Qual é o SEU voto?

Euclides André Mance
31 de Agosto de 2016

Hoje, os  senadores deverão responder sim ou não à seguinte pergunta, enunciada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que conduz a sessão do impeachment:

“Cometeu a acusada, a Senhora Presidente da República, Dilma Vana Rousseff, os crimes de responsabilidade correspondentes à tomada de empréstimos junto à instituição financeira controlada pela União (art. 11, item 3, da Lei nº 1.079/50) e à abertura de créditos sem autorização do Congresso Nacional (art. 10, item 4 e art. 11, item 2, da Lei nº 1.079/50), que lhe são imputados e deve ser condenada à perda do seu cargo, ficando, em consequência, inabilitada para o exercício de qualquer função pública pelo prazo oito anos?”

Responda você mesmo, você mesma!

Quando você atrasa o pagamento de uma conta de telefone ou de qualquer outro serviço contratado, o que são os juros de mora que incidem sobre essa conta? Está claro, são juros de mora, referentes, portanto, a atraso. Os  juros de mora devidos à companhia telefônica ou à empresa que lhe prestou o serviço correspondem a algum empréstimo em dinheiro que elas fizeram a você? A lei brasileira é clara: diz que não. Não fosse assim, todas empresas registrariam  em suas contabilidades, para cada atraso de pagamento, uma correspondente operação de crédito, no exato valor do juro de mora pago, tendo como credor do empréstimo a empresa que lhe prestou o serviço que foi pago em atraso. Os juros de mora do Plano Safra, pagos pelo Governo Dilma, referem-se, igualmente, ao atraso de pagamentos ao prestador do serviço que fornece crédito aos agricultores, pois são juros de mora, não tendo havido empréstimo de dinheiro do prestador do serviço ao Governo Federal.

Quanto à segunda pergunta, sobre a “abertura de créditos sem autorização do Congresso Nacional” leia você mesmo, você mesma, essa autorização, que está publicada no Diário Oficial da União, no dia 22/04/2015. Ela está nesse link no site da Câmara dos Deputados e diz: “Art. 4º Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais, desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015 e sejam observados o disposto no parágrafo único do art. 8º da LRF e os limites e as condições estabelecidos neste artigo, vedado o cancelamento de valores incluídos ou acrescidos em decorrência da aprovação de emendas individuais, para o atendimento de despesas:

As alterações dessa lei, aprovadas pelo Congresso, estão neste outro link da Câmara dos Deputados. Leia e comprove que os créditos suplementares abertos pelo Governo Dilma, com base nessa autorização, previamente recebida do Congresso e publicada no Diário Oficial da União, estão “compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário estabelecida para o exercício de 2015. A lei não exige que a compatibilidade seja bimestral  mas anual: para o exercício de 2015. E por que o faz? Porque é impossível saber, de antemão, quanto será arrecadado ao final de cada bimestre, cabendo ao governante, pelo monitoramento da arrecadação realizada ao longo do ano, ajustar os gastos, sem extrapolar, no exercício anual, o limite autorizado pela lei orçamentária.

No presente momento, nem mesmo o Tribunal de Contas da União tem uma decisão final sobre o exercício de 2015, pois o prazo para o envio de documentos solicitados, a serem apreciados pelo Tribunal, foi estendido até 8 de Setembro. Assim, qual é a base legal para a reprovação das contas de 2015?

Como você pode ver, a resposta para as duas perguntas iniciais é: não. Não há crime de responsabilidade apurado nesse processo. Esse impeachment, se for aprovado, por qualquer outra razão que seja, é um Golpe de Estado. É uma violação do meu voto e do seu voto, não importa em quem tenhamos votado.

Se qualquer maioria eventual de parlamentares puder destituir um presidente, governador ou prefeito com o apoio dos que foram derrotados nas urnas, usando para tanto algum pretexto que sirva a esse propósito sem que se comprove a existência de crime de responsabilidade, quanto não será pago em negociatas, a partir de agora, pelos interessados em apossar-se dos governos, para derrubar prefeitos, governadores ou futuros presidentes?

Julgue você mesmo! Julgue você mesma!

O Estranho Humanismo de Cristovam Buarque

Euclides André Mance
28 de Agosto de 2016

Prezado Senador Cristovam Buarque

A condição primeira para qualquer condenação legal não é o fato de haver sido assegurado o amplo direito de defesa ao réu, mas o fato deste haver cometido algum crime tipificado em lei.

Estranho humanista é o senhor.

Durante a última ditadura em nosso pais já houve quem esposasse um “humanismo bélico”.

A história, nas próximas décadas, ou mesmo em alguns anos,  saberá adjetivar corretamente o seu humanismo, capaz de tergiversar sobre esse fundamento mais básico da justiça, possivelmente para atender a algum propósito outro, que somente o senhor sabe qual é.

Pela sua biografia, espero que não esteja envolvido nos esquemas de corrupção dos que lutam desesperadamente  para salvar os corrompidos e os corruptores, abrigados no bote salva-vidas do Governo Temer, que desejam  eliminar a Lava Jato e “estancar essa sangria”, nas palavras de outro senador, igualmente defensor do impeachment.

Na Ação Penal 470, ministros do Supremo adotaram a tese de que é justo condenar o réu mesmo na ausência de provas. Bastariam, para tanto, indícios de algum crime, cuja materialidade não seria mais necessário ou possível comprovar.

Agora, no processo de impeachment, acusa-se a presidente de haver cometido o delito de infringir uma norma do TCU que nem sequer existia quando dos fatos imputados. E argumenta-se que os juros de mora, os mesmos que nos são cobrados quando atrasamos o pagamento de uma conta de telefone, são a prova cabal de uma operação de crédito.

Se essas duas teses fossem válidas, senador, o senhor e eu teríamos de pagar multas por haver dirigido em rodovias com faróis apagados antes da entrada em vigor da nova lei que exige acendê-los durante o dia. E ninguém mais poderia cobrar juros de mora no país, exceto quem tenha autorização legal para realizar operações de crédito. E o balanço contábil de todas as empresas no Brasil deverá ser reprovado, exigindo-se, igualmente, que pagamentos atrasados, em que incidiram juros de mora, fiquem associados contabilmente a lançamentos de tomada de empréstimo no sistema financeiro. E, assim, a partir do impeachment da presidente Dilma, será eliminado pelo Congresso a distinção legal no pais, que é adotada em todo o mundo, entre juros compensatórios que remuneram algum capital empregado e juros moratórios, que indenizam o atraso no pagamento de alguma dívida.

Infelizmente, senador, essa teia de dislates agora se amplia com a sua própria contribuição. Além da jurisprudência que permite, em alguns casos, condenar qualquer brasileiro sem provas, bastando indícios; ou de que se possa condenar alguém por infringir uma norma que ainda não existe; ou de suprimir a distinção legal entre objetos distintos (como juros compensatórios ou moratórios) se isso for conveniente para algum propósito político, o senhor ampliou a extensão desse novo humanismo jurídico, ao afirmar que se ao réu for concedida a ampla defesa, torna-se possível, então, condená-lo, mesmo sem a comprovação de algum crime previsto em lei.

Além desse argumento, de concessão de ampla defesa ao réu, o senhor aduziu outros dois, para o seu juízo condenatório, referentes à situação atual de crise econômica no Brasil. Isso, senador, é uma confissão de culpa do senhor: pois, se este for o motivo de seu voto, estará votando em desrespeito à Constituição do país, pois ela não prevê impeachment do governante para solucionar crises econômicas. Tratar-se-á de desvio de finalidade, de sua parte, o emprego desse instrumento constitucional visando alcançar esse fim. E isso é crime, senador. Ou deveria ser, se vivêssemos num Estado Democrático de Direito.

Mas, entrando no mérito substantivo de seus dois outros alegados motivos, imagino que o senhor não acredite que a crise econômica na Rússia ou que a queda no PIB da China ou que a estagnação da economia na Europa seja consequência da má gestão do Governo Dilma. Se o senhor investigar quais são as reais causas da crise econômica da Rússia, da redução da atividade econômica na China ou da estagnação da Europa, talvez consiga compreender melhor as causas da crise econômica no Brasil.

Em cinco palavras lhe antecipo o diagnóstico básico: recomposição da taxa de lucro.

Sempre foi assim ao longo de toda a história do capitalismo, senador. No momento de crescimento econômico as empresas reduzem suas taxas de lucros, adotam preços mais competitivos, aumentam suas vendas, seu faturamento e a magnitude de seus ganhos. É a lei da concorrência, senador. Mas como a maior parte do valor gerado nessa expansão econômica se concentra ao invés de ser distribuída, pessoas e empresas contraem dívidas para ampliar o seu consumo e o seu investimento na expectativa de solvência futura — a chamada “confiança dos mercados”. Sempre foi assim ao longo do capitalismo e é por isso que os ganhos do sistema financeiro como um todo nunca cessam, tanto na bonança quanto na crise, mesmo que alguns bancos ou agentes financeiros entrem em default. Veja-se o balanço dos maiores bancos brasileiros, apontando ganhos que bateram recordes no primeiro semestre do ano passado e que lucraram juntos R$ 13,46 bilhões de abril a junho do presente ano.

Mas quando as dívidas se tornam quase impagáveis, senador,  e o dinheiro dos atores econômicos flui em maior medida para o sistema financeiro, o consumo final e produtivo se reduz e as empresas vendem menos.

Então, para manter suas operações e pagar suas dívidas, as empresas têm de recompor suas taxas de lucro, pois devem cobrir seus custos totais com um volume menor de vendas e, mesmo assim, assegurar os ganhos para proprietários e acionistas. Por sua vez, aquelas empresas que dispõem de reservas, investem-nas no sistema financeiro, aguardando que as taxas de lucros subam em direção das taxas de juros, razão pela qual vários países mantém atualmente taxas de juros reais negativas tentando forçar a recuperação da atividade econômica.

É por isso, senador, que o Brasil atravessa um momento de recessão com inflação. Pois embora as empresas estejam produzindo menos e vendendo menos, elas continuam subindo seus preços para recompor suas taxas de lucros. E isso nada tem a ver com os gastos dos governos.

Dizer que a presidente Dilma é responsável por esse fenômeno é o mesmo que dizer que as crises cíclicas,  marcadas pela contração da atividade econômica após os ciclos de sua expansão sob o capitalismo, que seguem  ao longo da história, foram responsabilidade dos governantes, quando na verdade elas são fruto da própria dinâmica intrínseca de concorrência dos atores econômicos nos mercados, movidos pela busca de lucro e de proteção dos ganhos acumulados.

Fique atento senador, pois o que o Governo Temer busca é exatamente suprimir direitos históricos da população brasileira para assegurar a recomposição da taxa de lucro das empresas, ampliando a acumulação de capitais, a concentração de renda no Brasil e a subordinação da economia brasileira ao capital internacional.

É triste ver sua pessoa envolvida nesse caudal de condenação sem provas, por um suposto crime em que não há lei violada, escorando-se  num argumento econômico legalmente inválido para justificar um impeachment, que, ao fim e ao cabo, visa reconcentrar a riqueza no país e entregar as jazidas do pré-sal a grupos internacionais. É triste ouvir de sua boca que o elemento decisivo para  o seu voto tenha sido a concessão de um formal direito de defesa à presidente eleita, num processo de impeachment que se caracteriza plenamente como Golpe de Estado, à luz da ciência política contemporânea.

Estranho humanismo o seu, senador.