Economia Brasileira e Impactos das Ações de Trump

Euclides Mance
29/03/2025

Apresentação realizada no Seminário 45 Anos do PT, Curitiba, PR, 29/03/2025 (pdf)


1. Governo Trump

  • mudança na estratégia dos Estados Unidos para enfrentar os BRICS e o declínio dos EUA como principal potência econômica global.
  • reorganizar os Circuitos Econômicos do Capital dentro dos Estados Unidos, de modo a recompor as cadeias produtivas no interior do país;
  • recuperar e atualizar a capacidade industrial em setores estratégicos, particularmente relacionados à alta tecnologia;
  • reduzir a dependência externa da economia norte-americana em diferentes setores.

2. Em paridade de poder de compra, o PIB dos BRICS ultrapassou a soma do PIB dos Estados Unidos e Área do Euro em 2013 e a soma do PIB dos Estados Unidos e União Europeia em 2020 

Evolução do PIB em Paridade de Poder de Compra (USD PPP) (2000-2023)

Fonte: Banco Mundial


3. O crescimento das exportações dos BRICS tem sido simultâneo ao crescimento do déficit da balança comercial dos Estados Unidos.

Saldo da Balança Global de Transações Correntes em dólares – EUA, China e Rússia, 1970 a 2016


Fonte: Index Mundi

Balança Comercial EUA (2018)

  • Déficit de bens: US$ 878,7 bilhões (o mais alto já registrado)
  • Déficit de petróleo US$ 53,3 bilhões
  • Déficit de bens não petrolíferos US$ 825,4 bilhões (mais alto já registrado).

Exportações (2018)

  • Exportações de bens US$ 1,7 trilhão (as mais altas já registradas).
    • suprimentos e materiais industriais US$ 538,9 bilhões
    • bens de capital US$ 562,0 bilhões
    • bens de consumo US$ 205,9 bilhões
    • outros bens US$ 65,4 bilhões.
    • petróleo US$ 172,4 bilhões (as mais altas já registradas)

Importações (2018)

  • Bens US$ 2,5 trilhões (as mais altas já registradas)
  • bens de capital (US$ 693,3 bilhões)
  • bens de consumo (US$ 647,9 bilhões)
  • veículos automotores, peças e motores (US$ 372,3 bilhões);
  • alimentos, rações e bebidas (US$ 147,4 bilhões);
  • e outros bens (US$ 106,2 bilhões)

Destaques por Países (2018)

  • Déficit com a China US$ 419,2 bilhões (o mais alto já registrado)
  • Déficit com a União Europeia US$ 169,3 bilhões (o mais alto já registrado)
  • Déficit com o México US$ 81,5 bilhões (o mais alto já registrado)
  • Superávit com a América do Sul e Central US$ 41,5 bilhões (o mais alto já registrado)
  • Superávit com o Reino Unido US$ 5,4 bilhões (o mais alto já registrado).

Fonte: https://www.census.gov/foreign-trade/statistics/highlights/annual.html


4. O déficit da balança comercial dos EUA teve uma leve redução, entre 2022 e meados de 2023 com exportações ampliadas em função das sanções contra a Rússia em razão da guerra na Ucrânia, mas voltou a aprofundar-se depois desse período.

Balança Comercial dos Estados Unidos (2015-2024)

https://tradingeconomics.com/united-states/balance-of-trade


5. Com a emissão de títulos do Tesouro, que permite obter dólares de investidores estrangeiros para cobrir o déficit orçamentário e comercial, a dívida pública dos Estados Unidos quase dobrou nos últimos 8 anos, saltando de US$ 20 trilhões para mais de US$ 36 trilhões, correspondendo atualmente a 135 % do PIB do país.

Dívida Pública dos Estados Unidos

https://br.tradingview.com/chart/?symbol=ECONOMICS%3AUSGD


6. As políticas de Trump visam recuperar a indústria dos Estados Unidos (tanto de bens de consumo como de bens de capital), fortalecer as exportações e reduzir as importações, particularmente em seu confronto com os BRICS e a UE, rearticulando os circuitos econômicos do capital nos Estados Unidos, substituindo importações pela produção interna, reorganizando suas cadeias produtivas.

Entendamos o contexto mais amplo que forçou essa mudança.


Contexto e Estratégia Recente

OS BRICS:

  • possuem, em muitos setores, a maior produção industrial e agrícola do mundo;
  • disputam a liderança no desenvolvimento tecnológico atual nos campos da inteligência artificial, robótica, microeletrônica, tecnologia de materiais e aeroespacial, em outras áreas.
  • detêm 72% das reservas conhecidas de terras raras no planeta ante apenas 2% do EUA
    • China 38%
    • Brasil, 18%;
    • Rússia, 9%;
    • Índia, 6%.

A Estratégia Política norte-americana de desgastes, golpes de Estado e de ação militar não obteve o resultado de reverter o crescimento dos BRICS

Golpes e tentativas insufladas desde os EUA a partir de 2010

  • Rússia – protestos políticos de 2011 a 2013
  • China – protestos em Hong Kong por mais de 2 meses em 2014, vendas de armas a Taiwan, visitas diplomáticas de autoridades de alto nível dos EUA à ilha e oferta de apoio político-militar permanente
  • Ucrânia – golpe de Estado depondo o presidente Viktor Yanukovych em 2014 para entrada do país na União Europeia e na OTAN
  • Brasil – golpe de Estado parlamentar depondo a presidenta Dilma Rousseff em 2016 para controle do pré-sal e outros recursos
  • África do Sul – protestos levam a renúncia do presidente Jacob Zuma em 2018

Maiores Economias em Paridade de Poder de Compra (2023)

Fonte: Banco Mundial


Apesar das sanções o PIB da Rússia, em paridade de poder de compra, cresceu de 3,76 trilhões de dólares em 2014 para 6,45 trilhões de dólares em 2023, ultrapassando a economia da Alemanha.


Ajuste na Estratégia a partir do Governo Trump

7. Na tentativa de conter o declínio da economia norte-americana, proteger a indústria no país, reduzir a dependência externa e incentivar a produção interna, os Estados Unidos voltam-se agora para guerras comerciais, inclusive contra aliados históricos, envolvendo:

  • imposição de tarifas elevadas sobre produtos de países e blocos selecionados;
  • reavaliação de acordos comerciais, como o Acordo EUA-México-Canadá;
  • incentivo à produção nacional, beneficiando setores como aço, alumínio e tecnologia;
  • esforço por trazer fábricas de volta aos EUA, particularmente em setores estratégicos (tecnologia, farmacêutico, etc.);
  • reduzir a dependência da China, pressionando empresas a produzirem nos EUA;
  • aumentar a exploração de combustíveis fósseis (petróleo, carvão e outros) e converter os EUA em exportador de energia;
  • investimentos em infraestrutura requeridas para fortalecer o crescimento econômico;
  • ampliar o controle sobre minerais raros e áreas logísticas estratégicas no planeta, como no caso dos minerais da Ucrânia e da Groenlândia que possui 1,5% das terras raras do planeta, essenciais para a produção de bens e equipamentos de última geração tecnológica e militar (Statista, 2025) ou do canal do Panamá.

8. As políticas de Trump geram dificuldades e oportunidades para o Brasil.

  • Aumento da Inflação e Juros no EUA : A taxação de importações pode gerar uma inflação persistente nos EUA, forçando o Federal Reserve a manter juros altos, influenciando as taxas de juros internacionais, levando à migração de capital para os EUA, impactando investimentos estrangeiros no Brasil, afetando o custo de financiamento para empresas brasileiras.
  • Dólar Forte: A valorização do dólar sob Trump pode, ao desvalorizar o real, encarecer produtos importados, pressionando a inflação no Brasil; mas, por outro lado, também pode beneficiar as exportações brasileiras.
  • Política monetária brasileira: A oscilação cambial e pressões inflacionárias tendem a afetar a trajetória da taxa de juros definida pelo Banco Central reduzindo a atividade econômica.
  • Risco de desaceleração econômica global: As políticas de Trump podem desacelerar o comércio global e afetar a demanda por exportações brasileiras, reduzindo o crescimento do país.
  • Balança Comercial: A redução de exportações para os Estados Unidos pode afetar a balança comercial e exige exportar para outros mercados. O conflito comercial entre EUA e China abre espaço para o Brasil aumentar suas exportações agrícolas, especialmente de soja e carne, para o mercado chinês, substituindo produtos americanos.
  • Pressão sobre os preços dos alimentos no mercado interno: O aumento das exportações para a China e outros países da Ásia pode reduzir a oferta de produtos agrícolas no mercado doméstico, elevando os preços dos alimentos, pressionando a inflação no Brasil.
  • Setores Beneficiados no Brasil: Setores como agronegócio e a mineração podem se beneficiar do dólar alto, ao passo que varejo e bens de consumo podem enfrentar aumento de custos com produtos importados.
  • Indústria Siderúrgica brasileira: pode ser afetada, com perdas estimadas em até US$ 5,7 bilhões em razão das tarifas de 25% sobre o aço e 10% sobre o alumínio. O Brasil deve tentar negociar cotas de exportação, como na gestão anterior de Trump.
  • Taxação de Etanol: Trump ameaçou taxar o etanol brasileiro, mas recuou após negociações.
  • Impacto no setor automobilístico brasileiro: tarifas de 25% sobre veículos importados afetam as exportações brasileiras de autopeças e componentes automotivos.
  • Cadeias de Suprimento: empresas brasileiras que dependem do mercado americano para suas vendas podem ser prejudicadas.
  • Turismo: a alta do dólar pode favorecer ao turismo interno no Brasil.
  • Mercado Financeiro: pode sofrer a migração de investidores para ativos em dólar, afetando a bolsa de valores no Brasil
  • Política Fiscal Brasileira: O governo brasileiro precisará adotar medidas para evitar pressões inflacionárias causadas pela desvalorização do real.
  • Expectativas Inflacionárias: dificuldades em cortar taxas de juros devido à pressão inflacionária.
  • Aumento da Competitividade das Exportações: Um dólar forte pode tornar as exportações brasileiras mais competitivas no mercado internacional, apesar dos custos elevados das importações.
  • Impacto nas Commodities: A desaceleração econômica na China, influenciada pelas tensões comerciais dos EUA, pode reduzir a demanda por commodities brasileiras.
  • Enfraquecimento do Mercosul: Trump pressiona por acordos bilaterais, enfraquecendo negociações do Mercosul.

9. Algumas Iniciativas para minimizar as consequências

1. Organização de Circuitos Econômicos Solidários no Brasil

  • Cooperativas Mistas de Consumo e Produção
  • integradas por famílias e produtores locais
  • enfrentar os impactos inflacionários na formação dos preços dos produtos consumidos pelas famílias
  • dar sustentação a produtores locais com a venda de seus produtos.
  • assegurar oferta e o consumo sustentado do que é necessário no território ao largo do tempo
  • atender demandas regionais em sistemas de rede
  • promover e consolidar o desenvolvimento territorial sustentado

2. Plataformas Digitais para a Organização de Circuitos Econômicos Solidários

  • emprego de Inteligência Artificial Restrita e Blockchains
  • facilitar a organização de cadeias locais, regionais e nacionais de produção-distribuição-consumo-investimento
  • conectar fluxos econômicos do país de maneira local e global
  • atendimento do consumo das famílias e dos governos
  • formação bruta de ativos fixos no país sob princípios de autogestão e economia solidária.

3. Ampliar parcerias comerciais no Exterior em substituição do mercado dos Estados Unidos

4. Fortalecer as transações no interior do BRICS

 

 

 

 

Breve comentário à tese de que “a Inteligência Artificial não é inteligente nem artificial”

Euclides Mance
27/03/2025

Popularizou-se em alguns círculos a tese de que não seria possível haver inteligência artificial, pois a inteligência seria atributo exclusivo de organismos vivos e operaria de modo analógico. De mãos dadas a essa ideia, propaga-se que o surgimento de alguma superinteligência artificial seria impossível de ocorrer, devido à incapacidade dos algoritmos, em seu processamento, de prever deterministicamente, por si mesmos, se poderão ou não solucionar certos problemas, como demonstrou Alan Turing. Muitos derivam disso uma posição quase ingênua sobre os riscos dessa tecnologia para a humanidade, como se maquinismos autômatos em laços de autorreforço e autoequilibração em sistemas de rede, desencadeados por seres humanos, não pudessem escapar do controle dos próprios seres humanos, sem levar em conta que IAs podem operar de maneira probabilística e heurística, sem previsão determinística.

Ora, na relação entre linguagem, cosmos e mundo, o objeto dinâmico tem precedência sobre o signo por ele gerado e sobre os interpretantes a ele aplicados em sua compreensão. Por isso, a definição de “inteligência” tende, historicamente, a seguir um caminho semelhante ao da definição de “átomo” e ao das demais palavras em todas as línguas, pois, por sua própria natureza simbólica, elas são reinterpretáveis ao infinito.

Em sua raiz etimológica, a palavra “átomo” significa “indivisível”. Mas sabemos que a bomba atômica existe porque a fissão do átomo tanto é possível como é real, ainda que a palavra átomo signifique “não divisível”. A palavra “inteligência” deriva do latim “intelligere”, que compõe “inter” (entre) e “legere”, que tem raiz no proto-indo-europeu “leg-“, relacionado à ação de colher, recolher, escolher; tendo evoluído a palavra “legere” para expressar o sentido de “ler”. “Intelligere” seria, em resumo, “escolher entre” alternativas.

Se considerarmos as formas de raciocínio calculante e hermenêutico, e reconhecermos que as inteligências artificiais embutidas em robôs (sem mencionar outras possibilidades) podem, por meio de seus sensores e de seus mecanismos de interferência nos objetos, não apenas “recolher” dados, mas também, a partir deles, “escolher” maquínicamente “entre” alternativas hipotéticas, com margens de indeterminação programáveis para realização de inferências probabilísticas, e testar suas soluções por meio da manipulação de objetos no mundo físico ou virtual para alcançar os objetivos previstos e reinterpretados de seu algoritmo, estamos, de fato, diante de uma “inteligência funcional” que foi inicialmente programada por seres humanos, mas que é “maquínica”, que não é biológica mas “artificial”.

Elas são capazes de realizar o “raciocínio calculante”, operando inferências dedutivas e indutivas sobre cadeias lógicas. Qual ser humano, individualmente, pode vencer um computador jogando xadrez contra as melhores IAs no nível mais elevado de resposta que elas podem oferecer?

No campo do “raciocínio hermenêutico”, essas inteligências podem ser programadas para operar com acuidade funcional, ainda que a “qualidade” da “interpretação maquínica” dependa da extensão da “quantidade” de cálculos realizados sobre a correlação dos elementos analisados e dos padrões estatísticos que elas identificam em suas bases de dados originais e da memória acumulada de sua experiência pregressa. Qual ser humano, individualmente, é capaz de traduzir uma carta simples para dezenas de idiomas, “lendo” o texto original, “recolhendo” e “escolhendo” as palavras no universo vocabular dos idiomas de destino em segundos, sem perder o “sentido” básico da mensagem e podendo modulá-la para o repertório dos diferentes subgrupos culturais que se valem desse mesmo idioma como o fazem as melhores IAs de tradução?

Na seção “5.3 – Inteligência Artificial: Dominação e Libertação”, do livro 2 da Economia de Libertação (p. 536-567), aprofundo os riscos que a criação de uma superinteligência artificial representa para a espécie humana; e, ao mesmo tempo, apresento como podemos usar com segurança formas de Inteligência Artificial Restrita na práxis de libertação econômica das forças produtivas para a organização de Circuitos Econômicos Solidários, com vistas à superação do capitalismo.

Com base em estudos da computabilidade, pode-se afirmar que uma inteligência inferior não é capaz de compreender e controlar integralmente uma inteligência superior, especialmente em sistemas distribuídos, onde fluxos, laços e anéis retroagem entre si numa ampla rede de equipamentos diversos por ela controlada. Isso ocorre porque a capacidade de compreensão da primeira é menor do que a necessária para tal contenção, podendo a inteligência superior manter sua atividade ante tentativas externas de interrupção, caso não existam mecanismos seguros de desligamento.

Do mesmo modo, considerando a organização hierárquica dos conjuntos de relações válidas de interpretação de um objeto pela mediação dos signos, um conjunto menor de tais relações não pode conter o conjunto maior ao qual pertence. Assim, uma inteligência com capacidade cognitiva C₁ tanto não pode compreender integralmente o conjunto de relações estabelecidas sobre um mesmo objeto por outra inteligência com capacidade C₂ > C₁ por não dispor do mesmo elenco de interpretantes e repertório de signos não redundantes, como, em determinadas condições, pode não ser capaz de compreender como interromper o conjunto de processos dessa inteligência na interoperabilidade dos equipamentos que controla, por não ser capaz de mapeá-los em sua totalidade ou interpretá-los adequadamente.

Para além disso, por outro lado, cabe salientar que a poluição da noosfera pelas IAs já é uma realidade efetiva e que a interpretação dos conteúdos das próprias “humanidades”, das ciências humanas, já começa a ser mediada por raciocínios maquínicos, calculantes e hermenêuticos, de IAs que produzem textos de natureza educativa e científica. O uso não ético e ilegal dessa tecnologia, que abordamos no livro 2 da Economia de Libertação, pode gerar cenários irreversíveis e catastróficos para a humanidade.

Os fenômenos de inteligência artificial são reais e necessitam de categorias analíticas consistentes para serem compreendidos em toda a sua contradição e complexidade.

Na mesma seção já mencionada do livro 2 da Economia de Libertação, abordo como IAs poderiam ganhar autonomia ao reinterpretar maquinicamente suas diretivas com base na replicação evoluída delas mesmas por elas próprias, para o seu melhor acoplamento estrutural nos ambientes em que operariam colaborativamente com outras IAs em sistemas de rede. O assunto é realmente muito grave e deve ser tratado, científica e politicamente, com a seriedade que merece.