de trabalho (vivo e objetivado) gasto na produção da mercadoria. Esta é a única alternativa que resta ao capitalista para que não se dilua todo o valor que já acumulou.

"O capital mesmo é a contradição em processo, [pelo fato de] que tende a reduzir a um mínimo o tempo de trabalho, ao passo que por outro lado põe o tempo de trabalho como única medida e fonte da riqueza. Diminui pois o tempo de trabalho na forma de tempo de trabalho necessário, para aumentá-lo na forma do trabalho excedente; põe, portanto, em medida crescente, o trabalho excedente como condição - questão de vida e de morte - do necessário. Por um lado desperta à vida todos os poderes da ciência e da natureza, assim como o da cooperação e do intercâmbio sociais, para fazer que a criação da riqueza seja (relativamente) independente do tempo de trabalho empregado nela. Por outro lado, se propõe medir com o tempo de trabalho essas gingantescas forças sociais criadas de tal sorte a reduzi-las aos limites requeridos para que o valor já criado se conserve como valor. As forças produtivas e as relações sociais... aparecem ao capital unicamente como meios, e não são para ele mais que meios para produzir, fundando-se em sua base mesquinha. De fato, contudo, constituem as condições materiais para fazer saltar essa base pelos ares. ‘Uma nação é verdadeiramente rica quando em vez de 12 horas se trabalham 6. Wealth [riqueza] não é disposição de tempo de mais-trabalho’ (riqueza efetiva), ‘mas disposable time, à parte do tempo usado na produção imediata, para cada indivíduo e toda a sociedade’ [The Source and Remedy, etc., 1821, p. 6] (34)

Curiosamente vemos agora que a riqueza de uma nação nem se resume aos produtos tangíveis que, como tal, possam ser mensurados economicamente, como queria Adam Smith, nem nas forças produtivas que possibilitam ampliar o volume de capital, como formulara inicialmente Marx, mas ao tempo livre em que se produzem, entre outras coisas, a arte e a ciência. Ainda no Caderno VII, Marx leva essa tese às últimas conseqüências, mostrando como o disposable time se torna a medida da riqueza.

"A criação de muito disposable time - à parte do tempo de trabalho necessário -, para a sociedade em geral e para cada membro da mesma..., esta criação de tempo de não-trabalho, aparece desde o ponto de vista do capital, do mesmo modo que em todas as fases precedentes, como tempo de não-trabalho, tempo livre para alguns. O capital, além disso, aumenta o tempo de mais-trabalho da massa mediante todos os meios da arte e da ciência, uma vez que sua riqueza consiste diretamente na apropriação do tempo de mais-trabalho; já que seu objetivo é diretamente o valor, não o valor de uso. Deste modo, contra a sua própria vontade, é instrumental na criação das possibilidades do tempo social disponível, para reduzir a um mínimo decrescente o tempo de trabalho de toda a sociedade e assim, tornar livre o tempo de todos para o próprio desenvolvimento dos mesmos. Sua tendência, contudo, é sempre por um lado a de criar disposable time, e por outro a de convertê-lo em mais-trabalho. Se é demasiadamente bem sucedido quanto ao primeiro, experimenta uma superprodução e então se interromperá o trabalho necessário, porque o capital não pode valorizar mais-trabalho algum. Quanto mais se desenvolve esta contradição, tanto mais se coloca desde aqui que o crescimento das forças produtivas já não pode estar ligado à apropriação de mais-trabalho alheio, mas que a massa trabalhadora mesma deve apropriar-se de seu mais-trabalho. Uma vez que o faça - e com isso o disposable time cessará de ter uma existência antitética -, por uma parte o tempo de trabalho necessário encontrará sua medida nas necessidades do indivíduo social e por outra o desenvolvimento da força produtiva social será tão rápido que, ainda que agora a produção se calcula em função da riqueza comum, crescerá o disposable time de todos. Pois a riqueza efetiva é a força produtiva desenvolvida de todos os indivíduos. Já não é então, em modo algum, o tempo de trabalho, a medida da riqueza, mas o disposable time. O tempo de trabalho como medida da riqueza põe a riqueza mesma como fundada sobre a pobreza e ao disposable time como existente em e em virtude da antítese com o tempo de mais-trabalho, ou bem coloca todo o tempo de um indivíduo como tempo de trabalho e conseqüentemente o degrada a mero trabalhador, o subsume no trabalho." (35)

Convém destacar as categorias que Marx utiliza para referir-se a esse tempo não aplicado ao trabalho produtivo: disponibler Zeit ou disposable time, Nicht-Arbeitszeit, freie Zeit - literalmente, tempo disponível, tempo de não-trabalho, tempo livre. De todas essas expressões, a que Marx mais emprega é disposable time, sempre grafada desse modo, em inglês. Será que Marx entendia tempo disponível como um tempo não-ponível no processo produtivo, na forma de trabalho produtivo, sob a lógica de acúmulo do capital quando o scientific power predomina como fonte criadora de valor forçando a concorrência entre os capitais pelo aprimoramento da tecnologia ? Essa é sem dúvida uma das possíveis interpretações dessa expressão. De outra parte, frente ao tempo de trabalho necessário e ao tempo de mais-trabalho (ou trabalho excedente) o tempo de não-trabalho também existiu em modos de produção anteriores reservado a pequenas parcelas sociais. Contudo, graças a alta produtividade do capitalismo e à concentração de riqueza que lhe é inerente amplia-se o tempo de não-trabalho para toda a sociedade. Quanto mais rica for uma sociedade, maior será o disposable time de todos; em tal sociedade o trabalho vivo, empregado em margens cada vez menores, será deslocado da produção dos bens de consumo para a produção de bens de capital, isto é, meios de produção.

Assim, paralelamente ao fato de que se amplia o tempo livre ou disposable time em razão do trabalho objetivado como capital fixo na forma de maquinaria substituir o trabalho vivo, Marx destaca que um volume cada vez maior de trabalho vivo passa a ser empregado em um trabalho não diretamente produtivo pelo qual a maquinaria é efetivada, trabalho esse que, imediatamente, não produz capital.

"O desenvolvimento do capital fixo revela, desde outro ponto de vista, o grau de desenvolvimento alcançado pela riqueza em geral ou o desenvolvimento do capital. O objeto da produção orientada imediatamente para o valor de uso, e portanto diretamente para o valor de troca, é o produto mesmo, destinado para o consumo. A parte da produção orientada para a produção do capital fixo não possui diretamente objetos de desfrute, nem tampouco valores de troca imediatos; pelo menos não produz valores de troca realizáveis de maneira imediata. Portanto, que se empregue uma parte cada vez maior do tempo de produção para produzir meios de produção, depende do grau de produtividade já alcançado, de que uma parte do tempo de produção baste para a produção imediata. Isso implica que a sociedade pode esperar; que uma grande parte da riqueza já criada possa ser desviada tanto do desfrute imediato quanto da produção destinada ao desfrute imediato, com vistas a ser empregada em um trabalho não diretamente produtivo (dentro do processo mesmo de produção)."(36)

Assim, na mesma medida em que se reduz o volume de trabalho vivo produtivamente empregado crescem tanto o tempo de não-trabalho em que se produz a ciência quanto o tempo de trabalho não produtivo em que se realiza a produção de meios de produção ampliando as forças produtivas em razão da aplicação dos conhecimentos científicos na inovação da maquinaria.

Compreendendo como necessário todo esse movimento de transformação econômica, Marx enunciará como lei a tendência progressiva na queda da taxa de lucros, que ocorre simultaneamente à ampliação do volume do capital acumulado. Vejamos melhor a construção de seu argumento sobre isso.

O necessário investimento de capital em trabalho não produtivo, que resulta na efetivação de capital fixo na forma de maquinaria que não amplia o capital, somente pode ser compensado pela recuperação futura deste investimento, quando da venda do produto final, que será produzido em maior quantidade e melhor qualidade empregando menos volume de trabalho vivo por unidade produzida. Por outro lado, o volume geral gasto em salário é cada vez menor, sendo cada vez menor o potencial de consumo no mercado, ao passo que o volume de mercadorias produzido com menos trabalho vivo é proporcionalmente cada vez maior. Têm-se, assim, uma tendência de queda do valor da mercadoria - não apenas de seu preço - e portanto de queda na taxa de lucros, uma vez que no produto final tem-se que abater o gasto em capital constante realizado para o aprimoramento da maquinaria. Paralelamente à queda da taxa de lucro têm-se um aumento da magnitude do lucro, dado o volume ou escala de mercadoria vendida - o investimento de capital em volume de 100 com uma taxa de lucro de 10%, gera uma magnitude de lucro menor que um investimento de capital maior em volume de 1.000 com uma taxa de lucro de 2%. Considerando-se que, na competição entre capitais, os que ampliam a produtividade em razão de inovação tecnológica abaixam o valor da mercadoria - se comparada ao capital que a produz com tecnologia inferior, uma vez que tal avanço tecnológico possibilita produzir abaixo do tempo médio socialmente necessário à produção daquela mercadoria - e, se considerarmos que essa competição tende a se acirrar na medida em que mais se investe em trabalho vivo não produtivo que produz meios produtivos tecnologicamente mais produtivos, têm-se então uma tendência à queda na taxa de lucro. Assim diz Marx,

"... se a taxa de benefício decresce para o capital maior, mas não em proporção à sua magnitude, crescerá o gross profit ainda que diminua a taxa de benefício. Se a taxa de benefício diminui mas em proporção a sua magnitude, o gross profit se manterá igual ao do capital menor; se conservará estacionário. Se decresce a taxa de benefício em proporção maior ao que cresce sua magnitude, decrescerá o gross profit do capital maior, comparado com o menor, tanto como decresça a taxa do benefício. É essa, em todo aspecto, a lei mais importante da moderna economia política e a essencial para compreender as relações mais difíceis. É, desde o ponto de vista histórico, a lei mais importante. É uma lei que, embora a sua simplicidade, até agora nunca foi compreendida e, menos ainda, expressada conscientemente. Como esta diminuição da taxa de benefício equivale ao seguinte: 1) a força produtiva já produzida e a base material que constitui aquela para a nova produção; isto pressupõe, por sua vez, um enorme desenvolvimento de scientific powers; 2) à redução daquela parte do capital já produzido que se intercambia por trabalho imediato, isto é, a diminuição do trabalho imediato requerido para a reprodução de um enorme valor que se expressa em uma grande massa de produtos (37); grande massa de produtos a baixos preços, porque a soma total dos preços é = ao capital reproduzido + o benefício; 3) [para] a dimensão do capital em geral, também para a parte do mesmo que não é capital fixo; ou seja um comércio imensamente desenvolvido, grande número de operações de câmbio, amplitude do mercado e universalidade do trabalho simultâneo; meios de comunicação, etc.; disponibilidade do necessário fundo de consumo para efetuar esse processo descomunal (os trabalhadores comem, necessitam casas, etc)."(38)

Não é possível compreender adequadamente esta formulação válida para o nível superior da grande indústria se se entende a taxa de lucro sob os parâmetros vigentes na manufatura onde o trabalho vivo era considerado a única fonte produtora de valor e portanto a taxa de lucro era calculada considerando-se essencialmente o tempo de trabalho necessário e o tempo de mais-trabalho ( ou trabalho excedente). Aqui além de considerar-se a ação do trabalho vivo do ser humano, há considerar-se também a ação do trabalho objetivado da maquinaria.

"A taxa de benefício, pois, não está determinada só pela proporção entre mais-trabalho e trabalho necessário, ou a proporção segundo a qual o trabalho objetivado se intercambia por trabalho vivo, mas pela proporção que em geral medeia o trabalho vivo empregado e o trabalho objetivado; entre a parte do capital que em geral se intercambia por trabalho vivo, e a parte que intervém na qualidade de trabalho objetivado no processo de produção."(39)

Contudo, o que importa a Marx destacar como conseqüência desta lei sobre a tendência de queda na taxa de lucro é que, sob sua lógica, haveria de ocorrer o desaparecimento do trabalho assalariado, diluindo-se a referência capitalista do valor - face ao que ocorrem as grandes crises que acabam repondo o próprio capitalismo. Crises e cataclismos levam à suspensão temporária do trabalho e violenta aniquilação de grande parte do capital, possibilitando-lhe retomar novamente seu movimento; em outras palavras violentas aniquilações do capital são compreendidas, a partir desta lei econômica, como condições da própria auto-conservação temporária do capital.

"Põem-se assim de manifesto que a força produtiva material já disponível, já elaborada, existente sob a forma de capital fixo - tal como o scientific power, tal como a população, em suma tal como todas as condições da riqueza, isto é, as condições máximas para a reprodução riqueza ... - que o desenvolvimento das forças produtivas motivado pelo capital mesmo em seu desenvolvimento histórico, uma vez chegado a certo ponto, anula a auto-valorização do capital em vez efetivá-la. A partir de certo momento, o desenvolvimento das forças produtivas se torna um obstáculo para o capital; portanto a relação do capital se torna uma barreira para o desenvolvimento das forças produtivas do trabalho. O capital, quer dizer o trabalho assalariado, chegado a este ponto entra na mesma relação com o desenvolvimento da riqueza social e das forças produtivas que o sistema corporativo, a servidão da gleba e a escravidão, e, em sua qualidade de trava, se elimina necessariamente. Com isso se cancela a última figura servil assumida pela atividade humana, a do trabalho assalariado por um lado e do capital por outro, e este despojamento mesmo é o resultado do modo de produção adequado ao capital; as condições materiais e espirituais para a negação do trabalho assalariado e do capital, as quais são já a negação de formas precedentes de produção social, são por sua vez resultados do processo de produção característico do capital. Em agudas contradições, crises, convulsões se expressa a crescente inadequação do desenvolvimento produtivo da sociedade a suas relações de produção até hoje vigentes. A violenta aniquilação de capital, não por circunstâncias alheias ao mesmo, mas como condição de sua auto-conservação, é a forma mais contundente em que se lhe adverte que se vá e que deixe lugar a um estádio superior de produção social. Não se trata somente do incremento do scientific power, mas da medida na qual a mesma esta posta como capital fixo, do volume da amplitude com que está realizada e se apoderou da totalidade da produção."(40)

Mais à frente, contudo, Marx reformula a mesma tese sob outra expressão, mostrando como esse processo é também uma degradação extrema do trabalhador frente ao movimento do capital. Contudo, recolocando o problema destas contradições afirma que as crises pelas quais passa o capitalismo nestas condições engendram novas bases para retomar a sua própria marcha em condições mais favoráveis até que chega à derrocada final:

"... o capital fará todos os esforços para por limite à mingua da proporção entre o trabalho vivo e a magnitude do capital em geral, e portanto também entre a mais-valia, quando está expressa como benefício, e o capital investido reduzindo a parte que toca ao trabalho necessário e expandindo ainda mais a quantidade de mais-trabalho com respeito a todo trabalho empregado. Daí que o máximo desenvolvimento da força produtiva, junto com a expansão máxima da riqueza existente, coincida com a depreciação do capital, a degradação do trabalhador e a prostração mais absoluta de suas faculdades vitais. (...) Estas contradições, certamente, têm como resultado estrondos, crises nos quais a anulação momentânea de todo trabalho e a destruição de grande parte do capital o fazem voltar violentamente ao ponto no qual está em condições de empregar cabalmente suas forças produtivas sem suicidar-se por isso. Contudo, estas catástrofes regularmente recorrentes tem como resultado sua repetição em maior escala e, por último, o derrocamento violento do capital."(41)

O raciocínio cristalino de Marx nos Grundrisse é adequadamente compreendido se considerarmos o capitalismo, essencialmente, como um regime de contratação de trabalho por assalariamento: "última figura servil assumida pela atividade humana, a do trabalho assalariado por um lado e do capital por outro". Contudo, veremos no final deste trabalho que o restrito conceito de trabalho produtivo desde o qual Marx analisa a sociedade capitalista não permite compreender adequadamente ao próprio capital. Veremos que o trabalho considerado improdutivo por Marx também é gerador de riquezas e que os excluídos do trabalho produtivo, em seu "disposable time" geram riquezas - por exemplo, na economia informal - que completam o ciclo da produção do capital ao consumir o que é produzido sob sua dinâmica, podendo portanto o capitalista continuar acumulando indefinidamente enquanto houver qualquer outra forma de geração de riquezas, mesmo que sejam meramente fictícias ou virtuais.

Essas reflexões que Marx desenvolve nos Grundrisse, contudo, evidenciam que, em 1858, ele está às voltas com várias dificuldades a serem equacionadas e categorias a serem criadas para tanto. Duas questões de fundo se colocam nesta trajetória. A primeira é a definição de riqueza e de como medi-la; a segunda, por sua vez, é o caráter de cientificidade da própria teoria que Marx está formulando. A resposta da primeira questão, dependerá da segunda. Somente resolvendo este duplo problema O Capital poderia ser, para Marx, uma obra sólida e consistente.

Sobre a definição de riqueza, parece-nos rigorosa a trajetória de Marx no emprego do método dialético. Ao definir riqueza como conjunto das forças produtivas, Marx supera - desde o início - a posição de Adam Smith que a reduzia a bens tangíveis com valor de troca quantificáveis economicamente. Na avaliação da riqueza (como fora inicialmente concebida por Marx) as próprias forças produtivas - compostas fundamentalmente pelo trabalho vivo, pela maquinaria e pela ciência - são postas em movimento. Na manufatura, a principal fonte de riqueza era o trabalho vivo; quanto maior a população trabalhadora, maior a quantidade de força de trabalho disponível para a geração da riqueza. A forma geral da riqueza frente ao trabalho produtivo, contudo, é o capital que ao colocar as forças produtivas em movimento, acaba por acumular o valor excedente gerado pelo trabalho vivo. Na primeira fase da grande indústria, contudo, a tecnologia produzida pela ciência cria a maquinaria capaz de substituir consideráveis parcelas do trabalho vivo empregado no processo produtivo, reduzindo-se o tempo de trabalho gasto na produção da mercadoria. Aqui a principal fonte de riqueza vai se tornando a força social geral - resultado da produção científica geral, especialmente das ciência naturais, aplicadas no processo produtivo na forma de tecnologia sob a mediação tanto da maquinaria quanto da restruturação organizativa da produção global. O capital como forma geral da riqueza frente ao trabalho produtivo, produz novas forças produtivas ainda maiores com o aprimoramento do capital fixo na forma de maquinaria e acumula excedentes ainda maiores, gerados agora pelo trabalho objetivado da maquinaria - somente possível pelo desenvolvimento científico. A ciência - produzida pelo trabalho humano improdutivo - é a grande fonte mediata da riqueza e o capital produtivo, voltando-se ao aprimoramento do capital fixo na concorrência entre os capitalistas, incita a produção científica. Por fim, na fase superior da grande indústria, o capital que se valoriza dependendo cada vez menos de trabalho imediato produtivo determina o aumento cada vez maior do tempo de não-trabalho para o conjunto da sociedade. Como o aumento do tempo de não-trabalho possibilita o desenvolvimento ainda maior da ciência e da arte, a riqueza de uma sociedade passa a ser compreendida como o aumento do tempo disponível acarretado pela altíssima produção de mercadorias por máquinas autômatas que pouco dependem do trabalho vivo em seu controle. Assim, têm-se por um lado uma abundância de mercadorias a preços baixos e por outro lado, uma abundância de trabalhadores que não têm como trabalhar produtivamente para o capital, uma vez que o emprego do trabalho humano implica mais custos e menos produtividade que o aprimoramento do capital fixo. Embora seja o momento de maior produção de volume de riqueza, é por outro lado, o momento de sua maior concentração. Esta seria a última fase antes de o capitalismo dar lugar a um novo modo de produção, após várias crises cíclicas.

Frente a essa trajetória dialética da identidade da riqueza, do capital frente ao trabalho, e de sua transformação, como constituir categorias adequadas para compreendê-lo neste seu movimento ? Marx sabe que é possível quantificar o tempo de trabalho vivo empregado na produção de uma mercadoria. Mas como quantificar o valor econômico de uma descoberta científica ? Como não perder a unidade do valor econômico frente ao tempo livre ? Como converter o disposable time em medida da riqueza econômica ?

Ao que parece, do ponto de vista histórico, Marx extrai as conseqüências do desenvolvimento do capitalismo, mas do ponto de vista econômico está frente a um impasse. A ciência econômica descreve uma sociedade presente ou desvenda leis que presidam os movimentos presentes e futuros das sociedades ? Mas se o capital dará lugar a um novo modo de produção, as leis econômicas válidas para o capital deixariam de valer a partir de então ? Mesmo frente às fases internas do capitalismo, esta dificuldade já não seria perceptível na passagem da manufatura à grande indústria?

Isto é, poder-se-ia aplicar as mesmas equações sobre a produção do valor e da mais-valia para os dois momentos ? Se as categorias mais complexas permitem compreender as realidades mais simples, então as categorias adequadas a compreender a fase superior da grande indústria seriam também capazes de desvendar o acúmulo de capital ainda na manufatura; mas por outro lado, outro conjunto de categorias mais simples que explicassem o acúmulo de capital na manufatura poderiam ser insuficientes para explicá-lo na fase superior da grande indústria. O que fazer ?

A fase superior da grande indústria, para Marx, está apenas prenunciada em sua época. Empiricamente não pode investigá-la como uma forma dominante de produção. Seria temerário, cientificamente, supor o que viria para, a partir de então, compreender o que já é. Ciência não é utopia. O que Marx vê, concretamente, é que a grande indústria vai superando a manufatura graças à substituição do trabalho vivo pela atividade produtiva da máquina que foi tornada possível pela mediação da ciência. Tomando a decisão que lhe parecia a mais razoável, Marx abandona em O Capital a investigação sobre o disposable time como riqueza e considerará a ciência como fator produtivo apenas na forma de maquinaria. Assim poderá manter o tempo de trabalho vivo empregado pelo capital como referência de valor econômico. Consolidará então as duas categorias fundamentais para compreender a exploração do trabalho: a mais-valia absoluta e a mais-valia relativa - sendo que ambas operam na grande indústria ao passo que a primeira é a chave da manufatura.

O Capital se construirá assim com a rigorosidade científica que Marx almeja, embora seja uma ciência sobre os fenômenos de sua época. Contudo, se estiver correta a sua análise nos Grundrisse sobre a etapa superior da grande indústria, qual seria o desenvolvimento mais adequado de sua ciência para fazer-lhe frente ? Teria produzido Marx outras categorias em O Capital que indiretamente equacionassem esses problemas quanto à perda de referência do valor e permitissem recolocar o futuro disposable time sob outras chaves de leitura ?

__________________________________

NOTAS

1. Sobre a datação dos cadernos seguimos a referência de Enrique Dussel, La Producción Teórica de Marx - Un comentario a los Grundrisse. Siglo Veintiuno Editores, México, 1985

2.Grundrisse, Vol. 1 (Caderno II), p. 215. Marx escreveu os Grundrisse em alemão; freqüentemente, contudo, redigia períodos, frases ou expressões em inglês, outras vezes em francês e valeu-se, de vez em quando, de termos em latim e grego. Optamos, nas citações que fizemos, por traduzir todo o texto ao português, mantendo em outro idioma apenas expressões-chave, tais como disposable time (tempo disponível), scientific power (força ou poder da ciência), entre outros, que operam de maneira quase categorial, ou expressões que facilitem relações intertextuais. Tomamos por base a tradução ao espanhol por Pedro Scaron publicada, sob o título Elementos Fundamentales para la Crítica de la Economia Política (Grundrisse) 1857~1858, pela editora Siglo Veintiuno em 3 volumes em 1972. Usamos aqui a décima edição de 1985. Para fins de cotejamento desta tradução com o original de Marx, utilizamos a publicação realizada pelo Instituto Marx-Engels-Lenin com o título Grundrisse der Kritik der politischen Ökonomie. Dietz Verlag Berlin, 1974. Para facilitar as remissões, as citações indicando volumes e cadernos referem-se à tradução ao espanhol, ao passo que as citações indicando como fonte MELIM, referem-se à organizada pelo Marx-Engels-Lenin-Institut Moskau.

3.Grundrisse, Vol. 1 (Caderno III), p. 246

4.Grundrisse, Vol. 1 (Caderno II), p. 213-214

5.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno II), p. 214-215

6.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno II), p. 215.

7.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno V), p. 48

8.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno III), p. 245-246

9.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno III), p. 246

10.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno III), p. 246 O capital, por sua vez, também é produtivo porque realiza o desenvolvimento das forças produtivas sociais, chegando ao ponto de negar o trabalho como tal para convertê-lo no desenvolvimento pleno da atividade mesma: "Em sua aspiração incessante pela forma universal da riqueza, o capital, contudo, impulsiona o trabalho mais além dos limites de sua necessidade natural e cria assim os elementos materiais para o desenvolvimento da rica individualidade, tão multilateral em sua produção como em seu consumo, e cujo trabalho, desde aí, tampouco se apresenta já como trabalho, mas como desenvolvimento pleno da atividade mesma, na qual desapareceu a necessidade natural em sua forma direta, porque uma necessidade produzida historicamente substituiu a natural. Por esta razão o capital é produtivo; quer dizer, é uma relação essencial para o desenvolvimento das forças produtivas sociais. Somente deixa de sê-lo quando o desenvolvimento dessas forças produtivas encontra um limite no capital mesmo." Grundrisse. Vol. 1 (Caderno III), p. 266-267

11.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno III), p. 249

12.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 415

13.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 415

14.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno V), p. 31

15.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno III), p. 248-249

16.Grundrisse (Ed. Siglo Veintiuno). Vol. 2, (Caderno VI), p. 87. Como diz Marx em outra passagem, a reprodução do capital se realiza sobre o pressuposto "... da ação do capital fixo, da matéria-prima e do scientific power, tanto enquanto tais como em sua qualidade de elementos assimilados à produção e inclusive já realizados nela." O capital fixo não apenas é trabalho objetivado como necessita ser continuamente reproduzido pelo trabalho. Grundrisse. Vol. 2, (Caderno VII), p. 300

17.Grundrisse (Ed. Siglo Veintiuno). Vol. 2, (Caderno VI), p. 86

18.Grundrisse (Ed. Siglo Veintiuno). Vol. 2, (Caderno VII), p. 232

19.Grundrisse (Ed. Siglo Veintiuno). Vol. 2, (Caderno VI), p. 91-92

20.Owen, apud Marx. In: Grundrisse. Vol. 2, (Caderno VII), p. 238

21.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno V), p. 32. O colchete é nosso.

22.Grundrisse. Vol. 1 (Caderno IV), p. 362

23.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VI), p. 116

24.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VI), p. 86

25.Grundrisse. (Ed. Siglo Veintiuno) (Caderno VI) Vol. 2, p. 219 "Die Wissenschaft, die die unbelebten Glieder der Maschinerie zwingt durch ihre Konstruktion zweckgemäß als Automat zu wirken, existiert nicht im Bewuß tsein des Arbeiters, sondern wirkt durch die Maschine als fremde Macht auf ihn, als Macht der Maschine selbst." Grundrisse (MELIM), p. 584. Marx usa a expressão "unbelebten Glieder", membros inanimados ou sem vida da máquina, contrapondo-os ao trabalho vivo imediato no processo produtivo, realizado pelo ser humano. Em outra ocasião, no Caderno VII, Marx transcreve novamente uma passagem de Robert Owen , agora de Essays on the Formation of the Human Character, em que a introdução dos "mecanismos inanimados da máquina" levou a tratar o homem que a opera como uma máquina secundária e subalterna: "Com poucas exceções, a partir da introdução geral de mecanismos inanimados nas manufaturas britânicas se tratou aos homens como a uma máquina secundária e subalterna, e se prestou muito mais atenção ao aperfeiçoamento da matéria-prima de madeira e metais [que a compõem] que a do corpo e do espírito [do trabalhador]." Robert Owen, op. Cit. apud Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 235. Os colchete são nossos.

26.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VI), p. 220 ou Grundrisse (MELIM), p. 585

27.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VI), p. 220-221 ou Grundrisse (MELIM), p.586. Em outra passagem, Marx descreve as máquinas, locomotivas, ferrovias, telégrafos, mulas mecânicas, etc, como produtos da indústria que transforma material natural em "órgãos da vontade humana sobre a natureza", como "força objetivada do conhecimento": "O desenvolvimento do capital fixo revela até que ponto o conhecimento ou knowledge social geral se converteu em força produtiva imediata, e, por tanto, até que ponto as condições do processo da vida social mesma entraram sob os controles do general intellect [intelecto coletivo] e foram remodeladas conforme o mesmo. Até que ponto as forças produtivas sociais são produzidas não só na forma de conhecimento, mas como órgãos imediatos da prática social, do processo vital real." Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 230

28.Grundrisse. Vol. 2 (Cadernos VI e VII), p. 221 ou Grundrisse (MELIM), p. 586-587

29.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 222 ou Grundrisse (MELIM), p. 587

30.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 226-227. Em outra passagem, considerando as forças produtivas, Marx destaca que o scientific power nada custaria ao capitalista: "Outra força produtiva que nada lhes custa é a scientific power ( Não que isto não queira dizer que sempre deve pagar certa contribuição para os padres, mestres e sábios, seja grande ou pequena o scientific power que desenvolvam.) Mas o capital só pode apropriar-se desta última mediante o emprego da maquinaria (também no processo químico em parte )." Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 302. É estranho que em uma passagem posterior Marx afirme que o scientific power nada custe ao capitalista, quando anteriormente tenha afirmado que as invenções já se tenham convertido em ramo de atividade econômica. Não parece correto considerar que Marx separe a aplicação tecnológica e o conhecimento científico, uma vez que em outra passagem afirma que o desenvolvimento do capital incita o desenvolvimento científico. Talvez se trata de uma transcrição posterior no Caderno de uma passagem anteriormente anotada em outro local. Ao considerar que as invenções se transformam em um ramo de atividade econômica, Marx destaca que a ciência, posta a serviço do capital, passa a ser desenvolvida com vistas a ampliar o próprio capital. Desde então, embora como trabalho improdutivo, a produção científica se torna um ramo de atividade econômica.

31.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 227

32.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 227-229 ou Grundrisse (MELIM), p. 592-593

33.Grundrisse. Vol. 1, (Caderno IV), p. 352

34.Grundrisse. Vol. 2, (Caderno VII), p. 229 ou Grundrisse (MELIM), p. 593-594. Por quatro vezes Marx se refere explicitamente a este trabalho, The source and remedy of the national difficulties, deduced from principles of political economy in a letter to Lord John Russel, publicado em Londres em 1821 sem a menção do autor, que permaneceu, assim, anônimo. Três, destas quatro citações, mencionam explicitamente o disposable time, sendo que outra trata do aumento da produtividade pela introdução da maquinaria. No correr dos cadernos, o significado de disposable time vai se alterando. No Caderno IV, este aparece como um tempo excedente sobre o tempo de trabalho necessário à produção para o consumo do indivíduo ou de toda a sociedade: "Como o mais trabalho ou o mais tempo é o pressuposto do capital, este se funda sobre o pressuposto básico de que existe um excedente sobre o tempo de trabalho necessário para a conservação e reprodução do indivíduo; de que, por exemplo, o indivíduo somente necessita trabalhar seis horas para viver um dia, ou um dia para viver dois, etc. Com o desenvolvimento das forças produtivas, decresce o tempo de trabalho necessário e, por conseguinte, aumenta o mais-tempo. Ou, também, que um indivíduo possa trabalhar em lugar de dois, etc. (‘Riqueza é disposable time e nada mais.[p.6]... Se todo o trabalho de um país somente alcançasse manter o sustento de toda a população, não haveria mais-trabalho, e em conseqüência, nada que se pudesse acumular como capital [p.4]... Uma nação é verdadeiramente rica se não existe interesse {zins} algum ou se se trabalham 6 horas em lugar de 12 [p.6]... O que quer que deva ser devido ao capitalista, ele só pode obter o mais-trabalho do trabalhador; já que o trabalhador necessita viver...(p. 27,28)".[Grundrisse. Vol. 1 (Caderno IV), p. 348 ou MELIM, p. 300-301. Zins também pode significar juro, rendimento ou tributo.]. Assim, tempo disponível é compreendido como todo tempo que não seja o tempo de trabalho necessário. Isto fica claro em uma passagem mais à frente, quando diz Marx: "Se por uma parte o capital cria o mais-trabalho, por outra o mais-trabalho é, assim mesmo, um pressuposto para a existência do capital. Todo o desenvolvimento da riqueza se funda na produção de tempo disponível {disponibler Zeit}. A proporção entre tempo de trabalho necessário e supérfluo ( e é supérfluo, antes de tudo desde o ponto de vista do trabalho necessário) se modifica nos diversos níveis do desenvolvimento das forças produtivas... Na produção fundada sobre o capital a existência do tempo de trabalho necessário está condicionada pela criação de tempo de trabalho supérfluo...(Voltar a este ponto)." [Grundrisse. Vol. 1 (Caderno IV), p. 349 ou MELIM, p. 301] Mais à frente, retornando pela terceira vez ao texto referido, Marx, após analisar que o capital possa ser considerado uma barreira para a produção em razão da saturação do mercado - tanto pelo aumento da produtividade quanto pela concentração da riqueza nas mãos de poucos -, saturação que leva à ampliação do comércio exterior como forma de ampliação do mercado consumidor (mesmo que tal consumo seja financiado com empréstimos aos países consumidores), retoma a afirmação de Hodgskin que "quanto mais se acumula o capital, tanto mais cresce a quantia total do benefício requerido; surge assim um freio artificial à produção e à população." [Grundrisse. Vol. 1 (Caderno IV), p. 371 ou MELIM, p. 320]. A partir daí, considerando esta contradição interna do próprio desenvolvimento do capital, Marx começa a empregar disposable time sem confundi-lo com tempo de trabalho excedente, ou tempo que torna possível o mais-trabalho, mas como tempo de não-trabalho ou tempo livre pois chegará o momento em que o conjunto dos mercados estará saturado e o tempo livre da população não poderá ser aplicado à produção de bens de consumo. Daí porque, a partir do Caderno VII, Marx - novamente citando o artigo em questão - começa a considerar que ao invés de produzir em um ano o que os homens levariam dois anos consumindo (o que os forçaria a parar de produzir durante um ano e, com isso, inviabilizando que se pudesse acumular um volume maior de capital), os capitalistas "... empregam as pessoas em algo que não é direta ou imediatamente produtivo, por exemplo, na construção de maquinaria". [Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 232-233 ou MELIM, p. 596]. Com a maquinaria reduzindo o tempo de produção, o capitalista passa acumular mais do que produzindo um volume maior de mercadorias para um mercado saturado. Mas como o emprego da maquinaria diminui ainda mais o emprego do trabalho vivo, aumenta-se ainda mais o disponibler Zeit, o tempo disponível, ou o tempo livre de grande parte da sociedade que já não tem como trabalhar produtivamente, isto é, trabalhar para o maior acúmulo do capital, uma vez que quanto mais abundante, menos vai dependendo do trabalho vivo e mais da ciência e dos conhecimentos necessários à produção da maquinaria.

35.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 231-232. "Die Schöpfung von viel disposable time auß er der notwendigen Arbeitzeit für die Gesellschaft überhaupt und jedes Glied derselben..., die Schöpfung von Nicht-Arbeitszeit, freie Zeit für einige. Das Kapital fügt hinzu, daß es die Surplusarbeitszeit der Masse durch alle Mittel der Kunst und Wissenschaft vermehrt, weil sein Reichtum direkt in der Aneignung von Surplusarbeitzeit besteht; da sein Zweck direkt der Wert, nicht der Gebrauchswert. Es ist so, malgré lui, instrumental in creating the means of social diposable time, um die Abeitszeit für die ganze Gesellschaft auf ein fallendes Minimum zu reduzirien, und so die Zeit aller frei für ihre eigne Entwickklung zu machen. Seine Tendenz aber immer, einerseits disposable time zu schaffen, andrerseits to convert it into surplus labour. Gelingt ihm das erstre zu gut, so leidet es na Surplusproduktion und dann wird die notwendige Arbeit unterbrochen, weil keine surpluslabour vom Kapital verwertet werden kann. Je mehr dieser Widerspruch sich entwickelt, um so mehr stellt sich heraus, daß das Wachstum der Produktivkräft nicht mehr gebannt sein kan na die Aneignung fremder surplus labour, sondern die Abeitemasse selbest ihre Surplusarbeit sich aneignem muß . Hat sie das getan, - und hört damit die disposable time auf, gegensätzliche Existenz zu haben - so wird einerseits die notwendige Arbeitszeit ihr Maß na den Bedürfnissen des gesellschaftlichen Individuums haben, andrerseits die tntwicklung der gesellschaftlichen Produktivkraft so rasch wachsen, daß , obgleich nun auf den Reichtum aller die Produktion berechnet ist, die disposable time aller wachst. Denn der wirkliche Reichtum ist die entwickelte Produktivkraft aller Individuen. Es ist dann keineswegs mehr die Arbeitszeit, sondern die disposable time das Maß des Reichtums. Die Arbeitszeit als Maß des Reichtums stezt den Reichtum selbst als auf der Armut begründent un die disposable time als existierend im und durch den Gegensatz zur Surplusarbeitszeit oder Setzen der ganzen Zeit eines Individuums als Arbeitszeit und Degradation desselben daher zum bloß en Arbeiter, Subsumtion unter die Arbeit". Grundrisse (MELIM) p. 595-596

36.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 230-231

37.Sobre isso diz Marx em outra passagem: "... ainda que decresça a parte do capital que se intercambia por trabalho vivo , considerando-a em proporção ao capital total, a massa total do trabalho vivo utilizado pode aumentar ou permanecer estacionária se o capital cresce na mesma ou maior proporção." Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 300

38.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 281-282. Esta análise sobre o benefício será depois reformulada, considerando-se a expressão do lucro. Quanto ao terceiro aspecto, dado o contexto em que Marx escreve, talvez seja melhor compreender a intensificação de operações de câmbio como intensificação de trocas econômicas, bem como entender meios de comunicação como sendo também meios de transporte.

39.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 300

40.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 282-283

41.Grundrisse. Vol. 2 (Caderno VII), p. 283-284


Trabalho, Ciência e Tempo Livre em Karl Marx - Dos Grundrisse a O Capital
Texto para debate apresentado em Grupo de Estudo. Curitiba, outubro de 1997


[Página Inicial] [Títulos Disponíveis]

.