Euclides Mance
02/10/2018
Numa sociedade democrática os diferentes partidos políticos representam diferentes projetos de país, que se expressam em diferentes programas e maneiras de realizá-los.
Quando o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) nasceu, ele possuía um programa social-democrata e uma identidade própria no quadro político do país. Entre os objetivos de seu programa estavam: “defesa da renda dos trabalhadores, combate à pobreza, universalização do acesso à escola, aos serviços de saúde e à seguridade, modernização do estado e estabilização da economia […] a democracia, a justiça, o desenvolvimento e a soberania nacional.” [1]
Por isso, no segundo turno das eleições de 1989, com base em seu Programa, o PSDB apoiou o PT, em oposição ao projeto político representado por Fernando Collor de Mello.
Alguns anos depois, entretanto, no transcorrer dos governos de FHC (1995-2002), o PSDB renunciou progressivamente à social-democracia que leva em seu nome e assumiu o ideário neoliberal, defendendo extensas privatizações, um Estado mínimo e a abertura irrestrita do país ao capital internacional visando a internacionalização do mercado interno. Tornou-se, na prática, um partido neoliberal, representando interesses dos diferentes setores do capital, particularmente o financeiro e o internacional.
Ao renunciar à sua identidade social-democrata e mover-se ao sabor dos ventos do grande capital, o PSDB passou a aglutinar e expressar as forças que eram contrárias ao projeto político e ao programa democrático e popular defendidos pelo Partido dos Trabalhadores.
Derrotado nas urnas pelo PT e fazendo uma oposição errante, o PSDB perdeu definitivamente sua referência interna de coesão programática, para tonar-se um partido organizado em torno das orientações pessoais de suas principais lideranças, simplificando, externamente, o seu discurso eleitoral, apresentando-se como o polo anti-PT.
Incapaz de derrotar eleitoralmente o projeto político petista de crescimento econômico com distribuição de renda e inclusão social, o PSDB, após quatro reveses consecutivos na disputa presidencial, conduziu o país ao trauma do impeachment, acolhido como um atalho para chegar ao poder. Coube ao partido, com seus vários ministérios no Governo Temer, entregar o pré-sal a grupos estrangeiros, privatizar refinarias e gasodutos, entregar o controle do satélite de defesa brasileiro a uma empresa norte-americana e aprovar várias reformas e medidas que eliminaram direitos dos trabalhadores, congelaram os gastos com saúde e educação por 20 anos e feriram a soberania nacional.
Com o fracasso retumbante do Governo Temer, o PSDB corre agora o risco de desaparecer como partido político e reduzir-se a uma sigla qualquer, após ter sido posto ao serviço de interesses de lideranças partidárias, que colocaram seus projetos pessoais acima dos interesses do país.
Veremos nas próximas semanas se o PSDB abdicará também do Democrático que leva em seu nome. Veremos se tomará posição, como partido, em defesa da democracia, orientando seus eleitores a não votarem em Bolsonaro/Mourão em razão destes defenderam tanto a legitimidade de um Autogolpe Militar, que poderia ser desfechado pelo presidente para conter a “anarquia” no país, quanto a possibilidade de elaboração de uma nova Constituição sem a participação de constituintes eleitos pelo povo, mas feita por “notáveis”, escolhidos pelo presidente para tornar o país governável; bem como, em razão dos seus elogios aos torturadores da última ditadura militar no Brasil e por defender que Pinochet deveria, no Chile, ter matado um maior número de opositores; enfim, em razão das posturas fascistas e preconceituosas defendidas por ambos.
Veremos se o PSDB aproveitará esse momento histórico para reassumir um projeto social-democrata em defesa da “renda dos trabalhadores” e não do lucro do capital financeiro, de “combate à pobreza” e não em defesa do capital internacional, de “universalização do acesso à escola, aos serviços de saúde e à seguridade” e não da privatização desses serviços, o que reduz o seu acesso a quem possa pagar por eles; em favor da “modernização do Estado e da estabilização da economia” que levaram o Brasil a 12 anos de crescimento econômico com distribuição de renda e inclusão social; em defesa da “democracia”, da “justiça”, do “desenvolvimento” e da “soberania nacional” e não do autoritarismo, da entrega das riquezas do país ao capital estrangeiro e do uso do poder judiciário para a prática da perseguição política, num Estado de exceção, que viola liberdades fundamentais dos cidadãos, a sua intimidade e vida privada, que viola a honra e a imagem das pessoas, solapando cada vez mais o Estado Democrático de Direito, para implantar, em seu lugar, um Estado Autoritário de caráter fascista, que exalta o uso das armas de fogo pela população para conter a violência com mais violência, com mais balas e vidas perdidas.
É hora do PSDB reencontrar o seu programa de origem, honrar os termos Social e Democracia que leva em seu nome e abandonar o caminho fácil de surfar nas ondas do mercado, do preconceito e da ignorância. Pois se não o fizer, estará extinto como partido político e terá se convertido apenas numa sigla coadjuvante de outra qualquer na encarnação do discurso preconceituoso anti-PT, afirmado na virulência de uma linguagem recheada de adjetivos grotescos; linguagem que, quanto mais chula, mais parece alcançar o inconsciente coletivo do ódio que se descarrega contra algum outro, convertido em bode expiatório de todos os males, dos quais o Brasil seria purificado com a eleição de um presidente fascista, vestido de verde e amarelo.