Euclides André Mance
Globalização, Subjetividade e Totalitarismo
- Elementos para um estudo de caso: O Governo Fernando Henrique Cardoso
Copyright do Autor © 1998



Capítulo III
(Seções 1 a 13)

 

GLOBALITARISMO: ELEMENTOS PARA UM ESTUDO DE CASO -
A ELEIÇÃO E O GOVERNO DE FERNANDO HENRIQUE CARDOSO
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Uma parcela da sociedade brasileira vem tentando alertar a opinião pública ultimamente sobre a fragilização da democracia no país. A OAB, a CNBB, a ABI, a Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria, a Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais, a Central de Movimentos Populares, várias outras entidades e intelectuais têm se manifestado publicamente sobre a situação atual de enfraquecimento da democracia brasileira em razão das políticas adotadas pelo atual governo e seu modo de conduzir os destinos do país. Estas entidades e outras assinaram em conjunto um documento do qual extraímos a seguinte passagem:
"O governo FHC, desde o seu início, busca desqualificar seus opositores e se caracteriza pelo combate às formas organizadas de manifestação da cidadania, como a greve dos petroleiros, do funcionalismo público, a luta pela terra, a luta pelo emprego.
"O desrespeito pela democracia e pelo Poder Legislativo - ainda que majoritariamente conservador em sua composição - se expressa na forma de governar. Pela edição sistemática de medidas provisórias, que caracteriza o que, hoje, intelectuais do próprio bloco governistas estão chamando de despotismo esclarecido.
"Mais recentemente, com sua intervenção na dinâmica do Congresso em defesa da reeleição de FHC, o Executivo feriu a autonomia do legislativo atacando os partidos políticos, descaracterizando suas identidades políticas e ideológicas...
"Observamos também um crescente descréditos dos cidadãos pela política, uma manipulação da mídia em apoio ao governo, uma desmobilização da sociedade civil e de suas organizações de representação." (133)
De fato, como vimos, os novos regimes totalitários podem manter as instituições democráticas formais funcionado, porque, detendo o controle dos mass media, podem manter as hegemonias que lhes convém. Assim, muitas semioses são produzidas capturando inúmeros signos indiciais a fim de gerar interpretantes favoráveis a posições que efetivamente têm outro sentido histórico. Convém salientar, contudo, que o globalitarismo praticado no Brasil tem peculiaridades que o distingue das ações globalitárias desenvolvidas em outros países. Aqui, o modelo globalitário, além de implementar as políticas voltadas ao interesse do grande capital globalizado e valer-se das mídias como instrumento para determinação das hegemonias políticas, serve-se ainda da máquina do Estado com toda sorte de expedientes legais, mas imorais, para conduzir a política à realização dos interesses globalitários, implementando, se for necessário, inclusive ações coercitivas.
Nas seções seguintes, analisaremos a trajetória política recente de FHC que é marcada por este novo modus operandi em que essas três características ficam evidentes. Destacaremos apenas alguns elementos peculiares a esta caracterização e retomaremos a contradição entre a semiose simbólica dos discursos presidenciais e a realidade do objeto dinâmico que eles pretendem modelizar. Destacaremos, também, algumas técnicas semióticas para agenciar interpretantes hegemonicamente favoráveis mesmo em condições politicamente adversas. Analisamos vários casos de produção de semioses com vistas à manutenção da hegemonia do projeto neoliberal no Brasil - pela mediação do Plano Real - e de repressão semiótica dos movimentos sociais, modelizando-os sob semioses geradoras de interpretantes energéticos socialmente adversos às suas causas.
 
1. A interveniência direta da assessoria de Bill Clinton na Campanha de FHC em 1994
 Durante a campanha eleitoral à presidência do Brasil em 1994, o assessor direto de Bill Clinton, James Carville, também assessorou diretamente a campanha de Fernando Henrique Cardoso, como noticiaram o jornal The Washington Times, no final de Agosto e os informativos americanos Newsletter e Counter Punch (134), em setembro, que destacavam ter o Governo dos EUA um interesse especial na eleição de Fernando Henrique. No dia 29 de Agosto o próprio James Carville falou para a agência de notícias Associeted Press, em Washington, buscando minimizar o impacto da informação, mas acabou por confirmá-la, quando reconheceu: "Meu papel não foi assim tão fundamental. Só analisei algumas pesquisas". (135) No dia 30 de agosto os assessores da campanha de FHC informaram a imprensa de que a participação de Carville não era remunerada e que não havia contrato. O próprio Fernando Henrique afirmou: "Não há contrato com o PSDB". (136) O então presidente do PSDB, Pimenta da Veiga, não apenas admitiu que Carville prestava uma "assessoria informal" à campanha de FHC, como afirmou que havia ocorrido uma reunião com assessores norte-americanos e que, casualmente, ele não pôde ir (137). De fato, o primeiro contato de Carville com a campanha tucana ocorreu em abril de 1994. No dia 25 daquele mês ele chegou a São Paulo em um vôo da American Airlines, de número 999; ficou hospedado no Hotel Ca’d’Oro e falou com os tucanos Sérgio Motta, Tasso Jereissati e Eduardo Jorge. (138) O segundo encontro aconteceu no início de junho, chegando o norte-americano no dia 4 e voltando no dia seguinte no vôo 924 da American Airlines. (139) Posteriormente a imprensa divulgou, contudo, que esta assessoria, embora informal, era bem remunerada, recebendo o norte-americano "perto de um milhão de dólares" pelos serviços prestados à campanha de FHC (140). Em seguida os tucanos informaram que havia um contrato com Carville, mas que não tinha sido feito com o PSDB, e sim com "um empresário brasileiro" que, por sua vez, pagaria os serviços do assessor e intermediaria os seus conselhos para o comando da campanha. (141) Por fim, no dia 2 de Setembro, a assessoria de FHC informou que a campanha usou os serviços de Carville e que suas duas visitas ao Brasil e seus respectivos honorários haviam sido pagos por um empresário. Frente a tudo isso, a revista Veja concluiu: "é verdade que não há contrato com o PSDB. Mas também é verdade que há prestação de serviços." (142) Segundo a entidade Institut for Policy Studies, sediada em Washington, atuaram na campanha de Fernando Henrique não apenas Carville, mas o seu sócio Paul Bengala e ainda duas firmas americanas - uma de consultoria política, Grunwald, Eskew and Donilon e outra especializa em relações públicas, Chlopac, Leonard, Schecter & Associates. (143) Conforme Carlos Eduardo Lins da Silva, então, correspondente em Washington da Folha de São Paulo, os contatos com Carville "foram feitos pelo economista Eduardo Jorge, nos Estados Unidos." (144)
Caracterizou-se, assim, um crime eleitoral de ampla gravidade. A Lei Orgânica dos Partidos Políticos de 1971 - que conjuntamente à lei 8.713/9 regulamentavam as eleições de 1994 - em seu artigo 91 vedava a qualquer partido "receber direta ou indiretamente, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, procedente de pessoa ou entidade estrangeira". (145) Para que a assessoria de Carville à campanha de FHC não fosse um crime eleitoral seria necessário que um contrato tivesse sido feito e que houvesse provas de que a despesa havia sido coberta com bônus eleitorais, isto é, com recursos obtidos legalmente, como doações de empresas, por exemplo, dentro dos limites da lei. Como analisa a revista Veja, ilegal foi não pagar Carville "...através do caixa do partido, com dinheiro lastreado em bônus eleitorais." (146) Quando o crime eleitoral já era evidente, o comitê de campanha de FHC começou a distribuir informações que renegavam as anteriores (147) e o caso acabou saindo de cena em razão do escândalo das parabólicas, que analisaremos mais à frente.
Nos Estados Unidos, por sua vez, o caso repercutiu. Bill Clinton pronunciou-se enfaticamente afirmando que o governo dos Estados Unidos era neutro na eleição brasileira. James Carville, por sua vez, já havia sido intimado pelo Congresso, graças à pressão do Partido Republicano, a apresentar a lista das pessoas e entidades para as quais prestara serviços a fim de que se investigasse as denúncias - uma vez que Carville, Bengala e Mandy Grunwald usavam crachás de funcionários da Casa Branca. Carville era assalariado do Partido Democrata e tinha um passe que lhe dava acesso à Casa Branca a qualquer hora. Contudo, a menção a FHC ou à campanha eleitoral no Brasil não foi feita. O PSDB, por sua vez, veiculou, então, na imprensa brasileira, que processaria Ken Silverstein - ex-correspondente da Associeted Press no Brasil durante vários anos - que havia divulgado a participação de Carville na campanha de Fernando Enrique. Por sua vez, Ken Silverstein, argumentando que jamais colocaria sua reputação em risco divulgando inverdades, afirmou que "adoraria ser processado pelo PSDB". E enfatizou: "Eu espero que eles me processem. Eu irei ao Brasil e provarei que tudo é verdade." (148) O PSDB, entretanto, não processou o jornalista.
Essa notícias foram veiculadas e denunciadas na época com muitos detalhes precisos que não haveria como desmentir, confissões de ambas as partes e depoimentos de testemunhas que dispunham de provas. Contudo, este crime eleitoral não foi punido pelo judiciário. Isto, contudo, é compreensível, pois sob um regime globalitário o judiciário torna-se subserviente aos interesses do grande capital e segue as pressões hegemônicas. Embora pareça que se confira muito poder ao judiciário na manutenção da ordem frente aos conflitos de baixa intensidade - como ocupações de terras e outros -, na verdade a ordem que ele deve manter - sob a ideologia neoliberal - é a do regime globalitário, a manutenção dos contratos que preservem a propriedade do capital. Cabe destacar, por outro lado, que sob a concepção de defesa de uma democracia popular o judiciário pode ser um poder de avanço dos interesses da cidadania, das lutas populares por liberdade. O papel que ele cumpre na lógica globalitária, entretanto, é o de legitimar uma nova ordem a serviço do grande capital internacional. Trata-se de manter uma aparente democracia, esvaziada do exercício legítimo da soberania popular. Por isso as regras do jogo podem ser burladas, dependendo de quem as burla, da oportunidade da ação e da atenção que a sociedade lhe dê.
 
2. O caso Ricúpero - modelizações semióticas e produção de subjetividade
 Quando Fernando Henrique Cardoso, que era ministro da fazenda do Governo Itamar Franco, lançou-se formalmente candidato à presidência do país, ele foi substituído, nas atribuições daquela pasta, por Rubens Ricupero, que passou a figurar na administração direta do Plano Real. O Plano, por sua vez, tornara-se a grande realização de FHC que o cacifava à presidência nacional.
Na noite de 1o de setembro, Ricupero apareceu no Jornal Nacional da Rede Globo, que era visto diariamente por 60 milhões de telespectadores (149), defendendo o Plano Real. Por volta das 20hs e 30 min, quando se preparava para uma entrevista em um estúdio da Rede Globo, Ricupero, em conversa com o jornalista Carlos Monforte - conversa essa que desavisadamente estava sendo transmitida por antenas parabólicas, sem que os dois soubessem -, confidenciou várias informações sobre o Plano Real, em que a frase lapidar foi esta: "No fundo é isso mesmo. Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura; o que é ruim, esconde" (150).
O escândalo das parabólicas colocou a nu a manipulação de dados divulgados pelos meios de comunicação que favoreciam eleitoralmente Fernando Henrique. Mais do que isso, evidenciou as técnicas de mídia para iludir a opinião pública. Sob este aspecto, por exemplo, Monforte perguntou a Ricupero por que ele andara "batendo no PSDB" (151), e o então ministro respondeu: "Depois eu parei, né ? Era por causa do Gustavo [Franco]. Se eu não tivesse feito isso ele teria sido demitido. Toda vez que há um troço desses, para reequilibrar, porque começava a vir o Tribunal Eleitoral... Para mostrar absoluta isenção eu dou um cacete nele...(...) Você viu, acalmou e tal. Ninguém mais falou no assunto... A única forma que eu posso provar o meu distanciamento do PSDB é criticar o PSDB." (152) Criticá-lo na mídia, para que possa argumentar no Tribunal Eleitoral que o ministro é imparcial e para que o candidato do PSDB possa continuar sendo beneficiado com as aparições de mídia do ministro. Por sua vez, Gustavo Franco que era diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, na época, tornou-se, em 1997, o presidente o do referido Banco.
Tomemos outro exemplo, ainda melhor. Dias antes da entrevista com Monforte, Ricupero disse que poderia abaixar o preço da gasolina, o que soava absurdo para qualquer pessoa sensata que acompanhasse o Índice de Preços ao Consumidor em Reais, exceto para as pessoas que nunca entenderam o mecanismo da URV e que observavam maravilhados certos produtos abaixarem de preço em URV de vez em quando, toda vez que o índice era reajustado. Quando Monforte perguntou ao ministro se essa afirmação não seria precipitada, o ministro respondeu: " Isso eu falei para criar um pouco... Você sabe, estava todo mundo falando do IPC-r aí... Como eu estava dizendo, com esse negócio afasta um pouco o clima... De vez em quando eu armo uma confusão. Não tenha dúvida: esse país não é racional." (153) Isto é, como o índice de preços detectava uma elevação da inflação, o ministro apareceu nas mídias de massa afirmando que iria abaixar o preço da gasolina. Não importava se a afirmação tinha ou não base técnica, era ou não verídica. Importava desviar a atenção do IPC-r. (154) Ricupero chegou mesmo a se oferecer para ir ao Fantástico - programa dominical televisivo em horário nobre na Rede Globo - com esse intuito: "Porque nessa fase, meu caro, por causa do IPC-r, eu estou querendo [ir ao Fantástico], por isso é que eu resolvi ficar no ar o tempo todo. Então o máximo que eu puder falar, eu falo." (155)
Essas aparições nas mídias, tinham um significado político especial. Nesta sua conversa com Monforte, Ricupero afirmou também que seus pronunciamentos eram uma forma de fazer campanha para FHC, e que isso era um "achado" para a Rede Globo que, ao invés de "dar apoio ostensivo" ao candidato Fernando Henrique, podia colocar o próprio Ricupero "no ar" e ninguém poderia dizer nada. Segundo o ministro era uma solução mais inteligente que "da outra vez". A outra vez a que ele se refere foi a eleição de Collor, em que a emissora para apoiar o então candidato a presidente teve que se expor muito mais, como já vimos, no item A Ditadura Democrática dos Mass Media. (156) Sobre esse aspecto, vejamos a afirmação de Ricupero: "Você sabe, eu não digo isso, mas há inúmeras pessoas que me escrevem e que me procuram para dizer que votam nele (Fernando Henrique Cardoso) por causa minha. Aliás, ele sabe disso, né ? Que o grande eleitor dele hoje sou eu. Por exemplo, para a Rede Globo foi um achado. Porque ela em vez de terem que dar apoio ostensivo a ele botam a mim no ar e ninguém pode dizer nada. Agora, o PT está começando... Mas não pode. Porque eu estou o tempo todo no ar e ninguém pode dizer nada. Não é verdade ? Isso não ocorreu da outra vez. Essa é uma solução, digamos, indireta, né ?" (157) Este é o simulacro da democracia, em que se utiliza a mídia de massa para produzir hegemonias escondendo-se informações, divulgando-se inverdades e ninguém pode fazer nada, exceto o dono da empresa de telecomunicação, que entretanto é conivente com este procedimento. A formalidade democrática de o canal ser uma concessão pública utilizada desse modo indica tão somente o caráter globalitário de sua utilização, esvaziando o instrumento democrático da concessão de sua substantividade ou operatividade histórica.
A conclusão à qual a revista IstoÉ chegou, quanto a este episódio, foi de que "...Ricupero comprovou o uso da máquina pública em favor do candidato do PSDB, Fernando Henrique Cardoso, comprometeu a credibilidade do Plano Real e jogou por terra a imagem de compenetrado e funcionário público de comportamento ético irrepreensível." (158) Por sua vez o jornalista Clóvis Rossi concluiu: "vai ser difícil negar que o país está diante de um estelionato eleitoral." (159)
A Rede Globo, entretanto, contornou a situação do "escândalo das parabólicas" desenvolvendo todo um trabalho de semiose que conseguiu esvaziar politicamente as declarações do ministro e agenciar interpretantes que lhe conferissem um sentido não prejudicial à campanha de FHC. Para tanto necessitou gerar um outro signo que modelizasse Ricúpero e a própria situação, a fim de contornar o evento e manter a hegemonia que vinha sendo estabelecida à candidatura de FHC graças ao Plano Real. Ainda na noite do episódio, sem uma estratégia semiótica montada, a Globo que havia recebido inúmeros telefonemas indignados de telespectadores, optou por apresentar um Ricupero irônico quanto às críticas que sofria, de estar fazendo campanha para Fernando Henrique travestida de esclarecimentos sobre o Plano Real. No Jornal da Globo, depois de levar ao ar a entrevista oficial com o ministro, a apresentadora Lillian Witte Fibe, leu um texto elaborado pela emissora Globo sobre o diálogo transmitido inadvertidamente: "Antes da entrevista o ministro Rubens Ricupero emitiu várias opiniões pessoais e comentou sobre uma possível ajuda indireta que a Rede Globo estaria dando à candidatura de Fernando Henrique Cardoso, através da cobertura jornalística que faz das atividades do atual Ministro da Fazenda" (160). Em seguida disse que a emissora aproveitava a oportunidade para "esclarecer que não apoia nenhuma candidatura e que está fazendo um noticiário isento da campanha eleitoral." (161). Por fim dizia o texto que, depois do ocorrido, "o ministro Ricupero explicou que os comentários foram feitos ironizando as críticas de que as entrevistas dele poderiam servir de ajuda ao candidato Fernando Henrique Cardoso." (162)
A tática de modelizar as declarações do ministro como "irônicas" era muito ruim. A estratégia, então, adotada foi a de caracterizá-las como fruto da sua vaidade, uma vez que o prestígio alcançado o teria tornado muito presunçoso no seu cargo, considerando-se muito importante, chegando mesmo a dizer coisas soberbas apenas para vangloriar-se. Contrapondo esta imagem ao seu passado religioso, piedoso e fiel - que seria a sua verdadeira identidade - a Rede Globo o mostra, então, sob uma situação de vaidade personalista e, por fim, completa a semiose magistralmente: na última cena do noticiário, Ricupero, confessando o pecado de sua vaidade, vai a missa em Brasília e tem-se o close de sua comunhão recebendo, de mãos postas, a eucaristia: se Deus o perdoou, quem o condenará ? Se Deus o perdoou, porque os militantes de esquerda continuam a acusar o seu pecado?
Desvia-se assim toda a discussão do ponto de vista político, de que o ministro escondia informações importantes da sociedade apresentando-lhe, em troca, números que a enchiam de esperança, deslocando-se assim toda a problemática para a vaidade ou não de uma pessoa religiosa que se arrependeu de seu erro. Outras semioses ainda destacavam que o ministro andava estressado, que o seu diálogo com Monforte era uma conversa entre parentes - uma vez que existe um certo grau de parentesco entre as mulheres de ambos -, que a conversa se fizera em tom de ironia ou de galhofa. Contudo, a estratégia adotada pela Globo - evocando o imaginário religioso do pecador arrependido - foi a que melhor repercutiu e a que mais foi modelizada sob outras semioses.
Sob a mesma semiose religiosa, TVs, jornais e revistas estamparam a figura de Ciro Gomes, o escolhido para substituir Ricúpero na pasta da Fazenda, participando de uma missa em Fortaleza no dia 7 de setembro. A foto estampada, na revista IstoÉ, por exemplo, o mostra em pé, com os olhos fechados, em uma posição reverente e compenetrada, enquanto todos os fiéis que estão na Igreja, com o braço direito erguido em sua direção, clamam a Deus as bênçãos celestiais para o novo ministro (163). Na Folha de São Paulo, como interpretante de uma foto similar, lê-se: "O novo ministro da Fazenda, Ciro Gomes, recebe as bênçãos de participantes de missa na Igreja da Paz, em Fortaleza." (164) Esta peça sígnica mantém coerência com a estratégia da semiose geral operada, ao mesmo tempo em que reforça a tese da atitude de Ricúpero como um pecado do qual se arrependeu e da necessidade de todos perdoarem a sua falta, uma vez que sob o imaginário religioso somente podem invocar bênçãos os que sabem perdoar.
Esta mesma linha de raciocínio foi adotada por outros correlegionários de FHC na época, como o professor José Artur Giannotti, para quem o caso Ricupero possuía duas dimensões - uma ética e outra política. "Uma falha moral, contudo - afirma Giannotti - não basta para condenar o pecador. Comportando-se de maneira rara em nossa vida pública, Rubens Ricupero copia a sua falta diante dos olhos surpresos da nação, restabelecendo sua moralidade individual. Depois desse episódio, quem não tiver pecado que lance a primeira pedra." (165) Argumenta Giannotti que esse restabelecimento da moralidade individual não corrige, contudo, o erro político de Ricupero e se pergunta sobre como corrigir tal erro e restaurar a moralidade pública. A pergunta, entretanto, fica sem uma resposta cabal naquele artigo. Diz o professor que, antes de tudo, é preciso evitar que "uma das partes integradas no jogo político se arvore em receptáculo da verdade e exclua a outras como representantes da mentira" (166) - uma vez que a oposição estava denunciando que o governo mentia sobre dados econômicos. Assim, com um raciocínio singular o autor afirma que para corrigir o erro político de Ricupero, antes de mais nada, a oposição não poderia pretender-se "receptáculo da verdade". Mais à frente, face à sua própria indagação se o "engajamento do governo Itamar na candidatura de Fernando Henrique Cardoso não é uma imoralidade pública", Giannotti responde que não se deve ter ingenuidades: "... se o governo possui um candidato que se empenhou na elaboração de um plano de estabilização e promete dar continuidade a ele, também é justo, democrático e legítimo que este governo o associe à propaganda do plano, elemento essencial na sua implementação." (167) Portanto que todo o governo - inclusive Ricupero - fizessem propaganda do Plano Real associando-o a FHC, usando todas as mídias disponíveis sem malversar recursos públicos seria justo, democrático e legítimo. Esse critério de justiça, democracia e legitimidade, entretanto, é frágil pois fere o princípio da equanimidade de oportunidades para veicular a informação divergente que seja relevante.
A linha paralela desta semiose, de que a raiz do pecado de Ricúpero foi a sua vaidade, também foi explorada por outros órgãos de imprensa. A revista IstoÉ, por exemplo, publica uma foto em que aparece o rosto sofrido de Ricúpero, tendo ao fundo a catedral de Brasília com a cruz de Cristo centralizada no topo da imagem. Na base aparece a confissão de Ricupero: "Fui vítima de um processo em que a exposição à mídia e ao calor popular inflamou minha vaidade". (168) O título e o subtítulo, entretanto, são curiosos e antecipam a recaptura semiótica que será feita no corpo da matéria: "Inflação do Ego. - Especialistas acreditam que as vítimas da vaidade sofrem pelas pressões do poder e até carregam herança genética". O segundo parágrafo da matéria reafirma a semiose hegemônica sobre o caso: "A vaidade é pecado para a Igreja Católica. Para a Ordem dos Beneditinos, da qual o ex-ministro Ricupero é seguidor, compromete até o sentido da congregação. ‘Ela pode levar uma pessoa a cometer pecados mais graves’, ensina dom Estevão de Souza, monge do mosteiro de São Bento..." (169). A partir do terceiro parágrafo, entretanto, a matéria modeliza o tema da vaidade evocando teses biológicas como possíveis interpretantes a serem explorados, afirmando que "mais do que uma faceta do comportamento humano, a vaidade pode ter um componente genético" (170). Em seguida recorre a geneticistas, psicólogos e especialistas, recolocando-se a questão nas palavras de Mayana Zatz, geneticista, PhD pela universidade da Califórnia: "hoje o desafio dos especialistas é identificar até onde vai a influência da carga genética no desenvolvimento da personalidade e onde começa a ação dos fatores externos." (171) Assim o debate sobre os crimes eleitorais praticados pelo ex-ministro se converte em um debate sobre o pecado e o perdão; o debate sobre o pecado é modelizado no debate sobre a vaidade e esta começa a ser modelizada no debate científico sobre a carga genética no comportamento vaidoso das pessoas. Os objetivos históricos da ação política do ministro que confessou usar a mídia para favorecer a eleição de Fernando Henrique Cardoso deixam de ser o elemento fundamental da semiose, que se volta para os motivos subjetivos da ação e talvez até genéticos em sua pré-determinação.
Vê-se assim, que a mesma estratégia de defesa armada pela Rede Globo também suportou outras argumentações em outras semioses. Outras semioses, por sua vez, como o artigo citado de Giannotti, legitimavam a propaganda massiva do Real associada à candidatura de Fernando Henrique e admitiam como justo que as empresas que tem concessão pública de canais de mídia de massa - como a TV Globo - abrissem grandes espaços para que os representantes do governo deles se servissem a fim de fazer propaganda do Real e indiretamente de um dos candidatos a presidente. Quanto à fidedignidade dos dados que se divulgam à opinião pública pelos representantes dos governos, o então presidente Itamar Franco proferiu uma frase lapidar sobre os cálculos de seu Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, quando este polemizava com o ministro Antonio Brito afirmando não ser possível promover um reajuste na pensão dos aposentados: "Os números não mentem jamais. Mas há pessoas que usam dos números para mentir."
Considerando o caso das parabólicas, Marilena Chaui sabiamente afirmou: "O episódio Rubens Ricupero não tem relevância, se for reduzido ao julgamento da pessoa do ex-ministro – não é sua religiosidade ostensiva nem sua hipocrisia desvendada por ele mesmo que estão em jogo, neste momento. Também não está em discussão saber que candidatura presidencial se beneficia ou se prejudica com o episódio. O que está em discussão é a aparente naturalidade com que amplos setores da sociedade, além dos ‘bandidos’ mencionados (172), encaram a ilegalidade estatal e a mentira eletrônica. Está em discussão o modo de funcionamento do Estado brasileiro – este mesmo Estado que o candidato da situação afirma que pretenderia reformar. É a frágil democracia brasileira que está em pauta e não a superfície narcísica das personagens envolvidas no episódio." (173) Amplos setores, contudo, acabaram produzindo semioses que agenciavam interpretantes favoráveis a condutas substancialmente anti-democráticas e que, mediatamente, contribuíam para o aprofundamento do regime globalitário no país.
Nos 153 dias em que permaneceu como ministro da Fazenda, Rubens Ricupero esteve 471 vezes na televisão tendo, em média, 3 aparições por dia; falou por 10 vezes em cadeias nacionais de rádio e TV, por ele solicitadas. Como salientou a Revista Veja, "de cada 10 reportagens com o ministro, quatro referiam-se a fatos e três a opiniões ou promessas. As demais eram cenas de circo: visitas a supermercados e bancos e idas à missa." (174) Ricupero apareceu muito mais na TV Globo do que em outras redes. Nesta emissora apareceu 139 vezes, ao passo que na Bandeirantes foram 74 aparições; 64 vezes na Rede Educativa e sessenta vezes tanto na Manchete quanto na Record. (175) Conforme a revista "Das cinco redes, pelo menos três colocavam o ministro no ar todo dia." Nas dez cadeias de televisão "... suas aparições somaram 63 minutos no vídeo. É um tempo enorme. É mais que o horário eleitoral gratuito de uma noite, e mais do que o tempo de vídeo que cada partido político tem direito por ano." (176) Conforme dados de Venício Lima, citados pela mesma revista, o Jornal Nacional tomou partido a respeito de muitos pontos naquela campanha: " # Em maio, o JN deu 14min25s a Fernando Henrique, que acabara de virar candidato. Lula com o dobro das intenções de voto nas pesquisas, teve 12min29s. # Entre outubro e janeiro, Lula apareceu em dezoito reportagens: seis lhe eram favoráveis e doze desfavoráveis. # No mesmo período, o então ministro Fernando Henrique teve 56 reportagens, todas favoráveis. # Foram dezoito reportagens sobre sindicalismo, todas negativas. # Os empresários apareceram em 26 reportagens, 10 positivas. # O banditismo no Rio de Leonel Brizola mereceu 132 reportagens. O banditismo nos outros 26 estados rendeu 115 menções." (177)
O efeito eleitoral do episódio, entretanto, esvaiu-se em duas semanas. Um instituto de pesquisa registrou que três dias após as declarações do ministro, havia ocorrido uma queda na intenção de voto em FHC no sudeste, em regiões metropolitanas, bem como, em faixas do eleitorado com maior rendimento e escolaridade. Uma semana depois, já havia se recuperado no sudeste, mas caíra no nordeste. E por fim, duas semanas depois do evento, FHC já havia retornado, tecnicamente, ao mesmos patamares anteriores ao episódio. (178)
Por fim, convém lembrar que a oposição entrou com um processo na justiça, solicitando a inelegibilidade de Fernando Henrique, com base no artigo 22 da Lei Complementar número 90, com vistas à realização de uma investigação judicial para apurar "uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade" em proveito de candidato ou partido político. O pedido foi acolhido pelo vice-procurador-geral eleitoral, Antônio Fernando Barros. (179) Novamente, mesmo com a confissão do crime via satélite, o Judiciário - solícito em acolher as denúncias - não puniu os infratores. Na defesa encaminhada ao Superior Tribunal Eleitoral por Saulo Ramos, alega-se que as declarações eram "subjetivas" e ainda que a gravação da conversa não podia se constituir em prova, uma vez que feria o direito constitucional à privacidade. Ao acolher a denúncia e as argumentações de defesa, o Judiciário gera o interpretante de que uma investigação será feita e a justiça promovida. Contudo a sua morosidade faz com que as apurações não acompanhem os calendários eleitorais. Muitos processos não chegam a termo antes das eleições e depois de os candidatos já estarem eleitos, muitos processos em que eram acusados são arquivados por vários motivos. Os signos gerados inicialmente, contudo, dão a impressão de que justiça será feita. Outros fatos políticos, entretanto, ocorrem gerando-se novos signos. Por fim a parcela maior da opinião pública se esquece dos processos, não sabendo se eles ainda tramitam, chegaram a um veredito ou se foram arquivados. Para a parcela da opinião pública fortemente modelizada pela semiose da abertura dos processos, resta ao final a impressão de que alguma justiça foi feita. Para os que anseiam pelo resultado final dos processos, e que não têm mais informação sobre eles pelas mídias através das quais se informam, fica a impressão de que uma parcela da sociedade vive sob o signo da impunidade. Ambas as parcelas, entretanto, ficam desinformadas e seus juízos são facilmente contestáveis, conforme as conveniências, pelos que têm acesso às informações.
Um exemplo interessante, desta situação de desinformação, ocorrido na campanha de 1994, foi quando a Revista IstoÉ remexendo em fatos que já haviam sido denunciados e investigados dois anos antes, publicou na edição de 10 de agosto a "denúncia" de que um cheque de Najum Turner fora depositado em uma conta de campanha eleitoral do PT em 1992. Na capa da revista estavam estampados o cheque e a guia de depósito bancário, com a manchete: "O PT usa o doleiro de Collor". (180) Além de reeditar uma denúncia que já havia sido investigada dois anos antes, a manchete emprega o verbo no presente do indicativo "usa", afirmando, pois, que em 1994 este partido estava usando os serviços daquele doleiro. Turner ficou conhecido nacionalmente durante a CPI que culminou no impeachment de Collor, como sendo o responsável pelo que ficou conhecido como, a "Operação Uruguai". Tratava-se de uma tentativa do governo Collor em fazer crer que o dinheiro do chamado esquema PC era, segundo o presidente, sobra dos recursos arrecadados para a campanha eleitoral de 1989. Conforme a revista, o doleiro afirmou que em novembro de 1992 havia sido procurado por agente do mercado financeiro, o qual se identificara como sendo um dos operadores de uma conta de Central Única dos Trabalhadores, portando um cheque de 7 mil dólares que seria da entidade, solicitando que o cheque fosse convertido em cruzeiros e depositado na conta de campanha do PT. No dia 5 de agosto de 1994, antes da revista ser publicada, a matéria já circulava através da imprensa informando-se a sociedade sobre o seu teor. No mesmo dia em que a revista saiu às bancas, entretanto, Turner desmentia as declarações ali publicadas. Conforme o Jornal do Brasil "Najun garantiu que nunca negociou com ninguém ligado ao Partido [dos Trabalhadores]" (181). Na Folha de São Paulo, por sua vez, afirmou-se que "o doleiro Najun Turner negou ontem ter depositado US$ 7 mil na conta bancária do PT em 1992". Conforme o jornal o depósito do cheque havia sido feito por outra pessoa que, ao fazer câmbio de dólares por cruzeiros na agência, recebera um cheque por ele assinado.
O PT entrou, então com uma ação judicial contra a revista e, neste caso, a justiça eleitoral - reconhecendo que a revista fazia ilações infundadas - concedeu o direito de resposta que se efetivou na edição do dia 25 de setembro. Alguns exemplares da revista, entretanto, circularam sem as páginas reservadas ao direito de resposta. (182)
Outra denúncia modelizada pela mesma revista, tinha como fonte o desembargador Antonio Carlos Amorin. Em março de 1994, na condição de presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ele afirmou que "no Brasil está entrando dinheiro sujo, proveniente da Itália, que serve para financiar um partido que se candidatará às eleições de outubro e pretende tomar o poder." (183) Em outra oportunidade Amorin afirmou que os recursos viriam não apenas da Itália, mas também da França, Alemanha e Polônia. Disse, contudo, que não sabia se o dinheiro proveniente da Itália vinha da máfia ou do tráfico de drogas (184), mas afirmou que o dinheiro entrou clandestinamente no Brasil (185) O fato de ele ter omitido o partido, deu motivo a insinuações de que o mesmo fosse o PT. Daniele Mastrogiacomo, jornalista do periódico romano "La Republica", afirmou que juízes italianos comentavam que as suspeitas de Antonio Carlos Amorim recaíam sobre este partido. (186)
Analisando o caso, Gilberto Dimenstein escreveu: "Não é fácil entender o comportamento de Amorin, especialmente porque é um magistrado, especialista em leis. É uma norma conhecida que, ao ter conhecimento de um crime, o cidadão deve informá-lo às autoridades competentes. Se o desembargador conhece uma delinqüência, sua atitude óbvia seria formalizar e encaminhar a denúncia. E não disseminar uma suspeita generalizada" (187).
Como o presidente da Câmara dos Deputados e o Procurador Geral da República se mobilizaram no sentido de apurar as denúncias, e as especulações começaram a exigir um posicionamento mais concreto sobre o caso, Amorin acabou dizendo que a possível remessa de dinheiro "pode até não ter ocorrido", que sua informação deveria ser considerada apenas como um "comentário" e que ele não tinha nenhum fato concreto que comprovasse seu comentário. (188) Negou, também, que o dinheiro viesse da máfia ou do narcotráfico, negou também que tivesse pedido colaboração do governo italiano para apurar a denúncia. Disse também que suas declarações não se prestavam a prejudicar algum partido político ou a favorecer algum candidato (189). Assim, essa mesma declaração, que já havia sido desmentida pelo próprio desembargador alguns meses antes, em março, foi novamente trazida a tona pela revista IstoÉ alguns meses depois sem contudo noticiar conjuntamente o desmentido.
Vemos portanto que a população que não tem informação de como esses casos terminaram anteriormente, ou que deles se esqueceram, tornam-se suscetíveis de dar credibilidade a uma informação anteriormente refutada, quando esta informação é trazida novamente a público por algum veículo que seja considerado idôneo.
 
3. A Agência de Notícias Free Press - A semiose da desinformação.
 O melhor modo de plantar informações com facilidade nos diversos órgãos de impressa é através de uma Agência de Notícias, que divulgue releases para esses mesmos órgãos. Muitos jornais aproveitam esses releases, em suas matérias, fazendo algumas alterações na sua redação mas mantendo o conjunto ou parte da informação neles divulgado. Durante a campanha de FHC uma agência com o objetivo de veicular informações que fossem favoráveis à sua campanha foi organizada junto ao seu comitê, recebendo o nome de Free Press. Esta agência elaborava matérias que eram divulgadas como de sua autoria através da Agência Estado, uma outra agência de notícias bastante conhecida no meio jornalístico.
A agência Free Press, que tinha facilidades para realizar entrevistas com representantes do governo, fazia a promoção do Plano Real, de Fernando Henrique e plantava falsas informações na imprensa sobre as posições de candidatos adversários, especialmente Lula, buscando mostrar a sua inviabilidade como possível presidente.
No dia 19 de Agosto, uma sexta-feira, o comitê de campanha de Fernando Henrique distribuiu aos jornais do interior do país uma matéria assinada pela Free Press, informando que se Lula fosse eleito ele poderia dar um "calote na dívida interna", e que poderia prejudicar "todo mundo que tem dinheiro aplicado nos fundões, em cadernetas de poupança ou FGTS". Esta situação era tanto mais grave, porque segundo a agência, tal reportagem havia sido redigida tendo por base uma entrevista que Gustavo Franco - um dos elaboradores do Plano Real e apontado como o "pai da URV" (190) -, havia concedido à agência. O próprio comitê de Fernando Henrique confirmou a distribuição da matéria, afirmando que ela havia sido oferecida aos jornais com a sugestão de ser publicada no domingo. Na primeira versão divulgada desta entrevista, Gustavo Franco declarava que Lula estava planejando "alguma coisa à la Collor". A expressão fazia referência ao bloqueio de poupanças e contas correntes realizado pelo Plano Collor. A matéria afirma que "uma moratória da dívida interna é um calote parecido com o confisco de dinheiro feito pelo ex-presidente Fernando Collor". (191) Condenando uma suposta declaração de Aloizio Mercadante, sobre a necessidade de promover uma renegociação da dívida externa em um futuro governo Lula, Gustavo Franco afirmou: "Temo que os defensores dessa idéia estejam atrás de outras coisas. Que eles estejam não atrás da renegociação da dívida externa, mas da dívida interna. Temo que estejam planejando alguma coisa à la Collor". Em seguida perguntou o repórter da Free Press, "Estariam atrás de algo parecido com o confisco das cadernetas de poupança? Um calote da dívida?" E Gustavo Franco afirma que "alguma coisa, sob o argumento de que o sistema financeiro nacional teve muito lucro nos últimos anos". A agência então perguntou se quem perderia com o calote seriam os aplicadores do "fundão" ou das cadernetas de poupança, ao que Gustavo Franco respondeu que os títulos da dívida pública "são hoje base da riqueza de muitos trabalhadores, pequenos poupadores, como no caso dos fundos compulsórios, entre eles o FGTS" (192).
Lembra Denise Madueño, da sucursal da Folha de São Paulo em Brasília que, em seu programa de governo, o PT não defendia calotes , mas o "alongamento do perfil da dívida interna. A prática consiste em renegociar os juros dos títulos do governo em mãos do capital privado, o que pode acarretar uma diminuição dos juros pagos para as aplicações financeiras." (193) Ainda segundo a jornalista, o material que chegou aos jornais "foi produzido pela agência ‘Free Press’, criada especialmente para prestar serviço ao comitê de Fernando Henrique. A distribuição aos jornais foi feita por intermédio da ‘Agência Estado’, contratada pelo escritório de campanha do candidato." (194)
Quando as declarações atribuídas a Gustavo Franco repercutiram, o comitê de Fernando Henrique armou uma "operação despiste", como se afirmou na época. A Free Press produziu, então, um segundo texto da entrevista no qual suprimiu as declarações mais polêmicas de Franco. Conforme os jornalistas Denise Madueño e Gustavo Patú, " a assessoria de FHC pediu que fosse desconsiderado o texto anterior por conter ‘erro de interpretação’" (195). No segundo texto são retiradas as afirmações de que Lula planejasse "alguma coisa à la Collor" e sobre um eventual calote da dívida interna que prejudicaria os que aplicavam no "fundão" ou na poupança, etc. Contudo, permaneceu na segunda versão, uma pergunta sobre o possível calote na dívida interna. Desta vez, entretanto, o " texto foi distribuído para todos os jornais interessados e não apenas aos assinantes da ‘Agência Estado’, como na primeira versão." (196)
De sua parte, Pedro Malan, então presidente do Banco Central, providenciou junto à assessora da Fazenda, Maria Clara do Prado, uma nota à imprensa que desmentisse as afirmações mais contundentes da matéria.
Em um jogo semiótico curioso, Gustavo Franco redige, então, uma pequena nota em que "não nega as declarações, mas nega que as tivesse dado como entrevista" (197), isto é, mantém os mesmos interpretantes distribuídos na entrevista, mas busca resguardar uma posição ética, de que não estivesse fazendo campanha contra Lula na condição de diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, mas que apenas estava conversando com correlegionários do PSDB: "Como membro do PSDB, nada me impede de manter o relacionamento com pessoas do partido" (198). Destacou também que suas opiniões pessoais "não podem ser utilizadas como material de campanha política". Por isso mesmo, na nota, ele repudia, "veementemente, a iniciativa da divulgação da matéria creditada à Agência Free Press" (199). Conforme Jânio de Freitas, Franco faz o "repúdio, veementemente", da "iniciativa da divulgação da matéria (...) pelo comitê de Fernando Henrique Cardoso". (200) Com isso, na nota, Franco nega que tenha dado uma "entrevista", mas não desmente o que nela está escrito. (201) O teor de suas declarações ao jornalistas que conversavam com ele particularmente, entretanto, havia sido um pouco diferente. Afirmava estar "chocado com essa maluquice que saiu do comitê" de Fernando Henrique e que desautorizava "totalmente" o que havia sido divulgado. Quando perguntado "se teria dito que Lula poderia estar planejando algo ‘a la Collor’", ele afirmou que não, e também acrescentou que "o PT não seria doido para isso". (202)
Analisando o episódio comentou Janio de Freitas que "se o texto da entrevista não implicasse, por si só, crime eleitoral do... diretor do BC e do comitê central de Fernando Henrique, Gustavo Franco e o mesmo comitê assim o caracterizaram logo na decorrência imediata da entrevista." (203) O jornalista comentou também que a matéria, "elaborada pela suposta agência Free Press (um serviço criado no comitê para plantar notícias nos meios de comunicação, fazendo-se passar por agência de notícias), cujas criações eleitoreiras são distribuídas pela ‘Agência Estado’ (apesar do nome, não é oficial, é do jornal ‘O Estado de S. Paulo’), a entrevista motivou uma corrida de repórteres ao BC, escandalizadas que ficaram as redações com o novo collorismo que as invadia na tarde de sexta-feira" (204) - uma vez que esse expediente de divulgar essas mesmas informações já havia sido utilizado por Fernando Collor de Mello em 1989. (205)
Ao tomar conhecimento da matéria, o PT entrou com uma representação no TSE contra Gustavo Franco, contra a Free Press e contra a coligação de partidos que tinha Fernando Henrique como seu candidato a presidente, considerando a entrevista "divulgação de fato sabiamente inverídico, distorção ou manipulação de informações relativas a partido, coligação ou candidato com o objetivo de influir na vontade do eleitor." (206) Entre outras coisas, a representação requeria, conforme os jornais, "abertura de investigação judicial para apurar o uso indevido de veículos de comunicação - no caso, a Free Press - em benefício de FHC." (207)
Em razão do processo na justiça, a Free Press encaminhou sua defesa junto ao TSE, na qual afirmou ter cometido um "erro de interpretação" na elaboração da reportagem. (208) O jornalista Lucas Figueiredo, que fez na época a cobertura desse episódio, assim reportou o fato: "A agência de comunicação ‘Free Press’, do comitê do candidato Fernando Henrique Cardoso (PSDB-PFL-PTB), reconheceu ter errado na divulgação de uma entrevista do diretor para Assuntos Internacionais do Banco Central, Gustavo Franco, concedida a ela como peça de campanha." (209) Como o processo aberto arrolava na peça acusatória as matérias publicadas na Folha de São Paulo denunciando o episódio, a Free Press alegou em sua defesa que o jornal não teria considerado a segunda versão da entrevista na qual haviam sido retiradas as referências de Gustavo Franco a Lula e destacou também que "o autor da sugestão da matéria assumiu a sua autoria e responsabilidade, assim como o jornal assumiu, através de seus jornalistas, a autoria da matéria" (210). A Folha, por sua vez, publicou uma "Nota da Redação" sobre este argumento, dizendo que: "a reportagem da Folha teve como base o material de campanha distribuído pela agência ‘Free Press’. Tanto a reportagem distribuída, quanto o teor das declarações atribuídas a Gustavo Franco, foram confirmados à Folha. A ‘Free Press’ só procurou desmentir as declarações após saber que elas seriam publicadas pela Folha de forma crítica." (211)
Por fim, no dia 9 de setembro, a Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ, solicitou à Corregedoria Eleitoral do TSE que suspendesse a divulgação, feita pela Agência Estado, de releases da candidatura de Fernando Henrique, produzidos pela Free Press de Notícias. (212) A FENAJ solicitava também "que – no caso de não ser suspensa a divulgação – todo o material da Free Press seja caracterizado pela Agência Estado como propaganda do candidato" (213), uma vez que as matérias, não sendo caracterizadas como propaganda paga, desobrigavam os clientes da Agência Estado - que as reproduziam nos diversos veículos de comunicação - a esclarecer que aquele material tinha sido elaborado, de fato, pela assessoria do candidato em favor de sua campanha. (214) O documento denunciava ainda que a Free Press, mantinha "relação privilegiada com várias autoridades do governo e "oferecia entrevistas às agências de notícias sobre o Plano Real" que eram distribuídas como material jornalístico. (215)
Este grave crime eleitoral apresenta vários elementos interessantes para nossa análise.
Um release enviado para jornais, rádios e TVs como peça sígnica produzida por uma nova agência de notícias, mas distribuído por uma outra agência que seria confiável, recebe o interpretante de confiabilidade que era aplicado à agência conhecida. Este era um expediente fácil para plantar informações aparentemente idôneas que gerassem interpretantes favoráveis a Fernando Henrique e desfavoráveis aos outros candidatos. Não se tratava apenas de comunicar "informações", mas de produzi-las, como se fossem signos indiciais de um outro objeto dinâmico, sendo na verdade apenas símbolos modelizados a partir de uma semiose voltada a promover uma certa hegemonia política.
Evidentemente isso era um crime eleitoral, pois se tratava de matérias produzidas sob a orientação do comitê de campanha de Fernando Henrique. O fato da Free Press se caracterizar como pessoa jurídica, entretanto, gerava um outro interpretante - quando modelizada sob a semiose do direito - que lhe garantia a legalidade para distribuir os seus releases e responder pelo seu teor. Esta formalidade assegurada democraticamente era, entretanto, utilizada como forma de burlar a própria legitimidade democrática do processo eleitoral, uma vez que a agência manipulava informações com o objetivo de influir na vontade do eleitor. Temos aqui, novamente, o mesmo expediente do regime globalitário: a modelização de vários signos que capturam pessoas físicas e jurídicas concedendo-lhes estatutos peculiares permitindo-lhes a aplicação de interpretantes que operam favoravelmente, ao avanço do projeto hegemônico neoliberal representado, neste caso, pela candidatura de Fernando Henrique Cardoso.
Semioticamente estamos frente a um simulacro - um comitê eleitoral que se passa por uma Agência de Notícias. Entretanto como um signo jurídico é aplicado fazendo surgir uma pessoa virtual - a Free Press - o simulacro ganha estatuto de realidade efetiva para os procedimentos técnicos legais que salvaguardam o comitê de responder pelas ações da agência. Tal efetividade, entretanto, é resultado de um jogo semiótico - isto é, do estabelecimento de registros (que se reduzem a signos) em um cartório, a partir do qual esta pessoa jurídica passa a existir sendo registrada como uma agência noticiosa. Assim, enquanto o simulacro tornado efetividade jurídica se defende perante o Tribunal Eleitoral, os sujeitos históricos efetivos, que desaparecem por trás deste simulacro, saem ilesos da apuração judicial e de suas responsabilidades - afinal Gustavo Franco repudiou publicamente a divulgação de suas opiniões pessoais como material de propaganda política em favor de Fernando Henrique. (216)
O mesmo jogo do simulacro pode ser percebido quando analisamos o estatuto das peças sígnicas assinadas pela Free Press e distribuídas pela Agência Estado. Uma agência de notícias não pode distribuir material de propaganda de qualquer candidatura como se fossem releases de uma agência noticiosa. Sendo material de propaganda os órgãos de imprensa somente poderiam reproduzi-lo como matéria paga ou, se retomassem suas afirmações, eticamente deveriam informar aos leitores que sua fonte era um comitê de campanha. Contudo o simulacro aqui também opera. Modelizadas sob os interpretantes de uma agência de notícias as informações dos releases poderiam ser ecoadas pelos vários órgãos de imprensa com absoluta normalidade jurídica. A própria fonte poderia ser citada - uma agência de notícias - emprestando à informação um status de fidedignidade à "realidade". Assim, o simulacro substitui - para o leitor, para o telespectador ou para o rádio-ouvinte daquela informação - a própria "realidade", dada a confiança que tenha no órgão informativo que a divulga.
Ao enviar a primeira versão da entrevista com Gustavo Franco para os assinantes da Agência Estado, a Free Press agia, provavelmente, como de outras vezes em relação a outros releases. Se nenhuma suspeita sobre a idoneidade da informação tivesse sido levantada, provavelmente, não teria sido distribuída uma segunda versão da mesma reportagem. A repercussão da primeira, entretanto, confere um novo estatuto ao segundo texto, em que se destacam as suas lacunas em relação ao primeiro, justamente as informações mais polêmicas que haviam sido propagadas. A nota de Franco, ao não desmentir categoricamente as afirmações que por ele teriam sido feitas, confere um interpretante de vigência às frases que agora são lacunas no segundo texto, embora, por telefone - antes de divulgar a nota - tivesse dito a um jornal que não fizera a afirmação de um possível calote que seria dado por Lula. Conforme Leon Festinger, a propagação de boatos ocorre em razão de que, ao ouvir uma informação que instaura uma dissonância cognitiva em seu conjunto de interpretantes, o indivíduo busca a opinião de uma outra pessoa a fim de superar esta situação incômoda, isto é, busca uma nova informação que lhe permita aceitar ou rejeitar aquele informação dissonante precedente. Esta outra pessoa consultada, entretanto, ao receber a mesma informação entra também em estado de dissonância cognitiva e assim sucessivamente, fazendo com que uma informação que seja dissonante a alguns passe a se propagar cada vez mais, atingindo a muitos. Ora, teria Gustavo Franco afirmando ou não tais coisas ? Seria Lula capaz ou não de fazer tais coisas? O que mais importava, do ponto de vista político, era estabelecer essa dissonância cognitiva acerca do futuro em um possível governo Lula. O fato de a segunda versão da entrevista ter sido distribuída, então, para todos os órgãos de imprensa - e não apenas para os assinantes da Agência Estado - e manter ainda uma pergunta sobre o calote, faz com que se dê atenção para as lacunas, gerando-se dissonâncias e produzindo-se novos interpretantes.
 
4. O Plano Real e algumas características econômicas da inserção do país na ordem globalitária
 O Plano Real implementou todos os quesitos do receituário do Consenso de Washington. Uma análise detalhada revela também que todas as características econômicas anteriormente apontadas do regime globalitário se verificam em políticas e ações de FHC. Sob o seu governo, o Brasil vai se tornando, cada vez mais, refém dos capitais financeiros - basta considerar o nível elevado das taxas de juros aqui praticadas e o volume de recursos que são empenhados no pagamento das dívidas interna e externa, que aumentaram muito em sua gestão. O país vive sob um plano de estabilização econômica, de concepção monetarista; promove-se a desregulamentação econômica, o livre-comércio, o livre fluxo dos capitais e massivas privatizações. O pragmatismo econômico é posto acima dos interesses humanitários ou sociais frente aos excluídos pela nova ordem econômica, excluídos que crescem em quantidade a cada dia. Os direitos sociais ficam subordinados à lógica da competição no mercado. Mesmo nas áreas de saúde e educação, o desmonte do Estado força as pessoas a buscarem planos privados de saúde e escolas particulares - especialmente no caso dos cursos superiores, técnicos, pré-vestibulares e creches. Mantêm-se a formalidade democrática com eleições regulares, imprensa livre, etc, mas não se garante o controle público das mídias. O Brasil se submete a normas exógenas para obter financiamentos internacionais e espera que os capitais internacionais alavanquem o crescimento da economia. O Estado vai ficando cada vez mais fragilizado em garantir as liberdades públicas, ficando o exercício das liberdades dos indivíduos submetido à lógica dos capitais privados.
Como vimos anteriormente, o Plano Real, efetivamente, se sustenta com três âncoras que são, por ordem de importância, a monetária, a cambial e a salarial. Para a adesão da sociedade, entretanto, o governo se vale de muitos jogos de mídia e truques econômicos. Em seguida analisaremos alguns deles.
a) Âncora Salarial
Com a âncora salarial, o governo adotou a política de reduzir o poder de compra da população, não concedendo reajustes ou aumentos para evitar aquecimento do consumo. Na virada da URV para o Real houve perdas consideráveis, dependendo da categoria e da data-base dos reajustes particularmente as categorias que integravam o grupo C na política de reajustes. O salário mínimo, por exemplo, perdeu 10,8% após a implementação da URV até a virada do Real. (217) O próprio então Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, reconheceu que havia ocorrido perdas salariais e sugeriu à iniciativa privada que concedesse um abono aos trabalhadores que cobrisse as perdas, como o governo já estaria fazendo com os setores públicos (218). Os jogos de mídia, entretanto, destacavam o "aumento do poder de compra da população", aspecto que analisaremos mais à frente.
b) Âncora Monetária
Âncora monetária significa manter a estabilidade da moeda graças a elevação das taxas de juros. Estas sempre permaneceram muito altas durante todo o Plano Real, fazendo crescer a dívida interna, pois o governo é obrigado a recomprar os títulos que vende e pagar os juros que neles estão embutidos. A elevação dos juros afeta não apenas a dívida mobiliária do governo, mas toda a economia. Quando os juros aumentam, o crédito diminui e os que já estão endividados o ficam ainda mais. Para saldar as dívidas os comerciantes realizam liquidações, visando fazer caixa, e reduzem a compra das indústrias; para cortar custos as empresas demitem trabalhadores; ocorre também uma redução nas importações, uma vez que as lojas têm como perspectiva a queda nas vendas; se os juros estão muito elevados ocorre ainda a tendência de liquidação de ações nas bolsas; por fim, como é necessário converter os dólares em real para os investidores aplicarem no sistema financeiro, o Banco Central passa a contar com mais dólares e sempre espera que novos investidores externos tragam mais dólares para investi-los no país. Quando aumenta a entrada de dólares no país, o governo vai abaixando taxa até o limite que considera adequado, evitando ampliar a demanda dos consumidores, a fim de que não ressurja a inflação. Assim, ao invés de adotar políticas que aumentem a produção interna para satisfazer a demanda, o que por sua vez aumentaria a produção gerando empregos e distribuindo renda na forma de salários, promovendo-se um círculo econômico virtuoso, o governo prefere abrir largamente o país às importações para atender a demanda por consumo ou aumentar a taxa de juros, tanto para conter uma possível demanda de certos segmentos quanto para atrair dólares ao país na ciranda financeira. Com a âncora monetária, portanto, mantêm-se juros altos para conter consumo e atrair investidores externos.
Esta política, contudo, fez a dívida interna saltar de R$ 47 bilhões para R$ 154 bilhões desde o início do plano até julho de 1997. A alta de juros promovida em março 95, para enfrentar possíveis desdobramentos da crise do México e frear o crescimento econômico contendo o consumo, foi mais drástica que a realizada quando da crise das bolsas na Ásia visando-se, naquela oportunidade, manter os investidores externos. No episódio de 1995 as taxas dos títulos públicos ultrapassaram aos 50% anuais em valores reais acima da inflação, ao passo que durante a crise dos Tigres as taxas subiram nominalmente de 20,7% para 43,7% ao ano (219) ou 37,5%, em juros reais, não havendo nada comparável no planeta a essas taxas. Como destacou Paulo Nogueira Batista Jr, considerando-se as taxas de juros de curto prazo fixadas a partir de 31 de outubro de 1997, enquanto no Brasil têm-se 37,5% ao ano, "nos países do G-7 (EUA, Canadá , Japão, Alemanha, França, Itália e Reino Unido) a taxa real média é 2,9 % variando entre o mínimo de 0,5% no Japão e o máximo de 5,4% na Itália. Os juros reais brasileiros são, portanto, 13 vezes maiores do que os juros médios nos principais países desenvolvidos." (220) Se considerarmos a taxa anual de juros reais praticada em 1996 (tabela 1), veremos que essa diferença não é fruto somente de questões conjunturais. Ela tem sido estruturalmente mantida em patamares superiores ao dos demais países a fim de atrair dólares e garantir as reservas cambiais. Pela ampliação da dívida interna do país no período do Plano Real e do modo como ela é financiada, valeria a seguinte comparação: o país se assemelha a uma família que, para pagar as contas do mês, empresta dinheiro de agiotas, tendo uma dívida ainda maior no mês seguinte, obrigando-a a reduzir gastos e vender alguns pertences para pagar os juros enquanto a dívida continua crescendo mês a mês.

Tabela 1 - Taxa Anual de Juros Reais em 1996 por países selecionados

Fonte: "Global Economics" e "Folha de São Paulo" (221)

Por outra parte, se compararmos as taxas reais de juros praticadas no Brasil em relação ao conjunto dos "mercados emergentes", considerando-se os juros básicos de curto prazo, apresentados na tabela 2, perceberemos que somente cinco outros países mantém taxas de juros de 10% ou mais.

Tabela 2 - Taxas de Juros nos "Mercados Emergentes"

(*) Taxa de juro de curto prazo no início de dezembro de 97
(**) Índices de Preço ao Consumidor. Taxa de Inflação em 12 meses até o mês indicado
(***) Taxa Básica do Banco Central
(****) IPC-Fipe
Fonte: Dados Brutos - "The Economist", "Folha de São Paulo" (222).
Taxas de juros de curto prazo, nos patamares brasileiros, mantidas por muito tempo, revelam um desajuste econômico que influencia negativamente a tomada de decisão de investidores externos quanto a aplicar produtivamente o seu capital no país, ao passo que pode ser atrativa a capitais especulativos. Contudo, qualquer sinal da incapacidade do governo em honrar efetivamente os títulos que coloca no mercado, pode levar a uma fuga de capitais, uma vez que os investidores temem uma desvalorização cambial acentuada que consumiria os ganhos obtidos com a taxa de juros. Esta fuga de capitais provoca instabilidade econômica.
Para abater parcelas desta dívida interna que vai crescendo segundo as taxas de juros que o próprio governo pratica, ele se vale dos recursos da venda das estatais que são privatizadas. Entretanto, se houver continuidade dessa política indefinidamente, após o governo vender todas as empresas públicas, vai sobrar muita dívida ainda por pagar e toda a população terá que arcar com as conseqüências. Os municípios, por exemplo, já tiveram seus recursos diminuídos, tendo que cortar parte de suas políticas básicas. Estes recursos ficam com o governo federal, a fim de garantir o pagamento dessa dívida, rolando os títulos no mercado financeiro.
Ora, os jogos de mídia dizem que é preciso privatizar os serviços públicos para melhorá-los e que o monopólio estatal é ruim. Mas o caso da privatização da Light, no Rio de Janeiro, mostra uma realidade bastante diferente. Após a privatização, o serviço piorou muito, ocorrendo vários blecautes na cidade do Rio com muitos prejuízos para a população, embora a empresa tenha elevado bastante a tarifa e registrado um lucro formidável. Como é impossível haver concorrência na distribuição de energia elétrica em uma mesma cidade, trata-se de um monopólio privado, ineficiente para o consumidor mas lucrativo para os proprietários e acionistas. A privatização da Vale do Rio Doce, como muitas outras, não visou acabar com monopólios e nem melhorou a qualidade do serviço público, mas, basicamente, render capital ao governo para pagar os juros de seus títulos vendidos no mercado financeiro - principal motivo de urgência no programa das privatizações.
c) Âncora Cambial
Com a âncora cambial, o Governo mantém a paridade aproximada do real com o dólar. Isso possibilitou um outro jogo de mídia fabuloso, quando da conversão da URV para o Real. No início da década de 90, uma tese de pós-graduação provou que, considerados em longos períodos, a desvalorização dos cruzeiros frente ao dólar e a inflação de preços interna ao país marchavam seguindo uma certa paridade, isto é, o preço dos produtos em valores reais no país permanecia idêntico ao seu preço em dólar. O Plano Real introduziu, então, uma unidade real de valor - atualizada periodicamente por uma média de índices inflacionários, fazendo com que a URV não se desvalorizasse frente ao dólar. No final, entretanto, passou-se a tomar, como referência para a atualização da URV, um valor abaixo da média dos três índices. No momento final da primeira etapa do plano, quando essa Unidade Real de Valor foi convertida em Real, o Real ficou nominalmente e realmente valendo mais que o Dólar. Isso foi uma jogada espetacular do ponto de vista de Marketing.
Sob o imaginário popular, isso significava que todos possuíam uma moeda forte, que dava orgulho ao país. A moeda deixava de ser uma referência para trocas, passando a significar uma prova concreta de que a utopia da estabilidade econômica e do bem estar social estava ao toque das mãos. Como diria o bordão da campanha, "está na sua mão, na minha mão, na mão da gente, fazer do Brasil um país diferente". As belas notas, que levavam a assinatura de Fernando Henrique Cardoso como Ministro da Fazenda, enchiam as pessoas de confiança. A população não entendia, entretanto, que o câmbio sobrevalorizado traria, fatalmente, inúmeros problemas à economia nacional.
Como no primeiro ano do Real a inflação foi elevada, para uma economia desindexada, agravou-se ainda mais o problema do câmbio, uma vez que era necessário desvalorizar o Real frente ao dólar, não apenas para recompor a diferença que ficara embutida nos cálculos da URV, mas também para incorporar a desvalorização real da moeda provocada pela inflação no país. Para facilitar o entendimento desta situação, tomemos um exemplo hipotético, com números arredondados. Imaginemos que antes da conversão da URV para o Real, um certo produto, quando fabricado no Brasil, custasse 10 URVs e, quando produzido no exterior, custasse US$ 10,00. Supondo que no momento da conversão o câmbio tenha sido sobrevalorizado em 5%, a produção daquela mercadoria passaria a custar US$ 10,50 no Brasil, mas se manteria nos mesmos US$ 10,00 no exterior. Consideremos que a inflação de um primeiro período tenha sido 10%. Após esse período a produção daquela mercadoria passaria a custar R$ 11,00 ou US$ 11,55 no Brasil, ao passo que no exterior a sua produção ainda custaria US$ 10,00. Percebemos assim que, com essa política, o país vai perdendo competitividade no mercado externo e a sua balança comercial vai ficando prejudicada. Após a eleição de Fernando Henrique, contudo, o governo adotou a política das bandas cambiais, estabelecendo patamares máximos e mínimos de ajuste do câmbio, a fim de desvalorizar o Real sinalizando previamente ao mercado em que patamares a desvalorização ocorreria. Essa desvalorização lenta e gradual não conseguiu recompor, até 1998, um quadro cambial favorável à exportação nacional pressionando os déficites na balança comercial.
Por outro lado a política de desvalorização cambial em outros países tem tornado seus produtos ainda mais competitivos no mercado internacional como mostra a tabela 3 considerando-se a desvalorização das diversas moedas em relação ao dólar em 1997. A coluna desvalorização real considera tanto a desvalorização nominal da moeda quanto a inflação doméstica do respectivo país e a inflação nos Estados Unidos no mesmo período. Analisando esses dados, podemos perceber que a desvalorização de nossa moeda frente ao dólar em 5,3%, no ano de 1997, foi muito inferior à maioria dos países desenvolvidos no mesmo período, o que torna mais difícil a concorrência, no mercado internacional, de produtos fabricados no Brasil.
Se o governo adotasse uma política de desvalorização cambial mais acentuada, em contrapartida ele teria que elevar ainda mais as taxas de juros para evitar a fuga de capitais externos que compram seus títulos. Para facilitar o entendimento básico desse mecanismo, consideremos o seguinte exemplo hipotético, arredondando valores e simplificando procedimentos. Um investidor externo aplica US$ 100 milhões comprando títulos do governo. Para tanto necessita converter seus dólares por reais a uma certa cotação cambial. No final de um período, com taxas médias de juros em 15%, já descontados os impostos, esse investidor deseja converter seus reais por dólares e aplicar seu capital em uma empresa em seu país natal. Ora, se não tivesse ocorrido nenhuma alteração no câmbio, nesse período, ele teria US$ 15 milhões em lucro e levaria seus US$ 115 milhões embora. Contudo, se o governo desvalorizasse em 5% o câmbio pouco antes do investidor recomprar seus dólares, seu lucro cairia para US$ 9,25 milhões e levaria consigo, então, US$ US$ 109,25 milhões. Entretanto, se tivesse ocorrido uma desvalorização de 20% do real em relação ao dólar, o investidor - no momento de trocar os reais por dólar - teria um prejuízo de US$ 8 milhões e levaria consigo somente US$ 92 milhões, pois ele perdeu muito mais com a conversão das moedas do que ganhou com as taxas de juros. Assim, se o governo desvalorizar o câmbio, ele necessita aumentar as taxas de juros para continuar mantendo aplicações atraentes para investidores externos. Essa é a principal armadilha do Plano Real, que aprisiona o governo "entre a cruz e a espada", mantendo a inflação sob controle enquanto conseguir vender seus títulos no mercado financeiro.

Tabela 3 - Desvalorização De Moedas Em Relação Ao Dólar Em 1997

(*) Acumulada em 12 meses até 30 de Dezembro de 1997
(**) Índices de Preço ao Consumidor. Taxa de Inflação em 12 meses até o mês indicado
(***) Considerada uma taxa de inflação nos EUA, medida por um índice de preços ao consumidor, de 1,8% em 12 meses até novembro de 1997
Fonte: Dados Brutos - "The Economist", "Folha de São Paulo" e "Gazeta Mercantil" (223).
O mecanismo da âncora cambial, com o câmbio sobrevalorizado, somente funciona para conter a inflação quando ocorre uma abertura generalizada às importações, pois os produtos importados que chegam ao país são mais baratos que os similares nele fabricados. A abertura às importações - que subiram US$ 30 bilhões de 1992 a 1995 - provocou, contudo, um déficit na balança comercial, isto é, o Brasil importou muito mais do que exportou. Conforme o argumento do governo, este déficit vem ocorrendo em função do aumento da importação de "bens de capital", isto é, máquinas, equipamentos e outros instrumentos produtivos que seriam usados na ampliação de investimentos no país. Conforme o argumento governamental, "na medida em que esses investimentos se transformem em produção competitiva, as exportações se elevarão e a balança se reequilibrará." Contudo, uma análise mais detalhada das importações mostra que o grosso da importação, cerca de US$ 21 bilhões, corresponde a bens de consumo e matérias-primas. Somente US$ 9 bilhões foram gastos na importação de bens de capital (224). Pior ainda, as estatísticas também revelam que a indústria doméstica que atua nessa área de bens de capital se manteve em queda após a implantação do Plano Real, justamente porque não conseguiu suportar as pressões geradas pela importação destes bens, com financiamentos mais satisfatórios no exterior a taxas de juros mais suaves. Considere-se ainda que parcela significativa das importações de bens de capital, vieram substituir o que essas empresas produziam internamente, não significando uma incorporação de tecnologias muito mais avançadas.
Analisando o perfil dos bens de consumo importados, vale destacar que entre janeiro e outubro de 1996 o Brasil gastou mais de US$ 1 bilhão importando supérfluos, entre os quais elencam-se, até mesmo, penas de aves para encher travesseiros e cestas de palha - como mostra a tabela 4. Naquele ano, o déficit externo nas contas do país foi o maior registrado nos últimos 13 anos. O saldo negativo de transações correntes - incluindo a balança comercial e de serviços bem como as transferência de dinheiro entre o Brasil e o exterior - atingiu 3,27% do PIB, chegando a US$ 24,347 bilhões de dólares (225).

Tabela 4 - Importação Brasileira -Ítens Selecionados para 1990 e 1996.

Valores Em US$ Milhões

* Dados entre janeiro e outubro de cada ano
** Objetos de osso, marfim, vassouras, escovas, garrafas térmicas, manequins, etc
FONTE: Dados da Secretaria da Receita federal, trabalhados pela MB Associados (226).
Destaque-se por fim que uma certa parte das empresas do país optou por se fundir com empresas transnacionais a fim de melhor enfrentar a situação de abertura aos capitais internacionais. Um estudo da Fipe, solicitado pela Fiesp, mostra que o número de fusões globalizadas e aquisições entre empresas nacionais e estrangeiras dobrou desde a implantação do Plano Real, saltando de 94 em 1994, para 186 em 1997 - sendo que os dados deste último ano referiam-se a projeção com base em dados de janeiro a agosto. A pesquisa também considerou tanto a compra e venda de participações minoritárias em empresas, quanto a associação entre empresa nacional e estrangeira em novos negócios. Conforme Boris Tabacof, diretor de economia da Fiesp, "esse processo de abertura é traumático, e o centro desses traumas ficou em São Paulo. A Fiesp acaba sendo uma caixa de ressonância dessas preocupações". (227) Afirmou ainda que é necessário desmistificar o tema da globalização, que normalmente é tratado com exagerada emoção. Conforme Tabacof o estudo teria demonstrado que no processo de integração do Brasil à economia mundial, a desnacionalização da indústria é menor do que se imaginava, uma vez que, das 600 operações realizadas entre os anos de 92 e 97, em 172 delas tem-se uma empresa brasileira como compradora. Entretanto, como salientaram alguns jornalistas é preciso destacar que os dados "não distinguem a natureza e o valor das operações - para o estudo, a compra de uma grande indústria de autopeças pelo capital estrangeiro se equipara à compra de uma participação minoritária" brasileira em uma grande empresa multinacional (228). Na Fiesp, todavia, há os que consideram que a desnacionalização das empresas no país já passou dos limites aceitáveis. Roberto Jeha, diretor da entidade, embora reconheça que "a globalização é fato, não há como negar", destaca contudo que "o Brasil precisa ter um projeto nacional para uma inserção autônoma na economia mundial" (229). Comentam os jornalistas que "para o empresário, a defesa pura e simples da abertura da economia acaba significando uma forma de inserção ‘subordinada’" (230). Outros, entretanto, argumentam que "essas operações são a maneira de se obter novas tecnologias e representam a entrada de novos concorrentes no mercado brasileiro" (231)
d) Os Privilégios "Democraticamente" Concedidos ao Capital Internacional.
Em alguns casos os incentivos concedidos para a vinda dessas empresas são impressionantes. O episódio da instalação de uma unidade da Detroit Diesel Corporation no Paraná, a fim de produzir motores para uma montadora da Crysler na região metropolitana de Curitiba, por exemplo, permaneceu cheio de mistérios durante todo o período de negociações. Quando os protocolos foram assinados, entretanto, a imprensa divulgou que o governo do estado havia se comprometido a desembolsar US$ 10 milhões para que a empresa operasse no Paraná. Curiosamente, o estado se comprometia, ainda, em pagar à empresa US$ 3.000 a cada emprego direto, por ela gerado, até um limite máximo de 180 empregados. Como noticiou a imprensa, "dos US$ 10 milhões, US$ 7,5 milhões já foram repassados. (...) Além de US$ 10 milhões recebidos (que serão pagos em moeda nacional sem juros ou correção monetária em 31 de março de 2007) e do pagamento de US$ 3.000 por emprego gerado até o limite de 180..., a empresa... terá vários benefícios fiscais. O Paraná concede liberdade fiscal para a Detroit Diesel Motores do Brasil só pagar ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) quando efetivamente vender um de seus produtos." (232) Por sua parte, a empresa "... se compromete, ‘mantido o atual quadro de estabilidade político-econômica do país’, a produzir cerca de 56 mil motores por ano" (233). A empresa afirmou ainda que investirá, em cinco anos, US$ 130 milhões nesta unidade produtiva. Segundo o secretário da Indústria e Comércio do Paraná, o estado não concedeu nenhum incentivo financeiro à empresa: "Nosso único incentivo foi fiscal, com a dilatação (do prazo) para o recolhimento do ICMS" (234).
Ora, supondo que a empresa investisse os US$ 7,5 milhões adquirindo títulos que o governo põe no mercado, com uma rentabilidade real de 15% ao ano, para sermos modestos, ela teria um retorno de US$ 1,125 milhões em um ano. Supondo que no segundo ano o restante da verba seja liberado e a empresa aplique tudo do mesmo modo, ao final do segundo ano terá um retorno bruto de US$ 1.668.750,00. Supondo que mantenha este procedimento por mais quatro anos, ela teria um rendimento de U$1.919.062,50, no primeiro ano, US$ 2.206.921,80 no segundo ano, US$ 2.537.960,07 no terceiro ano e US$ 2.918.653,95 no quarto ano. Assim, no prazo de seis anos os US$ 10 milhões teriam se transformado em US$ 22.376.346,00. Contudo, para o dono da empresa faltariam ainda quatro anos para devolver o capital inicial, sendo que sobre ele já teve um lucro líquido real maior que US$ 12 milhões. Destaque-se ainda que o dinheiro será devolvido ao governo em reais sem juros ou correção monetária no final do período. O que isto significa ? Imaginemos que após esses seis anos a crise da dívida interna se agrave, surgindo uma "instabilidade econômica" que desobrigue a empresa de cumprir o contrato. O empresário, então, simplesmente guarda no seu cofre os US$ 22 milhões em moeda norte-americana. O governo do Brasil começa, por sua vez, a promover uma política de desvalorização cambial mais acentuada para enfrentar a situação, como vêm fazendo todos os demais países - e, de modo dramático, no caso dos tigres Asiáticos. Digamos que nos quatro anos seguintes ocorra uma desvalorização cambial total de 40%. Isto significará que aquela dívida inicial em reais passou, realmente, a ser agora 40% menor para o empresário, que para saldá-la converterá seus dólares por reais. Nominalmente, contudo, ele pagará em moeda nacional a importância estabelecida no início do contrato, mantendo-se, portanto, apenas o mesmo signo numérico como sinal de referência. Se o empresário devolver o dinheiro nestas condições, gastará apenas U$ 6 milhões comprando reais para saldar a sua dívida e terá ganho U$ 18 milhões apenas com esse movimento especulativo. Esse capital, entretanto, é muito pouco frente ao que a empresa investirá no país para montar uma fábrica e, pelo contrato que foi firmado, ela não o aplicaria, teoricamente, desse modo. O exemplo, entretanto, é interessante para ilustrar como são impressionantes esses negócios que favorecem o capital internacional no país, onerando os cofres públicos, isto é, o contribuinte. Aqui não cabe mais falar em "negócio da China", mas em "negócio do Brasil".
Pode-se considerar democrático um governo que faz um acordo desses às escondidas da opinião pública ? O contrato feito pelo mesmo estado com a Renault também concedeu vantagens àquela empresa. O governo estadual, entretanto, embora esconda os contratos da sociedade, por outro lado, aproveita a instalação das empresas no Paraná para promover-se politicamente. As micro e pequenas indústrias paranaenses, entretanto, não são favorecidas com acordos deste tipo. Trata-se, claramente, de um benefício ao capital internacional, implementado através de uma ação política neoliberal que não respeita a transparência democrática e que se utiliza dos signos gerados com implantação dessas empresas para convencer a opinião pública do acerto do atual Plano Econômico em nível federal.
e) Algumas Conseqüências desse Quadro
Seja como for, essa abertura descontrolada ao capital internacional, o câmbio valorizado e a as taxas altas de juros compõem um cenário cada vez mais perigoso para a economia nacional. Conforme o economista argentino Guillermo Calvo, que previu com significativa antecedência a crise mexicana, no final de 1994, o Brasil está "jogando um jogo perigoso". Em uma entrevista no jornal argentino Ambito Financeiro, ele afirmou no final de 1996 que o país tem "taxas de juros altas e uma dívida interna de 30% do seu Produto Interno Bruto - e em crescimento". Ele previa para 97 um recrudescimento nas pressões pela desvalorização do real: "neste ano, vence uma importante parcela da dívida brasileira. A esse problema soma-se o déficit comercial, que fortalece os lobbies tradicionais dos exportadores para que a moeda seja desvalorizada." Mesmo frente a essa situação, Fernando Henrique, buscando uma articulação política pela aprovação da medida da reeleição, não mexeria no câmbio. Neste quadro ele "não cairia no erro político de promover uma forte desvalorização do Real". Contudo, afirma Calvo, "a dúvida é se essa situação pode ou não se tornar incontrolável." (235)
 
5. As medidas provisórias e os simulacros da Democracia Formal
O que assistimos no Brasil, pós-ditadura militar, é uma nova forma de autoritarismo legalmente suportado com as medidas provisórias - leis que o executivo tem poder de estabelecer com uma vigência máxima de 30 dias e que podem ser reeditadas novamente, com alterações substanciais ou não, se o congresso não as submeter à votação. O número total de edições e reedições veio subindo, governo após outro: no governo Sarney foram 138, no governo Collor foram 160, no governo Itamar atingiram 505; o governo FHC, até 28 de fevereiro de 1998, por sua vez, já havia alcançado o número de 1.947 medidas provisórias (editadas ou reeditadas), conforme o levantamento do jornal Folha de São Paulo. Outros levantamentos feitos por parlamentares em Brasília indicavam um número maior.
Curiosamente, em 1991, havia um debate sobre o caráter do governo Collor - se ele era autoritário ou não, inclusive, por valer-se do expediente dessas medidas. Em um artigo, afirmando que aquele governo não era autoritário e sim um governo da maioria, o então ministro da justiça, Jarbas Passarinho, fazia uma distinção entre governo totalitário e governo autoritário. Para o ministro que muitas vezes discursou no Congresso brasileiro em nome da Aliança Renovadora Nacional, a famosa ARENA, que deu sustentação à ditadura militar, o regime militar era autoritário mas não totalitário, uma vez que o Estado não obrigaria a todos a aceitarem suas teses, mas basicamente se defenderia da dissidência. (236) Para ele "o autoritarismo caracteriza um governo que oprime os governados, dos quais dispensa o consentimento por maioria. Temos sido governados - continua Passarinho, em 1991 - pela vontade da maioria, desde as eleições, quando se abriram as urnas, até hoje, quando se contam os votos dos parlamentares no Congresso." (237) O ex-ministro, entretanto, não entrava no mérito de como se produz o consentimento social da maioria ou de como se barganhava a maioria no congresso. O esquema de PC Farias e a máfia do orçamento apareceram depois. Para o ex-senador, o fato de o governo Collor valer-se de medidas provisórias - como a que bloqueou os saques nas contas bancárias a partir de um certo limite - não poderia ser compreendido como autoritarismo e questionava: "será, por acaso, autoritário o governo que utiliza um diploma estritamente constitucional, como o das medidas provisórias, amplamente usado pelo seu antecessor, que ninguém acusou de autoritário ?" (238)
Do outro lado da polêmica, acusando o Governo Collor de prepotente estava, indignado, o então senador Fernando Henrique Cardoso, entre outros congressistas. Um artigo seu publicado em junho de 1990, apresentava a disjunção "Constituição ou prepotência? " Seu artigo é bastante interessante pois permite perceber a sua posterior mudança de posição sobre este assunto em particular.
Em eu texto, afirma Fernando Henrique que "o Executivo abusa da paciência e da inteligência do país quando insiste em editar medidas provisórias sob o pretexto de que, sem sua vigência imediata, o Plano Collor vai por água abaixo e, com ele, o combate à inflação. Com esse ou com pretextos semelhantes, o governo afoga o Congresso numa enxurrada de ‘medidas provisórias’. O resultado é lamentável: Câmara e Senado nada mais fazem do que apreciá-las aos borbotões." (239) Conforme o, então, senador, quando este mecanismo foi introduzido na constituição, promulgada em 1988, "...o pressuposto era o de que tais medidas seriam remédio extremo, realmente urgente e relevante. O presidente Sarney foi o primeiro a abastardar tal entendimento. Enviou, de outubro de 89 a março de 90, 148 medidas provisórias. Elas passaram a ser editadas como se fossem os antigos ‘decretos-leis’ " (240) - que eram baixados durante a ditadura militar como o famoso "Pacote de Abril" de 1977, baixado pelo general Ernesto Geisel (241).
FHC destacava, então, que tramitava um projeto na Câmara Federal que esclarecia "o âmbito de matérias legislativas dentro do qual o presidente pode emitir medidas provisórias e, embora se admita a insistência delas quando não apreciadas pelo Congresso (o que já é uma demasia), não se permite - obviamente - que o presidente reedite medida rejeitada pelo Congresso." (242) Altivo, FHC dizia que o dia anterior fora o "dia glorioso para a democracia", uma vez que "o Supremo Tribunal Federal concedeu liminar contra a edição da medida 190", pois esta era "a mesma 185, disfarçada e piorada, o que é inconstitucional." (243) Então FHC e o líder do PSDB na câmara sugeriram ao presidente do Congresso que a emenda fosse devolvida ao presidente Collor. Como o presidente do Congresso não aceitou o pedido, os dois parlamentares recorreram daquela decisão à Comissão de Justiça do Senado. Destacou, então, Fernando Henrique Cardoso: "... ou o Congresso põe ponto final no reiterado desrespeito a si próprio e à Constituição, ou então é melhor reconhecer que no país só existe um ‘poder de verdade’, o do presidente. E daí por diante esqueçamo-nos também de falar em ‘democracia’ Quanto ao Plano Collor, nada há a temer: existem outros mecanismos legais que permitem ao presidente do Tribunal Superior do Trabalho sustar decisões de instâncias inferiores" (244), que pudessem trazer riscos ao plano.
Tempos depois ocorreu o impeachment de Collor, Itamar assumiu a presidência e Fernando Henrique tornou-se Ministro da Fazenda, valendo-se do mesmo expediente das medidas provisórias, submeteu o país a uma nova terapia econômica - o Plano Real. Com medidas provisórias renovadas de mês em mês, o Plano Real chegou ao seu primeiro aniversário em 1995, quando FHC já era presidente do país. Como destacou, então, Jânio de Freitas "a implantação e a permanência do Real foram feitas por 12 medidas provisórias, renovadas a cada 30 dias entre junho do ano passado e maio deste ano." (245) O presidente Itamar assinou a primeira edição da Medida Provisória que instituiu o Real e mais 6 renovações, ao passo que FHC, até o primeiro aniversário do Plano as tinha renovado por 5 vezes. O entendimento que havia então era o de que se o congresso não apreciasse qualquer medida provisória ela poderia ser reeditada quantas vezes o executivo quisesse. Conforme Freitas, "tudo foi e continua sendo subvertido há um ano, portanto, sem que exista lei para tanto, mas tão só um recurso provisório e passível, ao menos teoricamente, de rejeição pelos congressistas." (246) Argumentava ainda o jornalista que o transcurso de um ano, "é prazo mais do que bastante para ver-se que o Congresso abdicou de suas funções e, mais ainda, de suas responsabilidades. Deixou de ser 1 dos 3 Poderes que caracterizam o regime de instituições democráticas: é órgão apenas referendador das decisões do Executivo..." (247) De fato, a medidas provisórias do real foram reeditadas durante 14 meses até se transformarem na lei 9.069/95. Frente a medidas provisórias que são reeditadas por 51 meses - como a que trata "do uso das Notas do Tesouro Nacional para a aquisição de bens do Programa Nacional de Desestatização" - ou por 46 meses - como a que regula as mensalidades escolares (248)-, valeria a disjunção "democracia ou autoritarismo" ? Valeria aplicar a argumentação de Jarbas Passarinho em defesa de Collor, que era criticado por FHC, agora para defender o próprio governo FHC, de que seu governo não pode ser caracterizado como autoritário ao valer-se desse expediente, uma vez que "temos sido governados pela vontade da maioria, desde as eleições, quando se abriram as urnas, até hoje, quando se contam os votos dos parlamentares no Congresso" ?
De fato, não. Não cabe aqui uma disjunção entre "democracia ou autoritarismo", mas uma conjunção "democracia e autoritarismo". Os expedientes da democracia formal, liberal, têm sido utilizados desde a transição democrática da Nova República para evitar que uma democracia substancial e popular seja implementada no país. Em especial, a partir da década de 90, tem sido utilizada para a introdução e manutenção de políticas globalitárias, que estamos analisando detalhadamente neste estudo. Trata-se, ao mesmo tempo, de um regime autoritário e democrático que se reproduz politicamente graças ao processo de hegemonia das semioses que produzem interpretantes favoráveis às medidas governamentais, semioses essas mediadas por grande parte dos veículos de comunicação de grande impacto.
Tendo editado e reeditado cerca de 2.000 medidas provisórias até março de 1998, o Governo FHC pode ser caracterizado como um poder executivo que também tem o poder de legislar conforme suas conveniências. Essa concentração de poder legislativo e poder executivo nas mãos de uma única pessoa se acentua com a manipulação da parcela maior do Congresso, tantas vezes denunciada com as compras de votos que analisaremos em outra seção.
Em um artigo publicado em 7 de dezembro de 1996, com o título Autoritarismo Seródio, Osiris Lopes Filho, que é advogado e professor de Direito Tributário e Financeiro da Universidade de Brasília e ex-secretário da Receita Federal, comenta um outro artigo, de uma economista, destacando a "...omissão da maioria parlamentar governista, mostrando a usurpação da função legislativa por meio de medidas provisórias", e relembra que "o nosso Congresso passou quase um ano sem votar medidas provisórias. Desde 22/11/95, não se apreciava uma MP." (249)
Atualmente, com o recurso dessas medidas, o governo consegue "orientar" as reformas constitucionais - que ele não pode fazer através de medidas provisórias, pois a própria Constituição não o permite. Como denunciaram alguns congressistas, o processo de privatização - em que o patrimônio público estatal acaba sendo transferido, legalmente, para a propriedade e controle de agentes privados - serve também como instrumento de pressão política. De fato, o processo de privatizações, realizado com o suporte de medidas provisórias, durante o presente governo resultou em que tanto, por um lado, algumas valiosas empresas estatais tornaram-se propriedade de agentes privados, quanto, por outro lado, os recursos de suas vendas também são agora propriedade de outros agentes privados, os quais compram títulos governamentais no mercado financeiro, que o governo paga com os recursos das privatizações. Novamente aqui aparece uma característica básica dos regimes globalitários: mantém-se as instituições democráticas formalmente funcionando esvaziadas entretanto de seu objetivo maior que é o de realizar a cidadania de todos os membros da sociedade. Neste caso em particular, "democraticamente", dilapida-se o patrimônio público.
Esta facilidade em transformar em lei as vontades políticas do executivo, torna possível uma nova forma de "corrupção legalizada" no país, que não se configura legalmente em crime contra o patrimônio público. Se analisarmos o fisiologismo atual que sustenta a aprovação das Reformas Constitucionais, perceberemos que esta conduta mudou de forma em relação ao fisiologismo que era praticado no governo Sarney, sendo também distinto da corrupção praticada no governo Collor. Durante o governo Sarney, a prática do fisiologismo implicava no apoio político às propostas do executivo em troca do recebimento de cargos - negociavam-se ministérios, secretarias, diretorias em órgãos federais, etc. Já durante o governo de Fernando Collor, eram cobradas propinas dos empresários a fim de que obtivessem benefícios do Estado. Agora, no governo FHC, o fisiologismo é revestido de legalidade, com a edição de medidas provisórias. O que fica em jogo são bilhões de reais, disputados por grupos privados que almejam ter ganhos nas privatizações realizadas pelo Estado. Formalmente, entretanto, isto não é crime e não se pode acusar o governo de corrupção, pois o cidadão comum que o fizer poderá ser processado judicialmente.
Ao garantir que suas vontades políticas se realizem mediante a edição legal de medidas provisórias, o governo não admite que se lhe aplique o interpretante de "poder autoritário". Pelo contrário, conforme a semiose que busca agenciar, ele se caracteriza como um governo da maioria que atua estritamente dentro da legalidade. É um atentado à democracia substancial, entretanto, que uma medida provisória, baixada pelo governo Itamar Franco sobre a privatização das empresas estatais, que teria vigência apenas por 30 dias, como reza a lei, tenha sido reeditada 52 vezes, durante quatro anos e quatro meses, até que fosse aprovada pelo congresso em setembro de 1997. Assim, o expediente formalmente democrático, sepulta a divisão substancialmente democrática dos poderes constituídos.
Recentemente, contudo, alguns membros do Supremo Tribunal Federal vem reagindo ao modo como essas medidas tem sido reeditadas. Essas medidas são o "calcanhar-de-aquiles" dos juízes de primeira instância, uma vez que a legislação do país mudou, de mês em mês, mais de duas mil vezes durante o governo FHC, por obra de seu exclusivo poder. Entre esses juízes - segundo a matéria jornalística de Silvana de Freitas - "há uma crítica generalizada à concentração de poder por parte do governo. Muitos juízes consideram que FHC desrespeita o princípio constitucional que autoriza a edição de MPs em casos urgentes e relevantes para legislar por conta própria." (250)
A concentração de poder é tamanha que, através de uma portaria de setembro de 1995, FHC decretou, conforme Aloysio Biondi, que "decisões do Conselho Monetário Nacional e Banco Central não mais seriam publicadas no ‘Diário Oficial da União’. Passavam a ser sigilosas e nem os ministros fora da área econômica poderiam conhecê-las" (251). Com isso, toda a sociedade perdeu o direito de ter acesso a informações sobre as decisões que afetam os rumos da economia do país. Para o jornalista, tratava-se de um "caso inédito de autoritarismo no mundo, e que nem a ditadura militar ousou adotar no Brasil." (252) Graças a este expediente, quando surgiu o PROER em novembro daquele ano, o Banco Central não teve que dar satisfações a ninguém quando optou por "vender" o Banco Econômico e o Banco Nacional, ficando o Tesouro com a parte "podre" dos bancos e os compradores com a parte "lucrativa". Além de fazer uma investigação dos escândalos do Nacional e do Econômico, o Congresso - segundo Biondi - necessitava "... retomar suas funções , que o Planalto vem usurpando." Para tanto era necessário "aprovar com urgência o projeto que reduz o uso de medidas provisórias, com as quais o governo FHC cria fatos consumados." (253)
Esse caso exemplar merece ser analisado com mais detalhes (254). No dia 4 de novembro de 1995, o governo editou uma medida provisória que permitia o uso de dinheiro público para estimular fusões e incorporações bancárias. No dia 13 de novembro, os boatos sobre uma crise financeira do Nacional fazem com que se aumentem os saques contra o banco; negócios com suas ações são suspensos em São Paulo. Quatro dias depois, o governo edita uma nova medida provisória que amplia os poderes de intervenção do Banco Central sobre instituições financeiras. No dia seguinte o Banco Central assume a administração do Banco Nacional a fim de viabilizar a sua absorção pelo Unibanco. Conforme os jornais, o Unibanco ficou com a parte saudável do Nacional: "agências, clientes, operações e empresas rentáveis do grupo nacional". Por sua vez, o Banco Central ficou com a "parte podre" do Nacional, isto é, "empréstimos feitos pelo Nacional que dificilmente serão pagos." Além disso, o Banco Central criou uma linha de crédito de R$ 4 bilhões para que o Nacional pudesse pagar as suas dívidas e decretou a indisponibilidade dos bens de 18 pessoas que participaram da administração do Nacional nos últimos 12 meses. Em 29 de novembro, Gustavo Loyola que era presidente do Banco Central, presta depoimentos no senado para esclarecer o acordo fechado para solucionar o caso do Nacional. Contudo, três meses depois, em fevereiro de 1996, as pressões contra o governo se iniciaram porque surgiram informações de que tanto o governo federal quanto o Banco Central sabiam desde outubro de 1995 das irregularidades no Banco Nacional. Estas informações haviam sido confirmadas por Adilson Rodrigues Ferreira, chefe do Departamento de fiscalização do BC. Conforme os jornais, Pedro Malan, por sua vez, afirmou, dois dias depois destas informações circularem, que realmente Fernando Henrique já havia sido informado em outubro de irregularidades no Nacional e ordenado a continuidade das investigações. Estas apontavam a existência de um rombo de US$ 5,3 bilhões no banco, apuraram também a existência de empréstimos fantasmas em 700 contas que maquiavam os balanços da instituição que, graças a elas, mantinha uma imagem saudável. Suspeitava-se que empréstimos forjados estariam sendo feitos desde 1986, fraudando os balanços do banco.
Analisando a situação, de que o governo - já sabendo das fraudes no Nacional - havia editado medidas provisórias para poder comprar a "parte podre" do banco, saneá-lo com recursos do Proer com juros subsidiados pelo erário público e vender a parte lucrativa para outro banco privado, muitos congressistas se mobilizaram pela instalação de uma CPI. Fernando Henrique então interferiu prontamente para evitar a instalação desta CPI, que fatalmente se desdobraria em uma investigação mais ampla sobre o conjunto do setor financeiro (255). Ocorre que o Banco Nacional fora um dos bancos que teria financiado a campanha de FHC em 1994, como provam fragmentos de documentos de seu comitê de campanha reproduzidos em fac-simile pela Folha de São Paulo no dia 4 de setembro de 1994, no Caderno Especial, p.3. Tudo indica que uma CPI do sistema financeiro poderia rastrear doações legais ou ilegais feitas pelo Banco Nacional, Banco Econômico e outras entidades financeiras a campanhas eleitorais em vários pleitos, daí a maquiagem de balanços desde 1986. Conforme o jornal citado, na lista de doadores da campanha de Fernando Henrique incluíam-se: Banco Nacional S/A, Banco Real S/A, Banco Intercap S/A, Banco Lavra S/A, Banco Pecúnia S/A, Paraná Banco S/A, Bradesco Seguros S/A, BBA-Investimentos, além de empresas que atuavam na área de comércio exterior, cimento, papel e celulose, construtoras, empresas de transporte, distribuição de petróleo, etc. (256)
Agindo rapidamente, o senado convocou 16 pessoas para depor, entre eles o ministro da Fazenda , Pedro Malan. O presidente, por sua parte, fez uma reunião tensa com os líderes governistas, prometendo que as apurações seriam rígidas. O PMDB, então, não avalizou os pedidos de instalação de CPI que tramitavam no congresso para investigar essas denúncias. Em seguida as autoridades do Banco Central afirmaram que a investigação detalhada do rombo do nacional duraria cerca de um ano, exigindo a realização de 84 mil cálculos para apurar o que teria ocorrido com as contas suspeitas durante os nove anos em que foram operadas. Por outro lado, quanto à documentação que o Banco Central entregaria ao Ministério Público que investigava o caso, uma corrente do BC propunha "enviar... apenas uma amostra dos casos encontrados, ou enviar por etapas os documentos." (257) Outros, entretanto, temendo que "os responsáveis pela manipulação das contas pudessem alegar na Justiça insuficiência de provas" (258), propunham que se enviasse a documentação completa ao ministério público.
Seja como for, a opinião pública ficou sem saber dos desfechos desse caso absurdo. Em março de 1997, um ano depois do escândalo, nenhuma informação cabal do que se passou foi oficialmente divulgada pelo executivo, que se comprometera com uma apuração rígida, proferindo uma das frases peculiares ao ex-presidente Fernando Collor de Melo - "Doa a quem doer." (259)
Torna-se interessante resgatar, aqui, em face das duas mil medidas provisórias baixadas por Fernando Henrique e por seu empenho em inviabilizar a instalação de algumas CPIs que investigariam atos de corrupção, uma passagem do documento do MEC que sugere a introdução de aulas de ética da quinta à oitava séries do primeiro grau a fim de combater a "cultura da razão cínica" que estaria vigorando no país. Diz o documento: "Estamos em uma cultura da ‘razão cínica’, que se caracteriza por demolir a esfera crítica dos valores, por zombar da lei, na medida em que esta perde a sua essência, quando é desprezada ou interpretada de maneira equivocada, favorecendo interesses escusos e colocada, paradoxalmente, a serviço dos privilégios e da discriminação." (260) Não obstante ao reconhecimento merecido que se deve à equipe de professores de várias regiões do país convidada a elaborar o documento e ao conteúdo objetivo desta proposição, destaque-se, contudo, que como expressão do governo de Fernando Henrique, em face dos episódios já analisados, ela serve como um simulacro de crítica à razão cínica, uma vez que o governo está permeado pela prática de tal racionalidade. Como diria Horkheimer em Eclipse da Razão (261), trata-se apenas de uma racionalidade formalizada que abstrai o conteúdo objetivo da proposição - no caso, a crítica da razão cínica - para tomá-la como mero instrumento em vista de seus interesses particulares - mostrar que o governo está empenhado em promover o exercício ético da conduta, sendo que, de fato, suas práticas revelam outra teoria contraditória com este discurso.
 
6. O Aumento do poder aquisitivo da população - os simulacros da semiose indicial
Diferentemente do que apregoa o discurso oficial, o salário médio da população mais pobre vem diminuindo. Em julho de 1997 constatou-se que o salário dos mais pobres da região metropolitana de São Paulo, a área mais adensada do país, estava reduzido em 15% frente ao salário recebido no quinto mês anterior. O rendimento máximo dos 10% da população com menor renda naquela região caiu de R$ 163,00 em janeiro para R$ 151,00 em maio (262). Frente a este dado, Celso Antonio Bandeira de Mello, professor-titular da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, se pergunta: "... que dizer então quando, ao invés de essa renda elevar-se, em curtos cinco meses diminui em tal proporção? E que atenção está sendo dada ao dispositivo constitucional que arrola entre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil ‘erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais’ (artigo 3º, III) ?" (263)
Alguns argumentam entretanto que não se pode tomar São Paulo como referência estatística pois estaria havendo uma difusão dos investimentos pelo país. Considerando como universo toda a população do país, afirmam então que os 50% mais pobres aumentaram sua fatia na renda nacional de 11,3% para 12,2% de 94 para 95. Este modo de divulgar os dados é um truque semiótico que gera interpretantes positivos e favoráveis às medidas econômicas do governo. Por outro lado, as mesmas pessoas que divulgam tais dados não dizem que essa fatia, em 93, era de 12,5% e, em 91, era de 13,6%. Isso significa, portanto, que os 50% mais pobres estavam, em 95, mais pobres ainda que em 91 e 93. (264) A população recebia seu recurso e imediatamente comprava alimentos e vales-transportes e outros bens necessários, deixando na poupança o que não tinha consumo imediato. A inflação corroía assim uma parcela pequena, mas significativa, de seu ganho. Mas mesmo com a inflação que a população tentava driblar com essas estratégias, o poder aquisitivo da população mais pobre era um pouco maior antes do Plano Real.
Vemos portanto que não basta recorrer-se a signos indiciais como modo de legitimar outras semioses. É preciso averiguar que signos indiciais são esses, em que momento histórico esses signos representavam seu objeto e se estão vinculados ao mesmo objeto - no caso os mais pobres - ou se esse objeto é outro - uma mudança no critério de definição dos mais pobres poderia ampliar ou diminuir o contingente aí compreendido.
Sob este aspecto é interessante considerar uma matéria jornalística publicada com o seguinte título: "consumo popular cresce e favorece multinacionais". Uma subseção por sua vez foi assim intitulada: "lucro aumenta com o Plano Real". Sobre o título maior lê-se: "vendas - alimentos e produtos de higiene e limpeza ganham mercado com o Real". O que a matéria afirma é que o consumo popular aumentou. Contudo todos os signos indiciais apresentados referem-se ao faturamento de empresas que atuam na área e ao aumento de seus lucros. Nenhum número indica a quantidade de unidades de produto vendidas e como, efetivamente, elas estão distribuídas pelo número de compradores e a que camadas sociais eles pertencem. O que a matéria diz é que "as multinacionais de alimentos e produtos de higiene e limpeza atribuem o crescimento do faturamento e lucros no Brasil, entre outros motivos, ao fato de a população de baixa renda ser grande consumidora nesses setores." (265) Quais são os outros motivos ? Ora, se for mantida a mesma quantidade de produtos vendidos e se a margem de lucro for aumentada em um determinado setor, a empresa que nele atua terá um faturamento maior e um lucro também maior, se comparado com o período anterior em que a margem de lucro era menor - mesmo que não haja crescimento do consumo de suas mercadorias. O exemplo que citamos, na primeira parte deste livro, referente aos detergentes líquidos, mostra que o faturamento e o lucro da empresa aumentaram - não porque tenha havido necessariamente crescimento na venda de seus produtos - mas porque ela adquiriu a empresa rival, elevou os preços praticados no mercado e porque a abertura das importações favoreceu a colocação de produtos da mesma empresa produzidos no exterior, seguindo os preços que ela estabelecera internamente. Por outro lado, como ocorreu uma elevação da cesta básica em reais acima da elevação dos salários em URVs, a população necessariamente teria que gastar mais para comprar a mesma quantidade de produtos, o que aumentaria o faturamento das empresas até que houvesse uma recomposição de preços.
Outra análise, científica e tecnicamente mais complexa, argumenta que o Plano Real provocou uma redução da pobreza no Brasil, considerando-se a parcela da renda dos 50% mais pobres, dos 200% mais ricos, o grau de desigualdade entre essas parcelas, o crescimento do PIB "per capita" e a proporção de pobres. Conclui o autor que nos anos de 95 e 96, sob o governo de Fernando Henrique, registra-se uma fase inédita na história documentada do país: "crescimento econômico com distribuição de renda; todos os extratos de rendas têm ganhos, porém os maiores ganhos dão-se para as classes de mais baixa renda.(...) Em primeiro lugar, durante estes dois anos, a renda ‘per capita’ cresceu (4,3%) graças à retomada do crescimento econômico (7,2%), à criação de novos postos de trabalho (820 mil) e ao aumento do salário real (18%). Em segundo lugar, a distribuição de renda melhorou graças ao fim do imposto inflacionário, que incidia sobre as classes mais pobres, à política de recuperação do salário mínimo (+8,2%, comparado com o valor médio de 1994), à redução de 40% da variabilidade temporal das rendas reais individuais e, portanto, da incerteza da renda, permitindo a ampliação significativa do mercado de crédito direto ao consumidor." (266)
É preciso destacar que a conclusão do artigo considera apenas informações calculadas a partir da pesquisa de emprego e rendimento do IBGE, levantadas em seis áreas metropolitanas, e se referem apenas à renda do trabalho, como o próprio autor salienta. De fato, também um outro estudo do IPEA, apontou que 50% dos mais pobres detinham apenas 10,4% da renda nacional em 1994, ao passo que em 1995 essa participação havia subido para 11,6%. (267)
Contudo, para analisarmos o poder de compra real do rendimento dos 20% mais pobres e sua evolução nos anos de 95 e 96, seria necessário acompanharmos também a elevação do custo de vida específico deste segmento da população, para considerar o poder de compra real de seu salário. Se este indicador fosse acrescentado para a análise, o autor seria forçado a concluir que, embora tenha crescido o rendimento dos 20% mais pobres, cresceu também o seu custo de vida. De fato, um conjunto de preços dos produtos e serviços necessários à satisfação das necessidades desse segmento, com os quais essa população gasta a maior parte de seu rendimento, subiu muito além do que seus próprios rendimentos. Assim, seria necessário concluir que, mesmo tendo um rendimento um pouco mais elevado, essa parcela da população pode não consumir o que consumia anteriormente, mesmo que com um rendimento mais baixo. Para que essa análise tenha indicadores concretos analisemos alguns dados. Durante o Plano Real, até julho de 97, o salário mínimo, as aposentadorias e as pensões subiram 20% - o que significa um aumento no rendimento deste segmento. Contudo, o aumento do custo de vida em geral, foi de 112%. As tarifas de ônibus, que pesam fortemente no orçamento da população mais pobre, subiram 92%. Os aluguéis, por sua vez, que pesam muito no orçamento da população pobre, que não vive em favelas, e também da classe média subiram 585%, desde o Real até fevereiro de 1998 (268). Outros índices - considerados desde o início do Plano até julho de 97 - revelam que a classe média também saiu perdendo: o preço dos serviços em geral aumentou, em média, 205%, sendo que as mensalidades das escolas particulares subiram 145% e os planos de saúde aumentaram 122%. (269) Quanto à recuperação do salário mínimo, vale notar que se toma por critério o ano de 94, ano esse em que o salário mínimo teve uma perda real no seu poder de compra quando operou-se a virada da URV para o Real - como já analisamos anteriormente -, perda essa que não foi corrigida quando o salário, que valia 64,79 URVs em março, foi elevado para R$ 70,00 em outubro, mal incorporando as perdas inflacionárias registradas neste último período. (270)
Considerado desde esta perspectiva, o caso da habitação revela, por exemplo, um aspecto interessante. Até o inicio do Plano Real, o rombo do Tesouro Nacional junto ao setor imobiliário estava estabilizado. Entretanto, como "o Plano Real agravou o desequilíbrio entre o crescimento da dívida dos mutuários da casa própria e a capacidade de pagamento destes" (271), o governo viu a dívida do Tesouro com Sistema Financeiro da Habitação saltar de R$ 23 bilhões, no início do Plano, para R$ 44 bilhões em março de 1995 - uma vez que conforme os contratos mais antigos "a diferença entre a dívida do mutuário junto ao banco e o total pago em prestações é coberto pelo Tesouro" através do Fundo de Compensação das Variações Salariais que beneficiava, então, 3,1 milhões de mutuários e que acumulava dívidas atrasadas de R$ 12 bilhões. (272) Com efeito, ao elevar as taxas de juros o governo foi aumentando a dívida financiada, mas o mutuário contudo saldava as prestações com valores que não pagavam os juros cobrados mensalmente no sistema financeiro, diferença essa, por sua vez, que era coberta pelo FCVS. Vê-se, portanto, que houve um crescimento bem maior da dívida dos mutuários do que o crescimento de sua capacidade de pagamento, isto é, de seu rendimento.
Conforme os dados do IBGE de 1995, no Brasil "os 10% mais pobres recebem míseros 1,1% da renda, enquanto os 10% mais ricos ficam com 48,2% da riqueza criada anualmente." (273) Por outra parte, um outro estudo do IPEA chegou à conclusão de que "o custo direto para tirar da indigência 16,6 milhões de brasileiros seria de apenas 0,4% do PIB." (274) Contudo não há nenhum programa do governo neste sentido.
De fato, se considerarmos, como dados para comparação, o número de famílias por faixa de renda de 1987 e de 1996 veremos que o segmento pobre foi o que mais cresceu em comparação com os demais - como mostra a tabela 5. Assim, embora os dados apresentados no artigo que analisamos sejam consistentes para o período ao qual se refere e embora a análise dos dados seja precisa, não é correto concluir, a partir dele que o Real tenha contribuído para a redução da pobreza no Brasil, uma vez que não se considerou o crescimento real do custo de vida da população pobre em contrapartida ao crescimento nominal de seus rendimentos.

Tabela 5 - Famílias por Faixa de Renda (em salários mínimos)

Números Absolutos, Participação Relativa e Variação no Período

Fonte: Pesquisas de Orçamentos Familiares IBGE (276)

A análise da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) realizada pelo IBGE em 1995 e 1996, embora tenha como dados comparativos a outra edição da pesquisa realizada em 1987 - não possibilitando, pois, analisar especificamente o papel do Plano Real na alteração dos itens selecionados, sendo ainda necessário considerar a alteração metodológica introduzida na última pesquisa - possibilita, entretanto analisar como se agravou a situação da maioria da população brasileira, se universalizarmos os dados obtidos por esta amostragem. A pesquisa de 1995-1996 introduziu uma inovação incluindo a classe "Sem Declaração" de renda familiar, que em números absolutos atingiu 966.162, com uma participação relativa 7.70% no total. Conforme alguns técnicos que atuaram na coleta de dados em Curitiba, as famílias que não declararam renda possuíam, em sua grande maioria, um padrão de vida acima da média, o que era perceptível pelo imóvel em que residiam, mobília e outros signos indiciais. Isso possibilitaria compreender o crescimento negativo nas faixas de renda entre 8 a 30 salários mínimos onde, provavelmente, se incluiria a maioria dos "sem declaração". Por outro lado, considere-se, contudo, que uma pesquisa do Datafolha realizada em março de 1998 - cuja metodologia não foi divulgada - apontava a existência de um segmento de 13% do eleitorado "com escolaridade e posse de bens acima da média, mas que têm renda familiar inferior a R$1.200,00 por mês. " (277) Isso significaria que, de fato, houve realmente um número de famílias que possuíam rendimentos acima de 10 salários mínimos e que sofreram uma queda em seu rendimento. Por outro lado, o aumento de famílias com rendimento superior a 30 salários mínimos pode indicar, também, que certas famílias que tinham um rendimento mensal inferior a 30 salários mínimos ascenderam neste período ou que as que possuíam um rendimento muito superior a tal patamar se desmembraram e deram origem a novas famílias na mesma faixa de rendimentos.
Considerando-se apenas as duas pesquisas do IBGE, o que mais chama a atenção na comparação de ambas é o aumento expressivo do número de famílias pobres no país: 28% na faixa de até 2 salários mínimos e 25% na faixa de 2 a 3 salários mínimos. Se distribuíssemos os que não declararam renda, proporcionalmente, pelos demais segmentos, considerando-se a participação destes segmentos no universo total considerado, o aumento do número de famílias pobres seria ainda maior. Conforme esta pesquisa, além de ter aumentado o número absoluto e relativo de pobres no país, também as despesas típicas dessa população (aluguel de moradia, transporte urbano, gastos com saúde, etc) aumentaram bastante. Outros quesitos, por sua vez, se elevaram proporcionalmente pressionando o orçamento da classe média.
Se considerarmos a situação dos gastos em aluguéis, conforme um estudo do IBGE, veremos um forte aumento de seu peso no orçamento familiar. Conforme a POF "...o gasto com Aluguel de moradia passou de 2,71%, em 1987, para 4,57%, em 1996, o que é muito se considerarmos que este percentual recai sobre todos os domicílios pesquisados e, em 1996, apenas 18,82% deles eram alugados, contra 29,30%, em 1987. A variação do peso foi de 68,63%. Em algumas áreas, essa elevação foi bem grande, como Curitiba (86,44%), Recife (83,86%) e São Paulo (83,39%)." (278) Em contrapartida, muitos brasileiros deixaram de pagar aluguel neste mesmo período entre 1987 e 1996: ".... o número de domicílios alugados caiu 35,77%, enquanto o de imóveis próprios subiu 18,7%, atingindo agora 69,85% das famílias residentes nas áreas pesquisadas." (279) Podemos considerar que o percentual desta queda dos domicílios alugados junto à classe média está vinculado à aquisição de imóveis, ao passo que, junto às camadas pobres, uma parcela desta queda percentual está seguramente vinculada ao aumento das ocupações urbanas e ao surgimento de novas habitações em favelas.
O referido estudo sobre os dados de ambas as pesquisas esclarece também que em 1996, a "concentração de renda está maior do que em 87. Em relação à última POF, a concentração de renda medida pelo Índice de Gini (vai de 0 a 1 e, quanto mais próximo de 1, maior a concentração) aumentou de 0,5698 para 0,5781." (280) Assim se considerarmos o conjunto dos Planos Econômicos adotados nesses nove anos e os períodos de hiperinflação, veremos que o seu resultado geral foi a concentração de renda. Este dado entretanto, não permite analisar especificamente o comportamento cada plano sobre este aspecto. Outra fonte destaca que "hoje, a diferença entre os 10% mais ricos da população e os 40% mais pobres é de 28,9 vezes. Em países como a Holanda, Bélgica, Japão esta diferença é de 4 vezes. Se distribuíssemos 7% da renda nacional para os 40% mais pobres eliminaríamos a pobreza absoluta." (281) A Pesquisa Nacional de Renda por Domicílio - PNAD, também realizada pelo IBGE, apontou ligeira desconcentração de renda como o Índice de Gini caindo de 0,589 em 1987 para 0,581 em 1996. Márcia Quintsrl, responsável pela POF, não vê contradição nessa diferença, uma vez que a POF, captando dois pontos (1987 e 1996) não permite falar em tendências pois não é possível saber o que aconteceu neste intervalo. A PNAD, por ser anual, revela uma concentração de renda no período hiperinflacionário de 1988 e 1989, mas depois disso o Índice de Gini para a concentração de renda diminuiu. Conforme Márcia Quintsrl, "A diferença entre os índices é muito pequena. E tanto a POF quanto a PNAD apontam para uma volta aos mesmos patamares" (282).
Conforme a POF, nos casos dos itens relacionados com Assistência à Saúde, também ocorreram aumentos importantes. A parte do orçamento a eles destinada "subiu de 5,31% para 6,53%. O item Plano de saúde e seguro saúde sofreu uma das maiores variações positivas: aumentou o seu peso em 201,59%, nesses nove anos, passando de 0,63% para 1,90%. Esse aumento foi expressivo em todas as faixas de renda, embora os gastos das classes de renda mais alta sejam muito superiores aos gastos das famílias de menor renda. Os gastos com remédios apresentaram, nesses nove anos, um aumento de peso de 9,94% e o peso dos gastos com tratamentos dentários subiu, nesse mesmo período, 11,49%." (283)
Por sua vez, o conjunto de itens relacionados com a educação "subiu de 2,67% para 3,49%. O item Cursos regulares (1o, 2o e 3o graus) e pré escolar subiu de 1,20% para 2,25% (crescendo 87,50%). Mais uma vez, o crescimento do gasto se mostrou relevante nas classes de recebimentos mais altos. O peso é menor que 1% nos orçamentos das famílias com recebimentos até seis salários mínimos. Em famílias com rendimento até 15 salários mínimos, atinge 2% e, para as rendas maiores, o peso cresce com a renda e fica maior que 2,5%." (284)
No caso do Transporte urbano, o peso da despesa "subiu de 2,35% para 3,08% (crescimento de 31,06%) dos gastos familiares. Neste item, todas as faixas de renda foram atingidas pelo acréscimo no gasto relativo, sendo que os pesos nas rendas até seis salários mínimos representam, em média, 7% das despesas e, nas classes de renda mais favorecida, este peso é em torno de 5%. Os maiores aumentos foram verificados em Fortaleza (60,56%), Brasília (58,45%), Salvador (55,09%) e São Paulo (53,85%)." (285) Quanto às tarifas públicas, o peso no orçamento doméstico com gastos de eletricidade passou de 1,44% para 2,18% (51,39% de variação); no caso do telefone, passou de 0,80% para 1,13% (41,25%). (286)
Assim, nesses anos de implantação do neoliberalismo no país, a precarização dos serviços públicos de educação e saúde tem levado a população a gastar mais recursos com esses itens, buscando atendimento junto às empresas privadas. A falta de políticas adequadas de habitação para a população de baixa renda tem como contrapartida o aumento do preço dos aluguéis e das moradias em subhabitação em favelas, cortiços, etc. Agravando o quadro, a população vem gastando mais com transporte urbano e tarifas públicas. Tem-se por fim um certo aumento da concentração de renda no país.
Outras pesquisas, cruzando outras informações, possibilitam desenhar outros quadros que não são contraditórios com esse quadro geral. Uma pesquisa do Datafolha, por exemplo, estratificou a "sociedade" - talvez fosse melhor dizer o eleitorado - em cinco grupos como perfis distintos, que foram denominados de um modo jornalisticamente apropriado (ver tabela 6). "A elite tem diploma de nível superior, bens que a coloca nas categorias de consumo A e B e renda familiar mensal superior a R$ 2.400,00. São 8% da sociedade. (...) Os batalhadores têm características econômicas semelhantes às da elite, mas ascenderam socialmente sem um diploma universitário. Somam 2% dos brasileiros. (...) Os remediados são 14% da sociedade e se caracterizam por escolaridade e renda médias (entre R$ 1.200,00 e R$ 2.400,00). Estão majoritariamente nas classes de consumo B e C." Por sua vez, há os decadentes "com escolaridade e posse de bens acima da média, mas que têm renda familiar inferior a R$1.200,00 por mês.(...) Esse segmento representa 13% da sociedade brasileira", está na classe C e grande parte dele concluiu o segundo grau. Trata-se de pessoas que embora tenham uma formação acima da média social, não conseguem, entretanto, um posto no mercado de trabalho que possa garantir um rendimento satisfatório para manter o padrão de vida que possivelmente já tiveram. Por fim, "os excluídos formam o maior segmento da sociedade brasileira e vêm aumentando em número, provavelmente por causa do desemprego. Eram 59% da sociedade em junho de 97 e são, hoje, 62%. Têm renda familiar mensal menor do que R$ 1.200,00 e 90% não foram além da 8ª série escolar. Estão nas classes de consumo D e E." (287)

Tabela 6 - Estratificação do Eleitorado Conforme Perfis de Consumo,

Escolaridade e Renda em Março de 1998

Fonte: Datafolha (288)

7. A publicidade enganosa do Real, o aumento de consumo e a inadimplência recorde.
a) Sobre o Consumo de Alimentos
A manipulação da opinião pública pelo governo brasileiro com a utilização das mídias de massa ficou evidente com a propaganda enganosa - paga pelo governo federal e veiculada, no segundo aniversário do Plano Real, em TVs e revistas - sobre a evolução do aumento de consumo, como uma conseqüência positiva do plano econômico. A propaganda indicava os itens que estariam sendo mais consumidos pela população e apresentava os índices do aumento. Os fatos, contudo, não correspondiam àqueles números. Alguns jornais da época denunciavam o engano da propaganda citando dados da Associação Brasileira da Indústria da Alimentação-ABIA e da União Brasileira de Avicultura-UBA.
Alguns dias depois, a empresa Denison Rio Comunicação e Marketing Ltda, responsável pela campanha, reconheceu erros em quatro índices, conforme noticiaram alguns jornais: "1) o consumo de feijão aumentou 1,4%, não 87%; 2) o consumo de carne cresceu 4,5%, não 96%; 3) o de frango foi 16,9% maior, não 80%; 4) o consumo de ovos aumentou 16,4%, não 82%" (289) Os dados utilizados na nota fora atribuídos à CONAB e ao IBGE. Entretanto outros índices eram conflitantes. Conforme a propaganda do governo, teria ocorrido um aumento no consumo de massas na ordem de 16% e que não foi retificado na nota da empresa; mas os dados da ABIA mostravam uma queda de 6%, embora não se computasse aqui as massas importadas. Conforme Denis Ribeiro, do departamento econômico da ABIA, mesmo se fossem consideradas as massas importadas não se atingiria o percentual da propaganda.
A tabela 7 mostra claramente a contradição, apresentando os números enganosos da propaganda governamental, os números da ABIA e da UBA e os números que posteriormente foram atribuídos à CONAB e ao IBGE. (290)

Tabela 7 - Aumento do Consumo de Alimentos no País após o Plano Real até junho de 1996

Dados Enganosos da Propaganda Governamental comparados a Outras Fontes

* Inclui aumento verificado em 1995 mais previsão para 1996.

Fonte: Folha de São Paulo (291)

Os números da propaganda governamental que não correspondiam à realidade, circularam em uma grande campanha paga com recursos públicos. Os números que seriam fidedignos apenas foram disponibilizados em uma nota à imprensa. Contudo, nada foi feito sobre essa propaganda enganosa. O judiciário, outra vez, permaneceu ineficiente. Ou o erro foi da agência e, neste caso, deveria refazer toda a campanha com os números corretos, ou foi um erro do próprio governo. Em qualquer uma das duas hipóteses, era necessário apurar as responsabilidades e os responsáveis, uma vez que os cofres públicos foram lesados, pois o serviço pelo qual se pagou - informar a sociedade quanto ao impacto do Plano Real sobre o consumo - não foi realizado. Pelo contrário, além de ter sido prejudicada em razão dos recursos de seus impostos terem sido desperdiçados deste modo, a sociedade também ficou prejudicada por ter sido informada de modo enganoso pelo próprio governo que responde pela publicidade.
De fato, pesquisa realizada em catorze capitais de estados brasileiros divulgada em novembro de 1994 revelou que o salário mínimo não era mais suficiente sequer para adquirir os gêneros de primeira necessidade em todas elas, com exceção de fortaleza: "os preços dos produtos alimentícios de primeira necessidade dispararam em outubro em 14 capitais, chegando a subir até 16,12% (em João Pessoa). E, ao contrário dos primeiros meses do Real, não ocorreu recuo de preços em nenhuma das cidades." (292) Em 31 de outubro de 94 o custo médio da cesta básica atingiu R$ 107,00 (293), ultrapassando de longe o salário mínimo que valia, em 1° de setembro de 1994, R$ 70,00. Naquele mês a Revista Veja escreveu: "Quem vê a Globo pode pensar, por exemplo, que o preço da cesta básica está desabando e que, pelos atuais 97 reais, é hora de comprar. Na verdade o preço só está voltando ao que era. Quando o Real foi criado, nunca esteve tão alto. Era de 106,95 reais... E ainda não chegou no mesmo nível do ano passado [1993], quando se comprava uma cesta básica por menos de 90 reais." (294)
b) O Aumento do Consumo de Bens Duráveis, a Inadimplência dos Consumidores e a Falência de empresários
Quanto ao aumento do consumo de bens duráveis, a mídia noticiou que a população passou a comprar mais eletrodomésticos e outros bens desta classe, o que comprovava a elevação do poder real de compra das pessoas em função da estabilidade trazida pelo Plano Real. Contudo, os mesmos canais comunicativos não esclareciam que esse aumento do consumo esteve relacionado, por um lado, com a redução do montante de recursos aplicados em poupança e fundos investimento, isto é, que a população estava gastando dinheiro que havia acumulado antes do Plano Real provocando assim uma "bolha de consumo". Os mesmos canais não esclareciam que este aumento de consumo estava diretamente relacionado, por outro lado, com a ampliação das compras a prazo e que poucos meses depois muitos deixaram de pagar as prestações, havendo aumento da inadimplência, isto é, dos cheques sem fundo pré-datados. Como afirmou um órgão de imprensa escrita em março de 95: "O crédito ao consumidor foi um dos motores do consumo depois da estabilização. E a capacidade de endividamento dos consumidores de baixa renda também dá sinais de esgotamento. A Associação Comercial de São Paulo constatou que as inadimplências cresceram 135% em fevereiro deste ano em relação a fevereiro de 94." (295)
Muitos comerciantes, e até mesmo grandes grupos varejistas, quebraram em razão da inadimplência, não tendo como saldar suas dívidas, uma vez que os consumidores levaram os produtos - esvaziando os estoques - mas depois não pagaram o que deviam. Sem estoque e sem dinheiro, muitas empresas faliram. Em novembro de 1995, por exemplo, dados da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) mostravam que o número de pedidos de falências naquela cidade havia crescido 353% em relação ao mesmo período do ano anterior, do mesmo modo as concordatas tiveram um crescimento de 189% em relação ao mesmo período (296). Conforme Elvio Aliprandi, então presidente daquela Associação, os juros continuariam altos no período, apesar das medidas de liberalização do crédito que haviam sido, então, adotadas: "As medidas do governo são tímidas. Os juros devem continuar altos e o acesso ao crédito não será facilitado". Conforme o empresário, a inadimplência e as demissões continuariam dificultando a situação do comércio. E foi o que realmente ocorreu.
Em 1996 a inadimplência voltou a bater recordes, tanto no início quanto no fim do ano, na cidade de São Paulo. Havia, em março, 3.046.111 carnês em atraso por mais de 30 dias. O que significava um aumento de 6,14% em comparação a dezembro de 95, sendo o número mais alto verificado desde o início do Plano Real. Por outra parte , as 1.455 falências requeridas e as 137 decretadas naquele mês atingiriam o recorde desde 1960, quando a pesquisa sobre inadimplência começou a ser realizada pela ACSP. (297) Ao final daquele ano, afirmava Elvio Aliprandi: "A insolvência dos consumidores nos assusta um pouco. Há mais de 3,5 milhões de carnês em atraso na cidade de São Paulo, número 405% superior à média histórica registrada pela nossa entidade" (298). O jornalista Milton Gamez, que o entrevistava, informou ainda que, segundo Aliprandi , "a população que não perdeu o emprego após o Plano Real usará o 13º salário para saldar seus compromissos atrasados." Já o economista daquela associação, Emílio Alfieri, ressaltava que também havia crescido, naquele ano, a inadimplência das empresas. Destacou ainda Gamez que "as falências requeridas - utilizadas como forma de pressão sobre os devedores - somaram 603 na primeira quinzena deste mês [novembro/96] em São Paulo. Houve crescimento de 23,82% sobre outubro." (299) Contudo, o nível de inadimplência no país caiu, de janeiro a novembro, 16,4% em relação ao mesmo período no ano anterior. Por outro lado, mesmo assim as falências decretadas e os pedidos de falência "cresceram. 49,8% e 71% em janeiro/novembro sobre igual período de 95." (300)
O que poderia explicar, contudo, essa recuperação da capacidade de pagamento dos consumidores endividados em 1996 ? Se analisarmos a situação do primeiro trimestre daquele ano, veremos que os saques nas cadernetas de poupança superaram os depósitos em R$ 4,5 bilhões, sendo a queda maior nas contas de até R$ 4.000.No mesmo trimestre foram encerradas 3 milhões de contas em todo o país. Embora no mesmo período tenha havido algum aumento de depósitos em fundos de curto prazo ou outras aplicações, isso não era o elemento fundamental para compreender a situação. O que explicava esses saques, segundo Ronaldo Paiva, chefe do Departamento de Estudos Especiais e Acompanhamento do Sistema Financeiro do Banco Central, era que, provavelmente, os pequenos e médios aplicadores estavam retirando o dinheiro das contas para saldar as dívidas ou para comprar à vista, evitando os juros altos praticados no crediário. Como analizou um conhecido jornal, "levando-se em conta que os indicadores de inadimplência continuam elevados, uma conclusão preliminar é a de que a crise de crédito é mais difícil de superar do que se imagina. Afinal, corroída a poupança de baixa renda, a recuperação posterior torna-se mais difícil, mesmo que a oferta de crédito aumente." (301)
No ano de 1997, por sua vez, a situação ficou mais grave. De acordo com a ACSP, a inadimplência sobre o total das vendas no Estado de São Paulo cresceu de 15,8% em 96 para 19,8% em 1997. Isto é, de cada 100 consumidores, quase vinte não estavam pagando pontualmente os carnês. Tratava-se, concretamente, de 3 milhões de consumidores em atraso com suas prestações. Por sua vez, o número de cheques sem fundos atingiu 20 milhões de unidades. Em 96 foram 12 milhões, contra 11,6 milhões em 95. Nesses três anos do Real, contudo, conforme dados da ACSP, "o pico do calote no Real foi em 95, quando, de abril a junho o calote atingiu 30% dos consumidores." (302) Por outro lado, o percentual "de cheques sem fundo dos três primeiros meses deste ano [1997] bateu o maior nível já ocorrido no Brasil. De janeiro a março, para cada 1.000 cheques emitidos, 6 foram devolvidos." (303) Como analisou o jornalista Mauro Arbex, em dezembro de 1997, referindo-se aos dois milhões de títulos protestados durante o ano todo, "neste ano, o crescimento dos títulos protestados se deve, principalmente, ao maior volume do crédito, ao aumento de desemprego e ao elevado comprometimento da renda da população." (304)
Por fim, no início de 1998, a inadimplência cresceu mais ainda. Em São Paulo, no mês de fevereiro, ela batia novamente o recorde que já era do Plano Real. Conforme a ACSP, segundo os jornais, o Serviço de Proteção ao Crédito recebeu em fevereiro deste ano a quantia de 325.964 novos registros em razão de não pagamento. Isso representou um aumento de 86% comparado a fevereiro de 97, embora na comparação com janeiro de 98 a inadimplência tenha sido 10,3% menor, em razão do mês de fevereiro contar com três dias a menos e ser contemplado com o carnaval e seu respectivo feriado. (305) Por sua vez, o número de registros cancelados, isto é, de pessoas que renegociaram suas dívidas, também havia crescido 102,1% em relação a fevereiro de 1997, caindo 12,1% em relação a janeiro de 1998. As concordatas em fevereiro de 1998 comparadas às do ano anterior foram 170% maiores e apenas 3,6% menores do que as verificadas em janeiro de 1998. De outra parte, as concordatas deferidas também cresceram, sendo 150% maiores do que as verificadas em fevereiro de 1997, sendo 400% maiores do que as deferidas em janeiro. (306) Conforme projeções da Associação Comercial de São Paulo, o número deveria crescer nos meses seguintes, especialmente entre micro e pequenas empresas, uma vez que elas não têm direito a concordata. E assim continua a reação em cadeia. Conforme Elvio Aliprandi, "é uma bola de neve, porque a insolvência das empresas gera desemprego o que, por sua vez, aumenta a inadimplência do consumidor" (307).
Conforme dados divulgados por aquela associação (ver tabela 8), o principal motivo dos números elevados de inadimplência no comércio reside em que "40% dos consumidores inadimplentes perderam o emprego ou tiveram renda familiar reduzida pela perda de emprego de algum parente." (308) Os dados esclarecem também que "16% da inadimplência resulta da perda de renda de trabalhadores autônomos." (309) Mesmo enfrentando tantas adversidades, todo dia aproximadamente uma mil e duzentas pessoas tentavam renegociar suas dívidas e tirar seu nome da lista do Serviço de Proteção ao Crédito, no início de 98. Contudo, a emissão de cheques sem fundo em janeiro deste ano atingiu a marca de 2,4 milhões em todo o país, superando as marcas anteriores.

Tabela 8 - Causas da Inadimplência de Consumidores Finais em março de 1998

Fonte: Associação Comercial de São Paulo (310)

Como vimos, a inadimplência é um movimento em cadeia que pode se iniciar com o consumidor final e provocar desdobramentos pelo comércio, indústria até chegar no fornecedor inicial e atingir o sistema financeiro. Celso Pinto, comentando análises de Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central, informava que "a porcentagem de empréstimos em atraso e em liquidação nos bancos, do início do Plano Real até junho deste ano [1996], subiu de 12% para 32% no caso do setor industrial, de 7% para 28% no caso do setor comercial e de 6% para 26% para pessoas físicas. Isso quer dizer que, em média, os bancos continuam a carregar uma inadimplência em torno de 30%, comparável a níveis históricos entre 5% e 10%." (311)
Outro aspecto interessante a ser considerado é a relação entre "aumento de consumo", "venda de produtos importados mais baratos" e "inadimplência". O domínio dos produtos importados, em certos setores do mercado, chegou a levar à quebra de empresas nacionais que não conseguiram competir com artigos tão baratos. Isto levou à redução de produção destes bens no país, provocando, por fim, o desemprego nessas áreas - como no caso dos setores vestuário, têxtil e mecânico (312). Não apenas um certo número de empresas ficou inadimplente e faliu, como também grande parte dos desempregados deixou de pagar suas prestações.
Nas mídias, contudo, somente depois de um ano e meio de vigência desta política é que essas informações - associando importação generalizada com desemprego - passaram a ganhar mais espaço.
c) A Inadimplência entre Comerciantes e a Semiose sobre Liquidações.
Os micro e pequenos empresários do comércio vem atravessando sérias dificuldades, desde 95, porque a população não apenas acreditou que seu poder de compra estava ampliando, como também comprou, mas depois não teve como pagar. Conforme afirmou Nelson Rocco, as medidas de contenção de consumo promovidas pelo Plano Real, trouxeram muitas dificuldades para esse segmento: "Taxas de juros altos e clientes inadimplentes (sem pagar dívidas) estão obrigando empreendedores a negociar com os dois lados da moeda - clientes e fornecedores. Essa correria tem apenas um objetivo. Evitar que suas empresas também quebrem." (313)

Uma saída apontada por técnicos do SEBRAE para enfrentar essa situação, foi a de promover liquidações com a finalidade de levantar o caixa. Contudo, mesmo adotando esse expediente muitas empresas quebraram. Conforme Dados do Departamento Nacional de Registro do Comércio, que é um órgão do Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo, o fechamento de empresas aumentou em todo país no primeiro ano do Real. No mês de março de 95, foram extintas 4.311 empresas. Isso representou um aumento de 30,9% sobre fevereiro, quando 3.293 empresas haviam fechado (314).
Curiosamente, entretanto, as mídias divulgavam essas liquidações como sendo um sinal de que os consumidores estavam sendo valorizados, graças ao Plano Real. As liquidações eram noticiadas como um sinal da saudável concorrência entre empresas no livre-mercado e não destacavam que vários comerciantes endividados promoviam liquidações tentando evitar a quebra de seu negócio.
Com efeito, conforme afirmou a jornalista Fátima Fernandes em outubro de 1997, tendo por referência uma pesquisa feita pela Alshop (ver figura 1), "um a cada quatro lojistas instalados em shoppings centers está devendo para a administradora o aluguel, o condomínio e a verba para a promoção." (315) Nabil Sahyoun, presidente da Alshop, que reúne o comércio de shoppings, afirmou que, "desesperados para vender, as lojas pequenas acabam ignorando o SPC (Serviço de Proteção ao Crédito) e o Telecheque. Se elas não recebem pelo que vendem, acabam não tendo dinheiro para pagar as dívidas." (316)

Figura 1 - Evolução da Inadimplência dos Lojistas de Shopping
para os meses de setembro e outubro de 1996 e 1997
Participação do total a receber no mês, em %

Fonte: Alshop (317)

A gravidade da inadimplência do comércio nas lojas de shopping pode ser constatada pela rotatividade das próprias lojas, isto é, pelas lojas que fecham as portas ao longo do ano. Assim, por exemplo, se um shopping tiver 400 lojas e fecharem 60, houve uma rotatividade de 15%. Ocorre que antes do Plano Real, a rotatividade era da ordem de 7%. Contudo, como afirmou Sahyoun, em uma entrevista de outubro de 1997, "nos shoppings menores, o número de lojas que fecham chega a representar 25%". (318)
d) A Inadimplência no Setor Imobiliário
Na área imobiliária verificou-se a mesma coisa: a inadimplência cresceu cerca de 50% em 1995, em relação à sua média histórica. Conforme os dados da Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança - ABECIP, "a inadimplência, que variava historicamente entre 6% e 7%, chegou a 10,9% em dezembro passado [1995]..." Segundo o superintendente da Associação o problema era tanto mais grave porque "a curto prazo, não há razões para a redução da inadimplência nas prestações da casa própria". Como esclarece o jornal, a inadimplência elevou-se a esses níveis, porque - em muitos casos - as formas de reajuste fizeram subir as prestações a valores "acima do que o mutuário consegue pagar com o seu salário." Essas taxas de reajustes, por sua vez, são definidas pela política econômica governamental.
e) O Aumento do Consumo e o Aumento do Cheque Sem Fundo
Uma comparação entre 1994 e 1995 deixa claro a situação de estrangulamento do pagamento das dívidas contraídas pelos consumidores. Em janeiro de 94, foram compensados 347,5 milhões de cheques no país, dos quais 2,9 milhões não tinham fundos, perfazendo um percentual de 0,85%. Já em janeiro de 95, um ano depois, foram compensados 315,9 milhões de cheques e o percentual de cheques sem fundo, chegou a 1,41%, isto é, 4,4 milhões de cheques foram devolvidos porque não havia recursos que os cobrissem nas devidas contas bancárias. Já no mês de fevereiro o percentual subiu ainda mais atingindo 1,62%. De fato, nos primeiros meses que se seguiram à conversão da URV para o Real ocorreu um aumento na compensação de cheques. Em outubro de 94, entretanto, os sinais de inadimplência já preocupavam, pois 0,95% dos 302,9 milhões de cheques que foram compensados, isto é, 2,8 milhões deles não tinham fundos. (319) Fazendo um balanço anual neste aspecto, segundo dados da SERASA, temos que dos cheques que passaram pela Câmara de Compensação do Banco do Brasil, 0,13% foram devolvidos em 94; 0,39% foram devolvidos em 95; e nada menos do que 0,40% dos cheques foram devolvidos em 1996 por falta de fundos (320). Para se ter uma idéia do que isto significa, considere-se que somente em outubro de 1996, dos 261,4 milhões de cheques que passaram pelas Câmaras de Compensação do Banco do Brasil, cerca de 4,5 milhões foram devolvidos em razão da falta de fundos; em setembro o número de cheques sem fundo foi de 3,8 milhões, para um total de 244,6 milhões de cheques que foram compensados no mês (321).
O governo, contudo, já havia alertado em um dos boletins de Acompanhamento Macroeconômico que o crescimento da inadimplência era resultado de um aumento da concessão de crédito ao consumidor com critérios pouco rigorosos. Esta, contudo, é apenas uma face da moeda. A outra é a elevação das taxas de juros praticada pelo governo que encareceu o financiamento das dívidas contraídas, colocando uma significativa parcela na condição de não ter como saldar seus compromissos.
f) A Semiose sobre o Aumento do Consumo
Esse fenômeno de consumo e inadimplência, que estamos analisando, tem um componente cultural e um componente econômico. Vivendo durante muitos anos sob uma cultura inflacionária, a população estava habituada a ver o preço dos produtos subir cotidianamente. Muitas vezes as pessoas voltavam nas mesmas lojas, algumas semanas depois, imediatamente após receberem o pagamento, para ver se os preços tinham permanecido nominalmente no mesmo valor, significando, portanto, que eles já estavam defasados e então aproveitavam a oportunidade para comprar os produtos. Quando surgiu a nova moeda a população foi traída, inicialmente, por essa mesma mecânica. Ao reencontrar algumas semanas depois um mesmo produto com o mesmo preço - depois de haver pesquisado em outras lojas com mais tranqüilidade -, a impressão que ficava ao consumidor era a de que o preço era atraente. Por outro lado, acostumado a ver os valores aplicados na caderneta de poupança crescerem nominalmente a taxas de mais de 10%, o rendimento de 2% a 3% parecia pífio ao aplicador. Assim, uma significativa parcela da população decidiu ir às compras sacando recursos da poupança ou entrando em crediários cujos valores não aumentavam como antigamente, espalhando cheques pré-datados pelo comércio. Contudo, o juro real em 1995 nas grandes lojas de comércio foi de 259,91% ao ano (322). Já em 1996, ficando na faixa de 6% a 7% ao mês, perfazia um total de 101,2% a 125,2% ao ano. Assim, uma TV que custava R$ 500 à vista, se fosse financiada em 16 parcelas sob uma taxa de juros de 6% ao mês, resultava em uma prestação de R$ 46,68. Se o plano fosse de estabelecer 24 parcelas sob a mesma taxa de juros de 6%, a prestação caía para R$ 37,58. Comenta o jornalista Gabriel de Carvalho, analisando essa situação comum nos três anos do Real: "Isso explica o fato de milhares de famílias de baixa renda estarem comprando TVs, geladeiras e aparelhos de som - segmento com maior presença no crediário - ou mobiliando a casa. Os juros do crediário, afirmam economistas, estão sugando boa parte do ganho real de renda obtido pelas camadas mais pobres com a queda da inflação." (323)
Esta euforia inicial dos que acreditavam experimentar um poder de compra ampliado, acompanhada da inexperiência em avaliar o preço real das mercadorias, levou muitos ao endividamento, e depois converteu-se em pesadelo em razão do desemprego ou da redução da renda familiar, para certos segmentos. Para alguns analistas, "os picos de inadimplência após o lançamento do Plano Real podem ser explicados, em parte, pela euforia e inexperiência dos consumidores com a estabilidade.(...) O país vinha de vários planos econômicos fracassados. Passados alguns meses, a inflação voltava com força. O consumidor estava acostumado com reajustes salariais. A participação de muitos compromissos no orçamento doméstico "encolhia". Era o caso do aluguel. Como os reajustes eram semestrais ou anuais e o salário subia praticamente todo mês, quem se apertava era o proprietário do imóvel. Mas o Plano Real funcionou, a inflação foi caindo e os reajustes salariais passaram a anuais, sem ganho real e muitas vezes sem ao menos repor a inflação passada. Por isso, muitos consumidores foram surpreendidos com os compromissos que assumiram. Daí o aumento da inadimplência, agravada a partir de 95 pelo desemprego na economia formal." (324)
O aumento das vendas, contudo, repercutiu positivamente na propaganda do acerto do plano. A existência de inadimplentes quase não era percebida. De fato, do mesmo modo que ninguém sai contando a todos quanto dinheiro tem em sua caderneta de poupança, do mesmo modo, pessoas endividadas, em geral, não saem contando para os amigos que estão se "afundando no cheque especial" e, além disso, quando alguém pede dinheiro emprestado a um amigo, em geral, ambos mantêm o empréstimo em sigilo. Assim, não circulavam essas informações abertamente entre as pessoas, ao passo que a propaganda afirmava que todos os segmentos sociais tiveram seu poder de compra ampliado, o que aliás, era um convite às pessoas para comprar. Essa afirmação era contraditória, por outra parte, com as análises nos telejornais que falavam de uma "bolha de consumo". Mas grande parte da população não se deu conta de que uma bolha de consumo não significa um aumento do poder de compra permanente daqueles que estão consumindo. Por fim, o discurso hegemônico de que o poder de compra da população aumentou acabou prevalecendo, tomando por referências valores de 94 quando, de fato, a primeira etapa do Plano Real já estava em curso, antes mesmo da URV tornar-se referência obrigatória para todos os contratos.
Isso tudo significa, portanto, que com o Plano Real não houve um aumento do poder de compra permanente da população pobre ou de classe média, como a propaganda enganosa queria fazer crer e como muitos jornalistas noticiaram com base nas informações que recebiam e que não investigavam com mais detalhes. Através da mídia, assim, desenvolveram-se fenômenos de produção de subjetividades, levando-se grande parte da sociedade a interpretar que o Plano Real trouxe igualmente vantagens para todos os segmentos da população - o que não é verdade.
Um exemplo interessante de análise semiótica aqui pode ser feito considerando-se a manchete veiculada na mídia "Dobra a disponibilidade de crédito ao consumidor". A impressão que a notícia traz é de que a população tem mais facilidade para comprar a prazo depois do Plano Real e usufruir da sociedade de consumo graças à estabilidade econômica. Como explica Aloysio Biondi, "na verdade, a manchete dá a medida exata do grau de falso otimismo a que o Brasil está submetido por de-formadores de opinião... Em bom português, a notícia foi virada pelo avesso: ela se refere às conclusões de uma pesquisa realizada por uma empresa de consultoria, que mostra o incrível avanço do grau de endividamento do consumidor." (325) A pesquisa mostrava que em agosto de 1995, as famílias comprometiam 21% de seu orçamento em compras a prestação ou com cheques pré-datados, cartões de crédito etc. Em agosto de 1996, esse endividamento havia subido para 46%. Era justamente a duplicação desse endividamento o que significava a manchete: "Dobra a disponibilidade de crédito ao consumidor". O mais grave, entretanto, era que esse crescimento do endividamento ocorreu na área de alimentos semi-elaborados ou industrializados, que era responsável por 22,5% do total. (326) Isto significava, portanto, que as famílias pesquisadas estavam, na verdade, comprando comida a prazo - não tinham como comprar a comida no mês com o dinheiro que dispunham, aceitando pagar juros altos sobre suas compras. A manchete, entretanto, modelizando uma situação dramática como esta, agenciava interpretantes positivos ao Plano Real.
g) Os Gastos em Publicidade e a Semiose sobre a Vida no Campo
Por fim, considerando-se a publicidade do governo federal, vale destacar que no ano de 1996 o custo da publicidade oficial ficou em R$ 354 milhões, valor que subiu para R$ 491 milhões em 1997. Trata-se pois de quase meio bilhão de reais para produzir e veicular signos, para gerar semioses e agenciar interpretantes sobre realizações e aspectos valiosos do governo. Para fins de comparação, basta lembrar que o programa completo de Reforço Único da Saúde ficou em R$ 426,8 milhões e que ao sistema descentralizado de envio de recursos às escolas públicas foi destinado R$ 518 milhões. Do total do gasto em publicidade, descontando-se o gasto em anúncios das empresas estatais - que necessitam fazer propaganda de seus produtos - o governo previa gastar R$ 114,5 milhões em publicidade com verbas disponíveis ao seu controle através de rubricas específicas.
É preciso considerar, contudo, que a publicidade das empresas estatais é feita de modo a favorecer a adesão às políticas do governo. Desse modo, a campanha "Brasil Real", da Petrobrás, que custou R$ 55 milhões, "procurou realçar os ganhos da sociedade com a estabilidade econômica obtida com o Plano Real" (327)
Um exemplo mais interessante, talvez, é uma peça publicitária veiculada em jornais impressos sobre o Programa Homem do Campo e assinada pela Fundação Banco do Brasil, Comunidade Solidária e Ministério da Agricultura, com destaque para a bandeirinha do Programa Brasil em Ação. Sob a manchete "Vida no Campo - A Fundação Banco do Brasil está ajudando a mudar este quadro", são apresentadas, lado a lado, duas imagens similares, sendo a segunda uma modificação da primeira. Na primeira vê-se um homem sentado em um degrau na soleira da porta da casa, descalço, com pés no chão de terra batida; as barras da calça estão arregaçadas; o homem, com cabelo e bigode malfeitos, prepara um cigarro de palha com um facão, tendo a palha do cigarro presa sobre a orelha. A parede da casa de pau a pique está corroída, com buracos na base. A escada, feita com pedaços de madeira apoiados em estacas, está apodrecendo e carunchando. Na imagem ao lado, têm-se o mesmo homem - ao que parece - também sentado, na mesma posição corporal, em um degrau na soleira da porta da casa, tendo um menino ao seu lado; ambos estão conversando. O homem, nesta imagem, usa sapatos e meias, veste uma calça mais elegante com barras feitas e uma camisa abotoada, seu cabelo e bigode estão bem aparados e penteados; possui um jornal aberto nas mãos, cuja leitura teria interrompido para conversar com o garoto. A parede da casa revela um bom acabamento. A escada é feita de cimento, ao seu lado há um pequeno tonel - daqueles que, nos filmes ambientados em fazendas, aparecem tradicionalmente comportando leite -, o piso à frente da casa gera impressão de ter sido cimentado. O menino, sentado ao lado deste senhor, está vestido como um estudante de nível primário - sapato, meias, bermuda e camisa clara - tendo nas mãos um caderno e um livro.
O texto, abaixo das imagens, esclarece que para o homem do campo criar raízes em seu ambiente, ele necessita de condições dignas e apoio. Destaca-se, então, que com este objetivo serão aplicados R$ 30 milhões para o Programa Homem do Campo, "uma quantia que, sem dúvida nenhuma, vai ajudar a diminuir as diferenças entre o meio urbano e rural, melhorando a qualidade de vida de quem vive das atividades agropecuárias, pesqueira ou extrativista." (328) Mais à frente, entretanto, o texto esclarece que, "desta vez", 60 cidades seriam as beneficiadas, atendendo "730 mil pessoas, incluindo 240 mil crianças e adolescentes em idade escolar, que poderão ter acesso à educação, saúde e infra-estrutura produtiva. É a fundação Banco do Brasil lado a lado com o homem do campo." (329)
Se considerarmos que o país tem cerca de 156 milhões de pessoas, o programa, atenderia - "desta vez" - apenas a 0,46% da população brasileira, o que já seria suficiente - segundo o texto - para "ajudar a diminuir as diferenças entre o meio urbano e rural", o que é um exagero se considerarmos a compreensão habitual do que significam as expressões "meio urbano" e "meio rural". Por outro lado, se dividirmos o total do recurso pelas pessoas atendidas, teremos a quantia de R$ 41,10 per capita. Provavelmente o programa não rateia os recursos entre as pessoas, mas haveria que se perguntar quantas delas, a partir do programa ou de ações que ele desencadeou, puderam reformar sua casa, modificaram seus hábitos - trocar o cigarro de fumo de corda pela leitura de jornal - enfim, melhorar sua qualidade de vida com os interpretantes que as imagens agenciam para a compreensão do texto. Contudo, segundo este, os recursos não eram destinados a reforma de moradias ou aquisição de roupas novas, mas sim à educação, saúde e infra-estrutura produtiva. Talvez, entre os gastos de saúde, alguma parcela tenha sido destinada para reformar as taperas de pau-a-pique evitando a proliferação doméstica de insetos nocivos, aracnídeos e outros organismos indesejáveis. Contudo, para o leitor que visualiza as fotos e a manchete fica a nítida impressão de que a vida dos camponeses está mudando sensivelmente como o apoio da Fundação Banco do Brasil.

8. Enxugar o Estado para que atenda melhor a saúde e a educação públicas
Normalmente se justificam as políticas de privatização e de redução do Estado afirmando-se que isso é necessário para que o governo possa gastar mais ou melhor com saúde, educação e programas sociais. Contudo, poucos sabem, ou se lembram, dos percentuais aplicados nessas áreas durante o mandato de Fernando Henrique. Conforme dados do parecer do Tribunal de Contas da União, que analisou os gastos realizados pelo governo federal em 1995 - parecer que foi contestado pelo próprio governo, como analisaremos em um item específico, levando-se a concluir que os cortes haviam sido realmente um pouco menores -, no primeiro ano de seu mandato Fernando Henrique cortou gastos também na área social: "em relação a 94, caíram despesas com assistência a crianças (82,93%), programas para geração de emprego e renda (40,95%) e apoio à educação e ensino básico (19,98%)" (330). Conforme o ministro Homero Santos, relator do parecer, "todas essas substanciais reduções na liberação de recursos para programas considerados essenciais e eleitos pelo próprio governo federal para combater a pobreza no país demonstram que, de fato, em 1995, a política social não foi prioridade." (331)
Em 1988 e 1989, antes de o programa de privatizações iniciar, o governo federal gastava mais com saúde e educação. Em 1988, foram destinados US$ 18,9 bilhões para essas áreas, ao passo que em 1989 foram US$ 19,8 bilhões. Em 1995, contudo, o governo de Fernando Henrique gastou US$ 17,8 bilhões com educação e saúde (332). Pior do que isto, "...o governo, de 1995 para 1996, cortou 12,25% das verbas para a educação. Cortou também 16,3% das verbas para saúde." (333) O resultado dessa política é que ações básicas de saúde, como a vacinação e prevenção a epidemias, por exemplo, ficaram prejudicadas. Em 1996 caiu o número de bebês vacinados, uma vez que faltaram verbas, inclusive para campanhas de rádio e TV. (334) Já em 1997, se não fossem liberados R$ 560 milhões para compra de vacinas até 31 de janeiro, as campanhas de imunização poderiam sofrer queda ainda maior naquele ano. (335) Fato é que em 1998 as pastas da área social perderam R$ 993 milhões em recursos, porque o governo teve de cortar gastos na ordem de R$ 6,3 bilhões do orçamento como um todo, em razão do pacote lançado para atenuar os efeitos no Brasil da crise das bolsas asiáticas. (336). Assim embora o programa de privatizações continue avançando, as políticas sociais e as áreas de saúde e educação vão recebendo cada vez menos recursos. Quando o ministro da saúde Adib Jatene conseguiu que o Congresso aprovasse uma Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, cujos recursos deveriam suplementar o orçamento da saúde, o ministério do planejamento ao invés de manter o compromisso de continuar destinando a mesma quantidade de recursos que já eram orçamentárias para a saúde, cortou os recursos para a pasta e assim, mesmo com toda a arrecadação dessa nova fonte de financiamento, os recursos para a saúde diminuíram. Em razão disto, em sinal de protesto, Adib Jatene deixou o governo, renunciando ao cargo de ministro da saúde. Sem recursos, o ministério não implementou o programa de combate a dengue que estava previsto como prioridade do ministério. As conseqüências da falta de ações do governo na área acarretou a expansão da epidemia de dengue, como ocorrência de mortes.
Outra variante do discurso sobre o "enxugamento do Estado", afirma que o governo necessita cortar gastos e zerar o déficit público para evitar a volta da inflação. Sob este argumento, entretanto, o que vem acontecendo é a supressão de direitos históricos dos trabalhadores e aposentados, que foram adquiridos durante muitos anos de luta pela cidadania. O que vem mantendo a inflação baixa são as políticas de câmbio e endividamento interno que, se forem mantidas como estão, tendem a levar a economia do país, no médio e longo prazos, a uma crise profunda, sem perspectivas de crescimento ou distribuição de renda.

9. O Programa Comunidade Solidária
Outro exemplo interessante de semiose simbólica que oculta o que se passa indicialmente é o Comunidade Solidária, principal programa na área social do governo. O saudoso sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, fez parte do conselho dirigente deste programa. Betinho fazia críticas de duas ordens ao Comunidade Solidária: a primeira era que a área social ficava submetida ao projeto econômico, impedindo que o programa atingisse o mínimo que dele se esperava; em segundo lugar questionava a presença excessiva de representantes do Estado, em detrimento da representação da sociedade civil, no Conselho do programa, atrelando as decisões ali tomadas aos interesses das políticas governamentais, não atendendo aos anseios e reclamos da sociedade civil. Betinho defendia que no Conselho não deveria haver a participação dos 11 ministros e outros representantes do governo, e que a secretaria deveria ser um órgão à parte. Essas vagas deveriam ser preenchidas com representantes da sociedade civil.
Não apenas Herbert de Souza, mas também o humorista Renato Aragão e o, então, presidente da Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais, Jorge Eduardo Durão, demitiram-se do Conselho do programa insatisfeitos com a insuficiência do Comunidade Solidária. Um documento de 20 páginas elaborado por 15 dos 19 conselheiros que representavam a sociedade civil - cobrando do governo maior agilidade e um "plano real" para atendimento da área social - foi debatido em uma tensa reunião do Conselho, tendo sido, posteriormente, entregue a Fernando Henrique, cobrando mais agilidade na condução da política social, maior mobilização e ampliação da parceria com a sociedade civil. Betinho propunha investimentos maciços nos setores de saúde e educação e prioridade tanto para a reforma agrária quanto para a geração de empregos. Em suas declarações, naquele período, taxou o plano Pró-Emprego de José Serra - que era ministro do planejamento - de "pífio". O programa prometia criar 600 mil novos empregos em três anos, a uma média de 200 mil por ano. Contudo, segundo Betinho a necessidade real era gerar um milhão de novos empregos por ano.
Quando ocorreu a saída de Betinho e de outros conselheiros, a estratégia de marketing do governo gerou outros signos, convertendo em fato político um pronunciamento do próprio presidente em que ele apresentava um Plano Social. Comentando o pronunciamento a ser feito disse Betinho: "Se o presidente apresentar um plano factível, concreto, audacioso, o Comunidade vai ter sentido. Senão, vira areia". (337)
De fato, em 1996, o comunidade solidária investiu, ao todo, 25,6% menos que em 1995, e naquele ano, investiu 13,2% a menos que no último ano do governo Itamar Franco. No programa de alimentação escolar o governo investiu 40% menos que em 1995. No projeto que deveria combater a mortalidade infantil o governo investiu 64% a menos em 1996, comparado a 1995. (338)
É sintomático que em 12 de janeiro de 1998, a sra. Ruth Cardoso, que é coordenadora do programa, esteve no BNDES no Rio de Janeiro para solicitar recursos ao Banco, visando expandir o Comunidade Solidária. O programa específico da alfabetização solidária custa R$ 34,00 por aluno ao mês, sendo um dinheiro que não tem retorno à fonte financiadora. Como o BNDES, mesmo em sua área social, somente trabalha com empréstimo, não havia esperança que ali se conseguisse recursos a fundo perdido para o programa.
Os projetos do Comunidade Solidária, entraram em 1998 atingindo apenas 120 comunidades em todo o Brasil. Supondo que cada comunidade esteja em um município diferente, comunidades de 120 municípios teriam recebido algum atendimento através deste programa. Como o Brasil possui um pouco mais de 5.000 municípios, isto significa que o programa atingiu no máximo comunidades de 2,4% dos municípios do país nos três anos primeiros anos do governo de Fernando Henrique Cardoso (339).
 
10. O Programa Pró-Emprego
O descompasso entre o discurso e a prática não é percebido por aqueles que recebem as imagens e informações veiculadas pelas mídias, mas não tem a possibilidade de conferir o que, de fato, corresponde ou não ao que é veiculado. No anúncio oficial do programa Pró-Emprego, por exemplo, apresentado por José Serra, enfatizava-se no discurso o volume de recursos novos que nele seriam investidos. Mas aquilo não passava de uma maquiagem com os números, o que dava uma outra coloração aos fatos. Como disse Betinho, "dos R$ 20,8 bilhões do Pró-Emprego, R$ 11,8 bilhões já eram das empresas estatais." "Como bom economista, ele (Serra) juntou números e mostrou à sociedade. Se a sociedade fosse boba, acreditava. Só que a sociedade não é mais boba." (340) A frase de efeito de Betinho, embora impactante, não é precisa. O problema é a falta de informações qualitativamente relevantes e seguramente confiáveis a partir das quais se possa interpretar o discurso do ministro. Quem não sabe que R$ 11,8 bilhões já eram das estatais não terá como criticar esta nova informação que recebe.
Em 1996, em se tratando do Proger (Programa de Geração de Emprego e Renda) o governo investiu 65,49% menos que em 1995. O que confirmou as analises de Betinho. Como o desemprego, entretanto, continuou crescendo em 1997 e atingiu um recorde histórico em janeiro de 1998 sendo a nona maior taxa já levantada pelo IBGE no país, o governo teve de deflagrar uma operação de mídia para levar a sociedade a interpretar que medidas fortes seriam tomadas. Curiosamente, cerca de uma semana antes FHC dizia que "a sensação do desemprego é maior do que o próprio desemprego" e que as taxas brasileiras comparadas com as dos demais países indicavam que estávamos próximos do "pleno emprego" (341). Contudo, uma semana depois, no dia 10 de março de 1998 em seu programa semanal de rádio o presidente afirmou: "É para declarar guerra ao desemprego que reúno a minha equipe de governo" (342) Entretanto, na reunião que fez à tarde do mesmo dia o governo decidiu apenas ampliar os projetos que já vinha executando e firmar parcerias com estados, municípios e iniciativa privada. Dois dias depois, a imprensa noticiou que o governo não iria acrescentar recursos adicionais para o programa de geração de empregos, mas iria antecipar a liberação das verbas que seriam utilizadas no segundo semestre do ano. Reduzindo o nível das taxas de juros o governo pretendia que, a partir de maio, aumentassem as vendas no comércio e o ritmo da indústria, gerando-se novos empregos. (343)
O governo apresentou, então, doze medidas centrais da "guerra ao desemprego": "1. Mobilização dos órgãos do governo para reverter a alta taxa de desemprego já no segundo trimestre; 2. Revisar os programas dirigidos à geração de emprego, melhorar o desempenho e analisar as medidas que podem ser tomadas; 3. Avaliar os programas realizados em parceria para checar se há coordenação e articulação entre eles; 4. O governo irá solicitar ao IBGE para que identifique as áreas mais críticas do desemprego... 5. Melhor articulação dos programas de seguro-desemprego; 6. Prosseguir na atualização da legislação trabalhista para remover obstáculos que dificultem a criação de empregos; 7. Multiplicar os projetos integrados para atender as regiões metropolitanas; 8. Acelerar a implantação da nova política industrial do país, dando prioridade à indústria nacional; 9. Maior apoio para pequenas e micro empresas, especialmente nos setores de turismo e serviços; 10. Instruir as agências de financiamento (como Banco do Brasil, por exemplo) a dar prioridade a projetos que possam gerar mais empregos. 11. Reforçar mecanismos de informação sobre a qualidade de treinamento para trabalhadores; 12. Criação de dois grupos, um do Ministério do Trabalho, para examinar sugestões e experiências bem sucedidas sobre a geração de empregos, e outro, na câmara social, para avaliar a implementação dessas ações, articular as medidas dos ministérios e acompanhar os resultados." (344) Como se vê, as doze medidas se reduziam, por um lado, à tentativa do governo tomar consciência da extensão do problema e do que já estaria sendo feito (mobilizar órgãos do governo, revisar e avaliar programas, examinar sugestões e experiências e buscar dados mais precisos sobre o desemprego e qualificação de trabalhadores) e por, outro lado, se resumia a uma carta de intenções gerais (prosseguir na atualização da legislação trabalhista, acelerar a implantação da política industrial, apoiar micro e pequenas empresas e instruir agentes financiadores a darem preferencia a projetos que gerem empregos). Somente uma medida - multiplicar projetos integrados nas regiões metropolitanas - apontava uma intervenção impactante mais a curto prazo.
Seguindo a atual ideologia neoliberal, Fernando Henrique afirmou, contudo, que só há duas formas de se enfrentar o problema do desemprego: através do desenvolvimento ou através da melhoria da educação (345). O governo, seguindo esta tese, inverte, entretanto, a relação entre condicionante e condicionado. Em primeiro lugar, porque não é a melhoria da educação da população o que gera postos de trabalho. O fato de que para preencher as vagas abertas sejam selecionados os trabalhadores mais qualificados ao exercício daquela função, não significa que se todos os trabalhadores do país ou do planeta estiverem qualificados haverá empregos para todos. Em segundo lugar, se teoricamente até recentemente se defendia que quanto mais pessoas trabalhassem mais riqueza se poderia produzir e, portanto, maior seria o desenvolvimento econômico do país, por outro lado constata-se atualmente que é possível haver desenvolvimento econômico e aumento do produto interno bruto com as empresas inovando tecnologicamente e reduzindo custos, dispensando trabalhadores. Isto é, pode haver desenvolvimento econômico com a manutenção dos níveis de desemprego e aumento da concentração de renda. Exemplo deste último fenômeno foi a restruturação pela qual passaram empresas gigantescas, demitindo trabalhadores e inovando tecnologicamente para aumentar sua eficiência e competitividade no mercado mundial. Essas empresas passaram a produzir mais com menos trabalhadores. Assim as duas únicas formas apontadas por Fernando Henrique para geração de empregos são problemáticas pois, de fato, a primeira não os gera e a segunda pode não gerá-los. Seria necessário estabelecer uma estratégia adequada de crescimento econômico para que este seja acompanhado de significativa geração de empregos. Mas essa estratégia jamais respeitará os cânones do modelo neoliberal que, promovendo a realização do lucro dos agentes privados, prefere reduzir despesas dispensando trabalhadores.
 
11. O Programa de Apoio a Núcleos de Excelência na pesquisa científica
O caso do Pronex é um exemplo claro de como uma semiose simbólica pode fazer supor a existência de um objeto dinâmico efetivo, que seria seu provocador, mas que de fato não existe, gerando um simulacro discursivo que encobre a falta de ações práticas do governo, levando o receptor da mensagem a crer em algo que não existe.
Em abril de 1996, Fernando Henrique e José Israel Vargas, ministro da Ciência e Tecnologia, assinaram o decreto nº 1.857, instituindo o Programa de Apoio a Núcleos de Excelência na pesquisa científica, que ficou conhecido como Pronex. Informou o ministro, alguns dias depois, que o programa teria US$ 58 milhões. E mesmo com a posterior definição de cortes nas despesas governamentais, o Ministério informou: "O presidente Fernando Henrique Cardoso garantiu que não faltarão recursos para o Pronex" (346).
A realidade dos pesquisadores brasileiros, entretanto, era bem outra. Wanderley de Souza, renomado biólogo brasileiro, inscreveu no Pronex um projeto que visava investigar o comportamento de parasitas presentes no organismo de insetos que os transmitem aos seres humanos - estudo que contribui no combate de doenças transmissíveis dessa forma, como o Mal de Chagas, entre outras que afetam a população brasileira. A equipe de trabalho envolvida no projeto reúne várias universidades, 36 doutores e 112 estudantes de pós-graduação. No grupo das ciências biológicas, este projeto foi o primeiro classificado pelo Pronex, sendo-lhe atribuído um milhão e novecentos mil reais, recurso suficiente para garantir quatro anos de pesquisas. O cheque da primeira parcela dos recursos era de R$ 600 mil. Contudo, em dezembro de 96 havia sido repassado apenas R$ 300 mil, ficando restante da primeira parcela para o mês de março de 97. Até julho de 97 o dinheiro não havia sido liberado. Todos os 77 projetos do Pronex estavam na mesma situação, à espera dos recursos que haviam sido prometidos. Saliente-se que a aprovação dos recursos a esses projetos havia sido citada pelo governo, e veiculada pela imprensa, como prova de seu apoio à pesquisa científica no país. Em face dessa situação, comentou Elio Gaspari: "... pode-se dizer que o governo funciona bem no mundo das promessas, capenga nos avanços, mas, bem ou mal, toca a rotina. (Isso fazendo-se de conta que ninguém notou o sumiço de R$ 38 milhões do Conselho Nacional de Pesquisas, quantia equivalente à primeira parcela de despesas do "novo" Pronex.)" (347)
Quem vinha bancando, na medida do possível, a continuidade parcial dessa importante pesquisa eram as universidades. Uma equipe compondo biólogos da UFRJ e pesquisadores da Venezuela, conseguiu desenvolver novas drogas para enfrentar o Mal de Chagas e a leishmaniose, drogas essas que já foram testadas e começam a ser aplicadas em doentes. Comenta Gaspari que "os estudos desses biólogos relacionam-se com doenças de pobre. Se o governo associasse o falar ao fazer, o financiamento a essa pesquisa seria um exemplo de boa administração. Para usar a linguagem da teoria tucana, pesquisadores com recursos de Primeiro Mundo ajudariam a acabar com as doenças do Brasil arcaico. Na prática, fez-se uma propaganda de Primeiro Mundo e administra-se o Pronex pelas regras da bagunça de sempre" (348).
Em razão do maltrato governamental à pesquisa científica no país, Sérgio Henrique Ferreira, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, criticou - durante a 48ª Reunião Anual da SBPC - a falta de ação do governo federal em relação à ciência: "As promessas são magníficas; os acontecimentos estão aquém das expectativas". (349)
 
12. "Brasil - Território, Povo, Trabalho e Cultura"
O modo como se trata o acobertamento de informações ruins sobre o país e a divulgação de aspectos positivos é tão curioso que, até mesmo na publicação quinzenal da embaixada do Brasil em Assunção distribuída através da Internet, intitulada Brasil Imágenes, já se disponibilizou comentários sobre isso. Em uma das edições, a de dezembro de 1997, esta publicação traduziu uma matéria de Laura Greenhalgh, veiculada no Jornal do Brasil, sobre um livro organizado por Sebastião do Rego Barros Neto, secretário geral do Ministério das Relações Exteriores, e por Luiz Fernando Ligiero, chefe do Setor de Comunicação Social, com o título Brasil - Território, Povo, Trabalho e Cultura. O livro, prefaciado por Fernando Henrique Cardoso, reúne imagens captadas por 90 fotógrafos e textos de vários intelectuais.
Assim, o governo brasileiro é tão democrático que chega ao ponto de um de seus embaixadores, usando recursos do governo, traduzir ao espanhol e divulgar ao mundo, através da Internet, um texto em que o próprio governo é criticado. Este é um exemplo de como a crítica pode ser recapturada semioticamente sob um novo jogo de poder que neutraliza a própria crítica. Afinal, se buscasse esconder, não divulgaria a crítica de que esconde. Apenas destaca o que é bom e não ressalta o que é ruim. Com certeza, se além de folhear "Brasil - Território, Povo, Trabalho e Cultura", o leitor folhear outro livro, "Terra", com fotografias de Sebastião Salgado - "... dedicado aos milhares de famílias de brasileiros sem terra que sobrevivem em acampamentos improvisados às margens das rodovias, lutando, na esperança de um dia conquistar um pedaço de terra para produzir e viver com dignidade (350)" - descobririam alguns dos aspectos que nem sequer foram ressaltados, naquele livro, porque nele jamais estiveram presentes. Conforme a jornalista, o empresário estrangeiro, ao folhear o livro, pensará que em um país tão bonito seu empreendimento somente poderá ser bem sucedido. Os textos, por sua vez, se desviam de tudo o que seja negativo. Foi o próprio embaixador que, parafraseando o ex-ministro Ricúpero, afirmou: "procuramos destacar o que é bom, sem ressaltar o que não é." (351)
 
13. A semiose dos mass media e os indicadores da realidade objetiva
Assistimos recentemente no Brasil e no mundo a difusão do neoliberalismo como pensamento único. Embora tudo o que ele tenha afirmado, do ponto de vista do interesse público e social, não tenha se realizado, e, embora o mundo todo tenha assistido as quedas nas bolsas de valores no final de 1997, as mídias em geral ainda difundem idéias desse projeto que, como tal, enfraquece a soberania das nações e prejudica os interesses públicos em favor do ganho econômico de importantes grupos privados que dominam a economia mundial.
Analisando o empenho do governo em ajustar o Brasil a esse modelo neoliberal ao mesmo tempo em que dissemina, entre a população, uma positiva imagem do país - que favorecia a reeleição de Fernando Henrique mas que não correspondia efetivamente à realidade do Brasil - Herbert de Souza afirmava que, por trás de todos os discursos disseminados pelas mídias, o governo não tinha uma agenda para o país: "O governo FHC não tem uma agenda para o Brasil, mas para uma ficção produzida na cabeça de meia dúzia de economistas e de uma elite que tenta ordenar o mundo de acordo com dogmas que alguns insistem em chamar de neoliberais. Na verdade, são os globalistas de sempre. O país passou a ser um campo de operação e um detalhe. Nessa nação fictícia, não há dúvidas, só certezas; não há choro, só sorrisos; não há ética, mas conveniências; não há inimigos, mas chatos. Política tem data, nome, interesses e objetivos. Esse é o caso do debate sobre a reeleição no Brasil." (352)
Confrontando o discurso do governo veiculado para a sociedade com os indicadores da situação real, Betinho questiona o argumento apresentado durante o debate sobre a aprovação da emenda da reeleição: "Os argumentos de defesa do governo são jurássicos: por que mudar, se tudo está funcionando? O país cresce, a pobreza diminui, o real é forte. A linguagem dominante é: estabilização, abertura, equilíbrio fiscal, reforma do Estado. Mas indicadores como condições de vida, salário, renda e, principalmente, emprego são regados (sic!) a uma indiferença profunda. Não existe uma agenda nacional." (353)
Este fenômeno de semiose simbólica hegemônica que contraria signos indiciais não ocorre, contudo, somente com a divulgação de informações referentes ao Brasil. A mídia também divulga informação enganosa quando afirma que as reformas neoliberais propiciaram maiores investimentos em saúde e educação nos países em que foram aplicadas. Conforme dados do Banco Mundial, entre 1980 e 1993 - anos em que mais foram badaladas as reformas neoliberais - os gastos públicos de países como Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, cresceram na ordem de 10% em relação ao seu percentual sobre o PIB dos referidos países. Contudo, mesmo havendo um aumento nos gastos públicos, ocorreu uma redução de gastos em algumas áreas, que foram principalmente as da saúde e educação. Mas o mais significativo, conforme analisa Tarso Genro, é que "enquanto caíam os gastos em saúde e educação, cresciam os gastos para pagamento de juros, nos seguintes percentuais: EUA, 18,2% (dos gastos públicos) para 23,7%; França, 15,6% para 20,4%; Alemanha, 12,6% para 20,4%. É o cassino global da ditadura do capital financeiro globalitário." - conclui o autor. (354)
Outro fenômeno do mesmo tipo foi a interpretação feita pelo governo sobre os dados da última Pesquisa Nacional de Amostragem por Domicílios. Em um interessante texto, a professora Neide Patarra, do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e do Núcleo de Estudos de População, da Universidade de Campinas, apresentou uma análise sobre como aqueles dados ficavam distorcidos em algumas interpretações. Segundo ela, "certas estatísticas indicam avanços, mas nem todos os avanços são produto do atual governo." (355) Ilustrando essa afirmação ela cita, por exemplo, o caso da elevação da taxa de alfabetização no país, que não pode ser creditada exclusivamente às ações governamentais nesta área.
De outra parte, os dados recolhidos contradizem uma série de afirmações ou semioses vigentes sobre o comportamento de vetores sociais. Sobre isso é interessante destacar quatro aspectos: a questão da natalidade, o crescimento das metrópoles, o problema dos idosos e o crescimento do PIB. Vale mencionar também sua observação sobre o período de base usado para comparação dos dados.
Conforme a PNAD, a taxa de natalidade caiu. Contudo, comenta a professora, que a afirmação corrente, e amplamente divulgada pelas mídias, de que se a taxa de natalidade caísse, a miséria diminuiria, não era verdadeira, uma vez que a miséria não diminuiu: "Há mais meninos na rua hoje, nascidos na fase de queda da fecundidade, do que havia antes." Por outra parte, o aumento de "famílias chefiadas por mulheres (mães solteiras, abandonadas ou viúvas)" é preocupante, uma vez que "...há uma relação entre ele e o declínio social, ou mesmo o aumento da criminalidade." (356)
Quanto ao crescimento das metrópoles, este acabou. Destaque-se inclusive que São Paulo e Rio de Janeiro chegaram mesmo a diminuir. Conforme a socióloga, isso poderia ser considerado bom "...se refletisse uma classe média migrando para as montanhas, em busca de melhor qualidade de vida." Contudo, "o grosso dessa migração é de retorno, o retorno dos derrotados. Há indicadores preliminares de que nesse fluxo vai uma boa quantidade de velhos. Isso não é equilíbrio, é uma nova forma de exclusão." (357)
Quanto aos idosos ela analisa que as estatísticas mostraram que o país tem e terá que se preocupar cada vez mais com eles. Segundo a autora, a "... algazarra em torno da clínica Santa Genoveva, onde morreram perto de 90 velhos, sugeria que aquilo era produto da corrupção dos donos da instituição. Achar que é só isso é balela. É não querer olhar para o fato que boa parte daqueles velhos foi abandonada. Vamos ter que mudar as relações de convivência familiar. Vamos ter que voltar a pensar na família extensa." (358)
Quanto ao crescimento do Produto Interno Bruto, ela destaca, no final de 1996, que "... estamos com taxas medíocres, mas a retórica do governo, de pura propaganda, é de que estamos crescendo. Já vi uma publicação que enfatizava o crescimento de 10,4% da indústria da transformação no último trimestre de 1994, o segundo do Plano Real. E depois? A taxa de crescimento industrial de 95 foi pífia. Focalizam-se números trimestrais para empanar o conjunto. Isso é feito para dar a impressão de que o desemprego é um contra-senso, quando na realidade ele é a conseqüência lógica de uma série estatística." (359)
Mas é considerando a base de dados, sobre a qual se fazem as comparações de macro-indicadores no Brasil, que o alerta da professora torna-se mais importante. Destacando esse aspecto a pesquisadora enfatiza, "sempre que lhe trouxerem um número dos anos 90 comparado com o seu equivalente nos anos 80, desconfie. Os anos 80 foram uma desgraceira. Procure saber qual era o número dos anos 70." (360) Ocorre que se compararmos dados atuais com dados dos anos 80, eles podem parecer positivos - uma vez que a década de oitenta foi muito ruim do ponto de vista do desempenho nacional -, mas se compararmos com os anos 70, que foi uma década de maior crescimento, os dados atuais passam a ter uma outra coloração.
Contudo, grande parte da população tem dificuldade em compreender, até mesmo, informações e signos básicos para a satisfação de suas necessidades cotidianas, quanto mais compreender as técnicas de manipulação de dados - no sentido próprio da palavra: estabelecimento de certas relações, isolamento de algumas variáveis, etc. Uma pesquisa sobre esse aspecto - a capacidade de localizar, compreender, relacionar e interpretar signos - realizada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico considerando a população adulta de 12 países da União Européia concluiu que "pelo menos um quarto da população adulta dos países estudados não atinge o nível mínimo de competência necessária para satisfazer demandas complexas da vida cotidiana e do trabalho." (361) Entre os testes, conforme esclarece o jornal, estavam várias operações básicas: "Compreender um texto curto, como uma bula de remédio. Saber tirar algumas informações de um quadro de previsão metereológica. Comparar os preços de diferentes produtos ou os dados contidos em gráficos. Calcular a distância de um trajeto, acrescentando alguns dados quilométricos." (362) O resultado insatisfatório apontado pelo teste - que avaliava o "nível de competência de base" dos adultos e não algum conhecimento específico - foi batizado por um jornalista como "analfabetismo virtual" (363).
Pode-se supor que no Brasil esse tipo de analfabetismo também alcance grandes proporções. Se considerarmos, ainda, que o analfabetismo clássico atinge 19,6% dos brasileiros, que somente 33% dos matriculados no primeiro grau concluem a oitava série ou que a escolaridade média no Brasil é de apenas 4,5 anos por pessoa, teremos que concluir que no Brasil esta "competência de base" deve ser bem mais precária (364). Seguramente isso é um dos vetores que auxiliam na explicação de como as mídias conseguem levar as pessoas a aceitarem tranqüilamente tantas informações inconsistentes e até mesmo contraditórias que, às vezes, aparecem em um mesmo noticiário em dois blocos de notícias sucessivos, intercalados por várias peças publicitárias.
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NOTAS:

133. VÁRIOS. "Em Defesa da Terra, do Trabalho e da Cidadania". http://www.webcit.com.br/~sintpq/cidada/carta_br.htm.
134. A publicação Counter Punch foi incluída "pela Utne Reader, uma das revistas mais intelectualizadas do país, entre os dez melhores títulos da imprensa alternativa americana". Cf. "Assessor secreto - Os tucanos tentam esconder que o bruxo da eleição de Clinton pôs o dedo na campanha de FHC". Revista Veja, 07-09-94, p. 37
135. "Assessor secreto - Os tucanos tentam esconder que o bruxo da eleição de Clinton pôs o dedo na campanha de FHC". Revista Veja, 07-09-94, p. 36
136. Ibidem, p.36
137. Ibidem, p. 36
138. Ibidem, p. 37
139. Ibidem, p. 37
140. Ibidem, p. 36
141. Ibidem, p. 36
142. Ibidem, p. 36
143. Carlos Eduardo LINS DA SILVA. "Tucano tem ajuda de assessores americanos". Folha de São Paulo, 31-08-94, Especial - Supereleição, p.1
144. Ibidem
145. "Assessoria de Carville a tucano é ilegal". Folha de São Paulo, 02-09-97, Especial - Supereleição, p.1
146. "Assessor secreto - Os tucanos tentam esconder que o bruxo da eleição de Clinton pôs o dedo na campanha de FHC". Revista Veja, 07-09-94, p. 36
147. Folha de São Paulo. 03-09-94, Caderno Especial - Supereleição , p.4
148. Carlos Eduardo LINS DA SILVA. "Jornalista acusado diz provar informação". Folha de São Paulo , 03-09-94, Caderno Especial - Supereleição , p.4
149. "O efeito-máquina". Revista Veja, 14-09-94, p. 36
150. "Ricupero diz ajudar FHC, esconder inflação e confessa não ter escrúpulo" - "Veja íntegra da conversa de Ricupero com Monforte". Folha de São Paulo, 03-09-94, Caderno Especial - Supereleição , p.1
151. Tratava-se de uma matéria publicada na IstoÉ, com o título: "Cacete Diplomático - O ministro Rubens Ricúpero critica o PSDB, o governo, as esquerdas, as concessionárias, as feiras livres, a saúde e o uso eleitoral do Real". IstoÉ 31-08-94, pp.5-10
152. Idem
153. Idem
154. Posteriormente, a equipe econômica estudou uma pequena redução dos impostos na gasolina a fim de poder reduzir simbolicamente o seu preço final.
155. Idem
156. Em síntese, a emissora se expôs: a) conferindo mais tempo a Collor que a cada um dos demais candidatos em seus noticiários; b) produzindo um Globo Repórter - programa noticioso noturno - salientando as suas qualidades como administrador íntegro e honesto; c) produzindo novelas com temas políticos, parodiando os candidatos a presidente, em Que Rei Sou Eu e O Salvador da Pátria; d) editando o debate final dos candidatos, selecionando os melhores momentos de Collor e os piores de Lula, que foram transmitidos, às vésperas da eleição, no Jornal Nacional.
157. Idem
158. "Crise Parabólica" Revista Isto É, 07-09-94, p.20
159. Clóvis ROSSI. "Crime e confissão". Folha de São Paulo, 03-09-98, p 1-2
160. "Crise Parabólica". Revista Isto É, 07-09-94, p. 21
161. Idem
162. "Apresentadora da Globo antecipa explicações". Folha de São Paulo, 03-09-94, Especial - Supereleição, p.3
163. Luciano SUASSUNA e Octávio COSTA. "Jogo Pesado". Revista IstoÉ, 14-09-94, p. 18e19. A fotografia citada é de Evilazio Bezerra e ilustra a matéria.
164. Folha de São Paulo, 08-09-94, p.1-1
165. José Arthur GIANNOTTI. "Um passo atrás na busca da racionalidade". Folha de São Paulo, 11-09-94, p.1-3
166. Idem
167. Idem
168. Gisele VITÓRIA e Simone GOLDBERG. "Inflação do Ego. - Especialistas acreditam que as vítimas da vaidade sofrem pelas pressões do poder e até carregam herança genética". IstoÉ, 14-09-94 p.32
169. Ibidem
170. Ibidem
171. Mayana ZATZ, citado em Ibidem
172. Trata-se da referência que Ricupero fizera aos empresários como "bandidos".
173. CHAUI, Marilena. "Na segunda vez, como farsa". Folha de São Paulo, 11-09-94, p. 1-3
174. "O efeito-máquina". Revista Veja, 14-09-94, p. 38
175. Ibidem, p. 38
176. Ibidem, p. 38
177. Ibidem, p. 39
178. Folha de São Paulo, 19-09-94, Especial, p.2
179. "Crise Parabólica". Revista Isto É, 07-09-94, p. 23
180. IstoÉ, 10-08-94
181. Jornal do Brasil, 06-08-94
182. "Exemplares de ‘IstoÉ’ circulam sem resposta". Folha de São Paulo, 29-09-94, Especial, p.3
183. Jornal do Brasil, 09-03-94
184. Jornal o Globo, 09-03-94
185. Gilberto DIMENSTEIN. "Denúncia Fantasma". Folha de São Paulo, 11-03-94, p. 1-2
186. Humberto SACCOMANDI. "Amorim nega acusações contra partido - Desembargador afirma que ‘nunca disse’ que dinheiro provém de atividades criminosas e culpa tradução". Folha de São Paulo, 11-03-94, p. 1-19
187. DIMENSTEIN. "Denúncia Fantasma", p. 1-2
188. Jornal do Brasil, 15-03-94, p.
189. SACCOMANDI. Op. cit.
190. Denise MADUEÑO e Gustavo PATÚ. "Franco nega ter dado 'entrevista'". Folha de São Paulo, 20-08-94, Especial p.2
191. Denise MADUEÑO. "Lula planeja ‘calote’, diz comitê tucano - Equipe de FHC distribui a jornais do interior informação de que 0petisyta pode prejudicar poupadores". Folha de São Paulo, 20-08-94, Especial, p.4
192. Ibidem
193. Ibidem
194. Ibidem
195. Denise MADUEÑO e Gustavo PATÚ. "Tucanos armam 'operação despiste'". Folha de São Paulo, p. 20-08-94, Especial, p.1
196. Ibidem
197. Janio de FREITAS. "Delinquência eleitoral". Folha de São Paulo, 21-08-94, p.1-5
198. Gustavo Franco, apud MADUEÑO e PATÚ. "Franco nega ter dado 'entrevista'"
199. Gustavo Franco, apud Ibidem
200. FREITAS. "Delinquência eleitoral", p.1-5
201. MADUEÑO e PATÚ. "Franco nega ter dado 'entrevista'".
202. Ibidem
203. FREITAS. "Delinquência eleitoral"
204. Ibidem
205. Denise MADUEÑO. "PSDB repete tática de Collor e divulga que Lula dará um calote na poupança" Folha de São Paulo, 20-08-94, Especial, p.1 De fato, antes do segundo turno das eleições presidenciais de 1989, na noite de 11 de dezembro, Fernando Collor de Mello concedeu uma entrevista gerada pela TV Record de São Paulo a partir das 21 horas e retransmitida para outros estados brasileiros, em que afirmou literalmente: "É preciso que se leia bem esse significado da expressão calote na dívida interna: significa que aqueles poupadores na caderneta de poupança e do over night não vai mais ter o seu dinheiro."
206. "PT entra com representação no TSE contra FHC". Folha de São Paulo, 22-08-94, Especial, p.3
207. Ibidem
208. Lucas FIGUEIREDO. "Agência tucana reconhece ter cometido erro". Folha de São Paulo, 29-08-94, Especial, p.1
209. Ibidem
210. Ibidem
211. Ibidem
212. "Fenaj pede suspensão dos releases de FHC". Folha de São Paulo, 10-09-94, Especial, p.4
213. Ibidem
214. Ibidem
215. Ibidem
216. Sobre os estatutos do simulacro e das simulação, veja-se: Jean BAUDRILLARD. Simulacros e simulação. Lisboa, Antropos, 1991
217. João Carlos de OLIVEIRA. "Mínimo perde 10,8% após a URV - Corrida de preços antes da implantação do real deve impedir uma explosão de consumo." Folha de São Paulo, 12-06-94. Finanças, p.1
218. Raul PILATI. "Cardoso reconhece perda e sugere concessão de abono". O Estado de São Paulo, 02-03-94, p. B-3
219. Gustavo PATÚ "Crise põe em cheque previsões favoráveis à economia em 98" Folha de São Paulo,01-11-97, p.2-5 e Gabriel J. de CARVALHO. "Juro ‘na lua’ não atrai investidor externo". Folha de São Paulo, 16-11-97, p.2-5
220. Paulo Nogueira BATISTA JR. "Brasil, líder mundial da agiotagem". Folha de São Paulo, 20-11-97, p. 2-2
221. Celso PINTO "Juros recordes no Brasil". Folha de São Paulo, 21-10-97, p. 1-15
222. Tabela extraída de: Paulo Nogueira BATISTA JR. "Desemprego e Juros". Folha de São Paulo, 11-12-97, p. 2-2
223. Tabela extraída de: Paulo Nogueira BATISTA JR. "Câmbio, câmbio, câmbio". Folha de São Paulo, 08-01-98, p. 2-2
224. Celso PINTO. "O risco da balança (2)" Folha de São Paulo, 31-12-96, p. 1-7
225. "Déficit externo é o maior em 13 anos". Folha de São Paulo, 25-01-97, p. 1-1
226. Célia de Gouvêa FRANCO. "País importa US$ bi em supérfluos". Folha de São Paulo, 30-12-96, p.2-1
227. Marcio AITH e Luiz CINTRA. "Fusões Globalizadas dobram desde Real". Folha de São Paulo, 11-01-98, p. 2-1
228. Ibidem
229. Ibidem
230. Ibidem
231. Ibidem
232. José MASCHIO. "Paraná ‘paga’ US$ 10 mi por fábrica". Folha de São Paulo, 7-11-97, p. 2-14
233. Ibidem
234. Ibidem
235. "Pressão pela desvalorização do real vai crescer, diz economista". Folha de São Paulo, 03/01/97, p. 2-5
236. Jarbas PASSARINHO. "Governo da Maioria". Folha de São Paulo, 15-03-91, Especial, p.3
237. Ibidem
238. Ibidem
239. Fernando Henrique CARDOSO. "Constituição ou prepotência?" Folha de São Paulo, 14-03-98, p1-4
240. Ibidem
241. Este pacote definiu eleições indiretas para presidente e governadores, e a eleição indireta de um terço de senadores que acabavam sendo indicados pelo governo (biônicos); alterava-se, também, a representatividade parlamentar dos estados a fim de super-representar os estados em que a ARENA tinha mais votos, criando uma sub-representação dos estados em que a oposição tendia a eleger um maior número de deputados federais. Estas distorções permanecem até hoje.
242. Fernando Henrique CARDOSO. "Constituição ou prepotência?", p.1-4
243. Ibidem
244. Ibidem
245. Jânio de FREITAS. "Falência Real". Folha de São Paulo, 27-06-95, p. 1-5
246. Ibidem
247. Ibidem
248. William FRANÇA. "FHC ultrapassa Collor em nº de medidas provisórias". Folha de São Paulo, 14-03-98, p. 1-4
249. Osiris LOPES FILHO. "Autoritarismo seródio". Gazeta do Povo, 7 de Dezembro 1996. http://www.dopovo.com/colunist/7dez96sab/lopes.html
250. Silvana de FREITAS. "Cresce resistência a MPs no Supremo - Reedições são consideradas abusivas." Folha de São Paulo,. 26-12-97, p. 1-9
251. Aloysio Biondi. "Governo Secreto". Folha de São Paulo, 03-03-96, p. 2-4
252. Ibidem
253. Ibidem
254. Cari RODRIGUES e Gustavo PATU. "Disquete disseca o rombo do Nacional". Folha de São Paulo,-3-03-96, p.1-10
255. Lucas FIGUEIREDO. "Governo abafou CPI do setor financeiro". Folha de São Paulo,3-03-96, p. 1-6
256. Denise MADUENO. "Lixo do comitê de FHC revela doadores - Lista de empresas que deram dinheiro para campanha inclui Andrade Gutierrez, Pão de Açúcar e seguradora Bradesco" Folha de São Paulo, 04-09-94, Caderno Especial, p. 3
257. "Investigação vai durar um ano". Folha de São Paulo, 03-03-96, p.1-10
258. Ibidem
259. Lucas FIGUEIREDO. "Governo abafou CPI do setor financeiro". Folha de São Paulo,3-03-96, p. 1-6
260. Marta SALOMON. "Brasil vive crise moral, diz proposta do MEC". Folha de São Paulo,08-01-98, p. 3-3
261. Max HORKHEIMER, Eclipse da Razão, Rio de Janeiro Labor do Brasil, 1976
262. Celso Antônio Bandeira de MELLO. "O chupa-cabra". Folha de São Paulo, 01/08/97, p. 1-3
263. Ibidem
264. Silvio Caccia BAVA. "Agentes da mudança no país". Folha de São Paulo, 18-07-97, p.3-2
265. Márcia de CHIARA. "Consumo popular cresce e favorece multinacionais". Folha de São Paulo, 3-3-96, p. 2-3
266. Claudio Monteiro CONSIDERA. "O Real e a redução da pobreza no Brasil". Folha de São Paulo, 29-06-97, p. 2-2
267. "Brasil é campeão da desigualdade social - Renda: mesmo com ligeira melhora, cruzamento de dados do IBGE e BIRD mostra país com pior distribuição do mundo". Folha de São Paulo, 9-7-96, p.1-5
268. Jornal Hoje, TV Globo, 18 de fevereiro de 1998, 13hs 28min.
269. Silvio Caccia BAVA. Op. cit., p.3-2
270. Fonte dos dados: DIEESE. Anuário dos Trabalhadores - 1996-97. São Paulo, 1996 p. 49
271. Gustavo PATÚ. "Rombo na habitação dobra com o real". Folha de São Paulo, 12-06-95, p. 1-7
272. Ibidem
273. "Sem razão para a fome". Folha de São Paulo, 27-10-97, p. 1-2
274. Ibidem
275. A Pesquisa de Orçamento Familiar realizada pelo IBGE abrangeu "os domicílios particulares permanentes, localizados no perímetro urbano, das regiões metropolitanas de Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre, além do Distrito Federal e o município de Goiânia." Fonte: http://www.ibge.org/informacoes/estat6.htm
276. Veja-se: IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares - 1987/88, vol. 1, Rio de Janeiro, IBGE, 1991 e IBGE. Pesquisa de Orçamentos Familiares, 1995 - 1996. Rio de Janeiro, IBGE, 1997
277. José Roberto de TOLEDO. " ‘Decadentes’ atrapalham reeleição de FHC". Folha de São Paulo, 16-03-98, p. 1-8
278. IBGE. "Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 1995-1996 - revela mudança de hábitos de consumo" http://www.ibge.gov.br
279. Ibidem
280. Ibidem
281. Aloizio Mercadante. "O centro e a economia solidária". Folha de São Paulo, 19-10-97, p. 2-11
282. Sergio TORRES. "Cresce a concentração de renda no país nos últimos dez anos". Folha de São Paulo, 4-12-97, p. 2-3
283. IBGE. "Pesquisa de Orçamentos Familiares..."
284. Ibidem
285. Ibidem
286. Ibidem
287. José Roberto de TOLEDO. " ‘Decadentes’ atrapalham reeleição de FHC". Folha de São Paulo, 16-03-98, p. 1-8. Os grifos são nossos.
288. Ibidem
289. "Propaganda do Real tem números errados". Folha de São Paulo, 9-7-96, p. 1-5
290. Fonte: Folha de São Paulo, 9-7-96, p. 1-5
291. Folha de São Paulo, 9-07-96, p. 1-5
292. Neivaldo José GERALDO. "Mínimo já não compra o essencial - Pesquisa diz que salário em 13 capitais não dá mais para adquirir gêneros de primeira necessidade". Folha de São Paulo, 8-11-94
293. Gabriel J. de CARVALHO. "Novo salto da cesta básica difere de junho". Folha de São Paulo, 6-11-94
294. "O efeito-máquina". Revista Veja, 14-09-94, p. 38
295. "Dinâmica perversa". Folha de São Paulo, 03-03-95, p. 1-2
296. Suzana BARELLI. "Pedido de falências cresce 353% e atinge 1.309 empresas em novembro". Folha de São Paulo, 01-12-95, p. 2-3
297. Suzana Barelli. "Carnês em atraso já são 3 milhões". Folha de São Paulo, 02-04-96, p.2-10
298. Milton GAMEZ. "Calote cresce e já preocupa comércio - Carnês com atraso superior a 30 dias aumentaram 5,96% na primeira quinzena deste mês em São Paulo". Folha de São Paulo, 19-11-96, p. 2-1
299. Ibidem
300. Cláudia PIRES. "Nível de inadimplência cai 16,4% no país". Folha de São Paulo, 18-12-96, p. 2-14
301. "Despoupança popular". Folha de São Paulo, 06-08-96, p. 1-2
302. Simone Cavalcanti. "De cada 100 consumidores que compram a prazo, 19,8 atrasam pagamento; pessoas buscam presentes mais baratos". Folha de São Paulo, 17-12-97, p.2-6
303. "Crédito cresce mesmo com a inadimplência" Folha de São Paulo, 29-04-97, p. 2-3
304. Mauro ARBEX. "Inadimplência do consumidor bater recorde", Folha de São Paulo, 19-12-97, p. 2-9
305. Irany TEREZA. "Inadimplência continuou alta em fevereiro - Só ficou atrás de janeiro porque o mês teve menos dias úteis e também o carnaval". O Estado de São Paulo, 03-03-98, p.B-4
306. "Inadimplência em SP bate recorde em fevereiro" Brasil On Line, Agência Folha, 2/3/1998, 14hs16min
307. TEREZA. "Inadimplência continuou alta..."
308. Ibidem
309. Ibidem
310. "Inadimplente põe culpa no desemprego". Folha de São Paulo, 07-10-97, p. 2-5
311. Celso PINTO. "Alternativas ao Déficit". Folha de São Paulo, 19-11-96, p. 1-9
312. Folha de São Paulo, 14-03-97, p.2-5
313. Nelson ROCCO. "Micro luta para evitar `quebradeira' - Altas taxas de juros têm levado empresas à inadimplência e à diminuição da produção". Folha de São Paulo, 04-06-95, p. 8-1
314. Ibidem
315. Fátima FERNANDES. "Loja atrasa pagamento de aluguel". Folha de São Paulo, 22-10-97, p. 2-12
316. Ibidem
317. Ibidem
318. Ibidem
319. Folha de São Paulo, 30-04-95, p. 2-2
320. Cláudia PIRES. "Nível de inadimplência cai 16,4% no país". Folha de São Paulo, 18-12-96, p. 2-14
321. Shirley EMERICK. "BB registra mais cheques sem fundos". Folha de São Paulo, 26-11-96, p. 2-4
322. Folha de São Paulo, 15-12-96, p.2-2
323. Gabriel J. de CARVALHO "Juros embutidos continuam elevados" Folha de São Paulo, 27-11-96, Especial, p. 6 Sobre a questão dos ganhos pós-real na renda da população pobre, veja-se o item O aumento do poder aquisitivo da população - Os simulacros da semiose Indicial.
324. Gabriel J. de CARVALHO "Real surpreendeu até credores". Folha de São Paulo, 16-03-97, p. 2-10
325. Aloysio BIONDI. "Puxa, como a economia vai bem!" Folha de São Paulo, 01-10-96, p. 2-2
326. Ibidem
327. Luis Costa PINTO. "FHC gasta 39% a mais em publicidade". Folha de São Paulo, 22-10-97, p. 1-6
328. Folha de São Paulo, 13-11-97, p.1-5
329. Folha de São Paulo, 13-11-97, p.1-5
330. "Governo diminui os gastos sociais". Folha de São Paulo, 31-05-96, p.1-1.
331. "TCU critica diminuição de gastos sociais em 1995". Folha de São Paulo, 31-05-96, p.1-4
332. "Real perde para Cruzado em gasto social". Folha de São Paulo, 3-3-96, p. 1-17
333. BAVA. Op. cit, p.3-2. Conforme a Comissão de orçamento do Congresso, o governo reduzira, em 1996, as verbas destinadas a saúde e saneamento em 10,3% em relação a 1995 e em 8,6% as verbas para educação e cultura, considerando o mesmo período.
334. "Cai número de bebês vacinados em 96". Folha de São Paulo, 3-01-97, p. 3-1
335. Ibidem
336. "Corte no orçamento deste ano sobe para R$ 6,3 bi", Folha de São Paulo, 06-01-98, p. 1-7 e Denise Chrispim MARIN. "Pastas da área social perdem R$ 993 milhões" Folha de São Paulo, 07-01-98, p. 1-6
337. Wilson TOSTA. "Betinho deixa Comunidade Solidária e critica Serra". Folha de São Paulo, 03/05/96, p. 1-5
338. Folha de São Paulo, 03/05/96, p. 1-5
339. AGÊNCIA FOLHA. "Ruth Cardoso pede recursos para Comunidade Solidária". Brasil on Line, 12/01/98, 15hs56min. http://www.uol.com.br
340. Wilson TOSTA. "Betinho deixa Comunidade Solidária..."
341. Paulo Nogueira BATISTA JR. "O Reverendo FHC e o desemprego". Folha de São Paulo, 12-03-98, p. 2-2
342. "Governo limita ‘guerra ao desemprego’". Folha de São Paulo, 11-03-98, p.2-1
343. "Emprego não terá recursos adicionais". Folha de São Paulo, 12-03-98, p.2-1
344. "FHC anuncia 12 ações para reverter o desemprego". Agência Folha, 17h55 - 13/03/98
345. "Governo limita ‘guerra ao desemprego’". Folha de São Paulo, 11-03-98, p.2-1
346. Elio GASPARI. "O Pronex, um caso de uso científico do gogó". Folha de São Paulo, 22-06-97, p. 1-8
347. Ibidem
348. Ibidem
349. Ricardo BONALUME NETO. "Mensagem de FHC é vaiada no primeiro dia da SBPC". Folha de São Paulo, 08-07-96, p 3-8
350. Sebastião SALGADO. Terra. Companhia das Letras, 1997, p. 5
351. Laura GREENHALG. "Libro sobre imagen del Brasil" in Brasil Imágenes - Publicación quincenal de la embajada del Brasil en Asunción. 15-12-97 - Año III - Número 61
352. Herbert de SOUZA. "Reeleição e os dinossauros - A personalização do poder não é um atraso no processo democrático, que deve ser impessoal e fundado em idéias?". Folha de São Paulo, 28-01-97, p.1-3
353. Ibidem
354. Tarso GENRO. "Reverter o curso perverso". Folha de São Paulo, 05-08-97, p. 1-3
355. Hélio GASPARI. "Neide Patarra - Entrevista". Folha de São Paulo, 24-11-96, p. 1-18
356. Ibidem
357. Ibidem
358. Ibidem. Não compartilhamos necessariamente desta tese.
359. Ibidem
360. Ibidem
361. Lucas DELATTRE. "Analfabetos virtuais são 25% no 1o Mundo". Folha de São Paulo, 21-12-97, p. 1-23
362. Ibidem
363. Ibidem
364. Wander SOARES. A verdadeira dimensão do desafio da escola". Folha de São Paulo, 8-01-98, p. 1-3