O Quebra-Cabeça do Golpe — Pré-Sal, Organizações Norte-Americanas e o Plano Temer

Euclides André Mance
Curitiba, 02/Abril/2016
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O que está ocorrendo no Brasil, em nossos dias, lembra o segundo momento da Primavera Árabe, mobilizado por forças externas e seus aliados internos. Um dos objetivos dessa agitação é a entrega das reservas de petróleo da camada pré-sal a grupos econômicos estrangeiros. Outro motivo, de ordem interna, é a tentativa de revogar direitos, assegurados por lei, que protegem os trabalhadores e as populações mais vulneráveis, visando com isso aumentar os lucros das empresas e os dividendos de seus acionistas. Os vários links nesse texto remetem a uma série de documentos, vídeos e projetos de lei que nos ajudam a montar esse quebra-cabeça.

 

A Entrega do Pré-Sal

O Brasil descobriu em 2007 uma gigantesca reserva de petróleo, abaixo do leito do mar na camada pré-sal, com um volume hoje estimado em 176 bilhões de barris. Na época, não havia tecnologia e processos apropriados para explorá-la de maneira rentável. Mas, em alguns anos, a Petrobras desenvolveu essas condições.

Então, no segundo Governo Lula, aprovou-se a Lei 12.351/2010, conhecida como Lei do Pré-Sal, que estabeleceu, no trato dessas jazidas, a Petrobras como única “responsável pela condução e execução, direta ou indireta, de todas as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento, produção e desativação das instalações de exploração e produção” (Art. 2, inciso 6). A lei criou também o Fundo Social, com valores arrecadados sobre as atividades de exploração da camada pré-sal, destinando 50% a programas e projetos direcionados ao desenvolvimento da educação no país (Art.57, §3).

Mas, a oposição ao governo, com as eleições de 2014, alterou a correlação de forças no Congresso. E, no ano passado, aprovou um projeto de lei no Senado, de autoria do senador José Serra (Projeto N.131/2015), alterando a Lei do Pré-Sal, eliminando a Petrobras como única operadora e permitindo que empresas estrangeiras (e isso inclui todas as norte-americanas) possam formar consórcios, explorar essas jazidas e enviar, nos termos do contrato, o petróleo extraído aos seus clientes (e isto inclui, igualmente, os Estados Unidos), bastando realizar os pagamentos previstos. Estabeleceu também que a participação da Petrobras, nos blocos de pré-sal, explorados pelos consórcios de que porventura faça parte, pode resumir-se a 30% do total.

Na justificativa desse projeto, José Serra afirma, entre outras coisas, que “as investigações da justiça sobre negócios da Petrobras que se desenrolam desde meados de 2014 […] têm afetado a estatal, gerando cancelamentos, atrasos e desorganização de suas atividades. A sucessão de escândalos […] criaram uma situação quase insustentável […] ” para alcançar as metas previstas. E, assim, dado o impacto da Operação Lava Jato sobre a empresa e as dificuldades que esta passou a enfrentar, o melhor seria extinguir a exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal e contar com os consórcios de empresas estrangeiras.

Após ter sido aprovado no senado, esse projeto foi então remetido à Câmara dos Deputados, originando o PL 4567/2016. Em síntese ele trata de “facultar à Petrobras o direito de preferência para atuar como operador e possuir participação mínima de 30% (trinta por cento) nos consórcios formados para exploração de blocos licitados no regime de partilha de produção”. Ora, facultar, em bom português, significa que ela pode ou não exercer o direito de preferência e, portanto, pode deixar de atuar como operadora na exploração do pré-sal nos blocos licitados.

Porém, há uma pedra no caminho para que esse projeto entre vigor. Mesmo sendo aprovado na Câmara, será necessário, em seguida, a sanção da Presidente da República para convertê-lo em lei. Mas isso, Dilma Rousseff não fará! O projeto será vetado!

O veto presidencial obrigaria a realização de uma sessão conjunta da Câmara e do Senado para apreciar os seus motivos, a constituição de uma comissão com parlamentares de ambas as casas para analisá-lo e apresentar um relatório ao Congresso sobre ele. Depois disso, o veto seria discutido em plenário e submetido a votação, somente podendo ser rejeitado por maioria absoluta. E, dada a pressão popular, seria muito difícil conseguir a rejeição do veto e a aprovação da nova lei.

Por isso, torna-se mais seguro realizar o impeachment da presidente Dilma e empossar, em seu lugar, alguém que esteja disposto a sancionar, sem resistência, a entrega dos blocos do pré-sal às empresas do Império e às suas consorciadas.

 

Organizações Norte-Americanas e o Golpe

Mas como derrubar um presidente? Ao que parece, a mesma tática usada no segundo momento da Primavera Árabe está sendo adotada atualmente no Brasil, com grandes mobilizações de rua e com a colaboração de forças econômicas e ideológicas externas e internas.

A organização, sediada em Washington, chamada Students for Liberty afirma em seu website que um de seus coordenadores locais em nosso país, Kim Kataguiri, que também é coordenador nacional do Movimento Brasil Livre, “está mudando o Brasil para melhor“. E a prova disso são as grandes manifestações de rua e as ações pela deposição da presidente Dilma, impulsionadas por esse movimento.

Na foto dessa mesma matéria, Kataguiri aparece com uma camiseta cuja frase sintetiza um dos objetivos principais do movimento: “Brasil livre é Brasil sem PT”.

Em entrevista ao The Guardian, ele afirma que, embora o governo e setores da imprensa digam o contrário, o movimento não tem qualquer grande patrocinador. Mas quais são as relações do Movimento Brasil Livre (MBL) com o Estudantes Pela Liberdade (EPL) e desta organização com seus patrocinadores externos, resultando, ao final, que lideranças do MBL, que são coordenadores do EPL, sejam apoiados com recursos estrangeiros advindos das organizações Atlas e Students for Liberty?

Juliano Torres, diretor executivo do EPL, esclarece o assunto numa entrevista à jornalista Marina Amaral: “Quando teve os protestos em 2013 pelo Passe Livre, vários membros do Estudantes pela Liberdade queriam participar, só que, como a gente recebe recursos de organizações como a Atlas e a Students for Liberty, por uma questão de imposto de renda lá, eles não podem desenvolver atividades políticas. Então a gente falou: ‘Os membros do EPL podem participar como pessoas físicas, mas não como organização para evitar problemas’. Aí a gente resolveu criar uma marca, não era uma organização, era só uma marca para a gente se vender nas manifestações como Movimento Brasil Livre. Então juntou eu, Fábio [Ostermann], juntou o Felipe França, que é de Recife e São Paulo, mais umas quatro, cinco pessoas, criamos o logo, a campanha de Facebook. E aí acabaram as manifestações, acabou o projeto. E a gente estava procurando alguém para assumir, já tinha mais de 10 mil likes na página, panfletos. E aí a gente encontrou o Kim [Kataguiri] e o Renan [Haas], que afinal deram uma guinada incrível no movimento com as passeatas contra a Dilma e coisas do tipo”

Conforme a reportagem de Marina Amaral, “remunerado por seu cargo na EPL, Juliano conta que tem duas reuniões online por semana com a sede americana e que ele e outros brasileiros participam anualmente de uma conferência internacional, com as despesas pagas, e de um encontro de lideranças em Washington. O budget do Estudantes pela Liberdade no Brasil deve alcançar R$ 300 mil este ano [2015]“.

A estratégia de impulsionar movimentos políticos internos a partir de organizações e recursos do exterior tem sido recorrente contra governos populares na América Latina. E outros governos já foram depostos com esse método.

Conforme Marina Amaral, na mesma reportagem, os treinamentos das lideranças da organização Students for Liberty “são realizados em parceria com outras fundações, principalmente o Cato Institute, a Charles G. Koch Charitable Foundation e o Institute of Human Studies – fundações ligadas à família Koch […]. Juntas, as 11 fundações dos Koch despejaram 800 milhões de dólares nas duas últimas décadas na rede americana de fundações conservadoras. Outra parceira importante é a John Templeton Foundation […] Essas fundações têm orçamentos bem maiores do que a Atlas e desenvolvem programas de fellowships em que entram com recursos e a Atlas, com a execução. Um exemplo desses projetos é o financiamento da expansão da Rede Students for Liberty com recursos da John Templeton, fechado em 2014 com mais de US$ 1 milhão de orçamento.

Pedro Menezes, Fundador e ex-conselheiro executivo do Estudantes Pela Liberdade, afirma que “os irmãos Koch de fato doaram algum dinheiro ao Instituto CATO, mas desde 1998 foram ‘apenas’ U$ 3,3 milhões – e digo apenas, […] porque o Instituto CATO tem uma receita anual de U$ 50 milhões de dólares[…]“.

Frente a essa teia de organizações, propósitos e financiamentos para deixar claro o que eu penso sobre isso é importante enfatizar que a liberdade de opinião e de organização em nosso país estão consagradas na própria Constituição. Seu Art. 220 afirma que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.” E seu § 2º determina que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” De fato, quanto maior a diversidade de ideias em diálogo e quanto maior o respeito pela dignidade humana e pelos direitos de cada pessoa, mais rico será o debate político em nosso país. Entendo, igualmente, que não há qualquer problema em organizações nacionais realizarem convênios com financiadores estrangeiros, para a realização de seus projetos, respeitada a legislação pertinente. Mas, se a Students for Liberty é uma organização internacional ou estrangeira e seus coordenadores no Brasil atuam abertamente para depor a presidente do país e para combater a um determinado partido político, isso não caracterizaria claramente uma violação da lei?

Imagino que uma parte dos jovens líderes do Movimento Brasil Livre, que são coordenadores do Students for Liberty, não têm uma compreensão mais ampla do momento histórico que estamos vivendo e das implicações do que estão fazendo em relação ao conjunto dos direitos fundamentais, sociais e dos trabalhadores estabelecidos em nossa Constituição. Igualmente, a propagação da intolerância política e ideológica semeada no país, como instrumento para depor um governo e aniquilar um determinado partido, tende a prosperar, mais adiante, em diferentes práticas de autoritarismo, associadas a diversos tipos de preconceitos e violências.

Por outra parte, considerando o Movimento Brasil Livre, uma pergunta se impõe: promover ações de mobilização política em favor do impeachment da presidente, com o aval e o suporte de organizações estrangeiras na manutenção de seus principais quadros, não violaria a Constituição ou alguma outra lei no país?

Dado que o Movimento Brasil Livre deve lançar, segundo a Gazeta do Povo, mais de cem candidatos na próxima eleição em 23 estados da Federação, pelo PSDB, Partido Novo, DEM, PSD, PSC e PPS, ele já não operaria na prática como uma espécie de partido político sem personalidade jurídica? Não haveria, portanto, a violação do Art. 17 da Constituição que veda a organizações dessa natureza o “recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes”, caso se comprove que essas lideranças são apoiadas com recursos vindos do exterior? Se entendido fosse que lançar mais de cem candidatos através de diferentes partidos se caracteriza como ação político-partidária, isso não violaria o Art. 28 da Lei Nº 9.096/1995, que tipifica como infração “ter recebido ou estar recebendo recursos financeiros de procedência estrangeira” para a realização da atividade política?

No seminário sobre Economia Política realizado pelo Cato Institute, nos Estados Unidos, em julho de 2015, Kim Kataguiri e Pedro Ferreira, na condição de Líderes do Movimento Brasil Livre, discorreram sobre as ações pró-impeachment no país.

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Trataram também do recrutamento e treinamento dos jovens para atuar politicamente nesse movimento.

Um dos pontos da estratégia apresentada é realizar lobby em Brasília — isto é, persuadir os parlamentares e outras autoridades a agirem em favor de objetivos do Movimento. A prática de lobby é comum nos Estados Unidos. E os irmãos Charles e David Koch se destacam nesse modo de atuação. A tal ponto chegou a interferência de seu poder econômico na política norte-americana, que o Partido Democrata desfechou uma ação nacional em seu enfrentamento.

Em entrevista à Time, Kataguiri afirmou que o objetivo desejado pelo movimento é “liberalizar o Estado. Nós queremos menos impostos, menos burocracias e a privatização de todas as empresas públicas.” A mesma afirmação, com variações, aparece no The Guardian: “Nós defendemos o livre mercado, impostos mais baixos e a privatização de todas as empresas públicas. Por sua vez, em entrevista à Liberty Conservatives, ele detalha aspectos dessa abordagem. Mas não poderia ser mais explicito nisso: busca-se “a privatização de todas as empresas públicas.” Portanto, os líderes do movimento desejam privatizar, igualmente, a Petrobras, empresa estatal de economia mista que tem o governo brasileiro como acionista majoritário.

Dado que, em inglês, essas lideranças são referidas como “members of the libertarian Movimento Brasil Livre” e como o Libertarian Party é um dos patrocinadores do Students for Liberty, parece interessante confrontar as posições gerais do Movimento com a plataforma desse partido, que teve o bilionário David Hamilton Koch como candidato a vice-presidente dos Estados Unidos em 1980. Os irmãos Koch possuem uma fortuna de US$ 80 bilhões, atuando na área de petróleo, química e commodities, sendo proprietários de refinarias no Texas, Alaska e Minnesota e controladores de 4 mil milhas de oleodutos. As reservas do Pré-Sal no Brasil, seguramente, não estariam fora de seu radar de negócios.

Alguns itens da plataforma do Libertarian Party, foram assim defendidas por David Koch em 1980:

Queremos a revogação do financiamento público de campanhas eleitorais […].

Somos contra qualquer imposto de renda, pessoal e empresarial, incluindo os impostos sobre ganhos de capital.

Apoiamos a revogação de todas as leis que impedem as pessoas de conseguirem emprego, tais como as leis do salário mínimo.

Exigimos a privatização do sistema ferroviário […], das estradas públicas e do sistema rodoviário nacional.

Apoiamos o fim de todos os subsídios para o cuidado dos filhos que há em nossas leis atuais, inclusive os serviços de bem-estar e outros orientados para crianças e mantidos com impostos.

Nos opomos a todos os serviços oficiais de bem-estar, aos projetos de apoio e a todos os programas de “ajuda aos mais pobres”. Todos esses programas são paternalistas, atentam contra a privacidade das pessoas e são ineficientes.

Defendemos a abolição da Agência de Proteção Ambiental.

Exigimos a privatização de todos as vias fluviais navegáveis e de todos os sistemas de distribuição que levam água a indústrias, à agricultura e aos lares.

Como se pode ver, há uma coincidência entre várias propostas do Libertarian Party e do Movimento Brasil Livre, particularmente na defesa das privatizações, redução de impostos e no combate aos programas sociais.

O senador norte-americano Bernie Sanders destaca, referindo-se aos Estados Unidos, que “a agenda dos irmãos Koch, visa revogar todas as principais leis votadas e aprovadas ao longo dos últimos 80 anos que protegeram a classe média, os idosos, as crianças, os doentes e os mais vulneráveis neste país“.

Aqui no Brasil, por sua vez, a tentativa de revogação de vários direitos sociais e trabalhistas, almejada pelas lideranças do Movimento Brasil Livre e pelas forças empresariais do movimento pró-impeachment, nos leva diretamente ao Plano Temer.

 

O Plano Temer e o Desmonte das Conquistas Sociais no Brasil

O Impeachment não se resume ao tema do Petróleo e da subordinação da economia brasileira a interesses de grupos econômicos internacionais. Inclui, igualmente, o desmonte dos direitos sociais e trabalhistas para atender aos interesses dos grupos patronais internos, cujas Federações de Indústria e entidades empresariais têm apoiado economicamente a propaganda desse movimento em veículos de comunicação, organizado eventos, almoços e jantares com a participação de juízes e políticos, têm espalhado milhares de patos de borracha em diferentes lugares como simbolo do movimento, apoiado lideranças pró-impeachment e insuflado as mobilizações pela deposição do atual governo.

Michel Temer, o vice-presidente que viria a assumir o posto de Dilma com a vitória do impeachment, publicou seu plano de governo, por assim dizer, no ano passado. E agora sua equipe desenvolve o Plano Temer 2. O senador Roberto Requião fez uma análise crítica, bastante detalhada, dessas propostas. O Plano engloba vários projetos de lei que estão em tramitação, muitos dos quais poderiam ser aprovados rapidamente pelo novo governo. Em sua essência, o Plano desmonta a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, põe fim à exclusividade da Petrobras na exploração do pré-sal e abre brechas para a transferência de todos os ativos do Estado brasileiro para a iniciativa privada, inclusive a Petrobras.

Aqui citamos apenas sete pontos do Plano Temer e alguns de seus principais impactos.

[1] “na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos”

O resultado dessa proposta é o fim da CLT. Pois, o que for negociado nas convenções ficará acima do que está previsto nas normas legais. Isso contraria a própria Constituição, pois ela não estabelece Direitos Básicos, mas sim Direitos Fundamentais (Art. 5), Direitos Sociais (Art.6) e Direitos dos Trabalhadores Urbanos e Rurais (Art.7).

O que acontecerá, pois, com os direitos estabelecidos no Art. 7 da Constituição e regulamentados por lei, que incluem direito ao salário mínimo, férias, jornada de trabalho normal não superior a oito horas diárias, repouso semanal remunerado, férias anuais remuneradas, proteção contra demissão arbitrária, aviso prévio, seguro-desemprego, fundo de garantia, piso salarial, décimo terceiro salário, salário-família, participação nos lucros, licença à gestante, licença-paternidade, aposentadoria e vários outros? Esses direitos serão objeto de alguma Emenda Constitucional? Serão suprimidos ou apenas esvaziados com a aprovação de algum projeto, similar ao Projeto de Lei 4330/2004, que expande o conceito de trabalho terceirizado e que foi aprovado na Câmara em abril do ano passado, suprimindo vários direitos dos trabalhadores, enquanto as atenções da sociedade brasileira se voltavam às mobilizações pró-impeachment e aos vazamentos da Lava Jato?

Implantado o Plano Temer, se houver uma negociação salarial homologada que estipule um salário de valor inferior ao estabelecido por lei, tal acordo será válido, pois a convenção irá prevalecer sobre a norma legal.

[2] “fim de todas as indexações, seja para salários, benefícios previdenciários e tudo o mais.”

Com isso, elimina-se a indexação de qualquer benefício ao salário mínimo. Assim os valores das aposentadorias e auxílios a pessoas em condição de vulnerabilidade poderão ser estipulados independentemente do valor do salário mínimo. Na prática o salário mínimo deixaria de ser elemento determinante para a definição dos salários vigentes no país, abrindo-se a possibilidade dos aposentados receberem menos de um salário mínimo.

[3] “executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de preferência”

Transferência de ativos públicos à iniciativa privada é outro modo de se referir à privatização desses ativos. Quais deles serão transferidos à iniciativa privada, isto é, privatizados? A parcela da Petrobras, que cabe à União, estará incluída entre eles, como desejam as lideranças do Movimento Brasil Livre, que lutam pelo impeachment e defendem a “privatização de todas as empresas públicas“?

Sobre o retorno ao regime anterior de concessões na área de petróleo, a medida prevê claramente revogar o regime aprovado no Governo Lula, que estabeleceu a exclusividade da Petrobras na exploração da camada pré-sal. Esse retorno ao regime anterior não vai na mesma linha do PL 4567/2016 do senador José Serra?

[4] “construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público;”

Como há uma redução de receitas do Governo Federal em razão da crise econômica, esse equilíbrio será realizado cortando gastos. Mas, seguramente, não serão cortados os pagamentos da dívida pública, que remuneram investidores privados com as taxas de juros praticadas pelo Governo, e sim os gastos de custeio e das políticas sociais, afetando os serviços oferecidos à classe média e às populações mais pobres do país.

[5] “estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que engessam o orçamento

Com a eliminação das vinculações e indexações, cria-se um novo regime orçamentário, que põe fim ao modelo atual de financiamento da Educação e da Saúde Pública. Por outra parte, a evolução das despesas de custeio, necessárias à prestação de serviços de saúde, educação, etc, será sempre menor que o crescimento do PIB para que sobre mais recursos para o pagamento das dívidas aos especuladores.

[6] “realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles.”

Assim, ao invés de fortalecer o Bloco dos Brics ou o Mercosul, a proposta busca a inclusão do Brasil, de forma subordinada e plena, aos acordos de investimento que os Estados Unidos hegemonizam no âmbito da Ásia e no Atlântico Norte. Tem-se uma regressão nos acordos do Mercosul em favor de acordos com a Europa e os Estados Unidos.

[7] “promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados; “

Com a alteração dos licenciamentos ambientais, simplificando-os e agilizando-os para facilitar investimentos do capital nacional e internacional, o Brasil poderá, de fato, retroceder muito nas poucas conquistas que tivemos nessa matéria, a duras penas, nos últimos governos. O vazamento da lama da Samarco e da Vale do Rio Doce é uma prova cabal de como a simplificação de assuntos complexos e a falta de um monitoramento público sobre as ações dessas empresas privadas podem gerar impactos irreparáveis, a comunidades humanas e aos ecossistemas.

 

Juntando as Peças do Golpe

A unidade em torno do impeachment compõe diferentes grupos. Entre eles estão os grupos econômicos que querem tirar proveito da derrubada do atual governo para avançar na conquista de seus interesses. Mas também grupos de políticos corruptos, que esperam, com um novo governo, por fim à Operação Lava Jato e às diversas operações de combate à corrupção no país — ou, talvez, aperfeiçoar o uso dessas operações como instrumento de perseguição política visando combater os seus adversários.

De fato, a desinformação é a arma principal do golpe, pois a maioria da população ainda não percebeu o que está em jogo e quem está por trás do movimento pró-impeachment.

Todos os dias se fala em Lava Jato e crimes de corrupção. Mas, o processo do impeachment contra Dilma nada tem a ver com a Operação Lava Jato. Qual seria seu crime? Afirmam as forças golpistas que é um crime de responsabilidade fiscal.

Mas conclua o leitor por si mesmo. Os programas de transferência de renda do Governo Federal incluem, entre outros, o Bolsa Família e o Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais, que atendem a famílias com renda mensal de até R$ 70 por integrante. A União tem um contrato com bancos públicos que atuam como operadores no serviço de pagamento dessas transferências de renda. Dada a crise econômica que afeta a arrecadação de impostos, o Governo Federal, em vários meses, não arrecadou o que estava previsto no orçamento e não integralizou, em sua totalidade, o repasse mensal previsto a esses bancos. Eles, entretanto, mantiveram a pontualidade do pagamento dos benefícios, como previsto no contrato de prestação de serviços firmado com a União, ficando a diferença não integralizada como crédito a receber. Com a arrecadação do período seguinte e remanejamento de despesas, o Governo realizou a cobertura dos pagamentos previstos e a integralização dos repasses anteriores. Este mesmo mecanismo foi usado no passado pelos governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula. O Tribunal de Contas da União – TCU não questionou essa metodologia nos anos de 2011, 2012 e 2013, mas a questionou, em 2015, com relação às contas de 2014, propondo que ela fosse alterada para evitar a existência de saldos maiores em favor dos bancos ou da União. O governo, então, alterou a metodologia, acolhendo todas as proposições do TCU.

Mas, a oposição afirma que houve crime de responsabilidade fiscal, considerando que o serviço de transferência de renda foi mantido pelos bancos públicos em períodos de baixa arrecadação de impostos pela União quando esta não integralizou a totalidade do repasse aos bancos. E, por isso, haveria que depor-se a presidente, como bem detalha o texto de Igor Fuser. Mas, mesmo que, confundindo-se o direito de crédito com operação de crédito, essa prática fosse equivocadamente considerada criminosa, ainda assim tal crime não seria enquadrável naquilo que a Lei 1.079/1950 prevê como crime de responsabilidade, pois os limites do orçamento aprovado pelo Congresso foram sempre respeitados.

Infelizmente, entretanto, nesse momento histórico que atravessamos, o verdadeiro debate político ficou soterrado sob a avalanche de acusações de corrupção, propagadas pelas mídias de massa, projetando o protagonismo de lideranças políticas que mobilizam a sociedade em favor de propostas e interesses de grandes grupos econômicos, nacionais e internacionais. Tais grupos econômicos se associaram na luta pelo impeachment da presidente Dilma. Seu objetivo é dar posse a um outro presidente, comprometido em sancionar todos os projetos de lei que estão sendo aprovados no Congresso Nacional no atendimento dos seus interesses.

Cabe ao povo ir para as ruas e pressionar os parlamentares, especialmente os indecisos, para que esse golpe não ocorra, para impedir que os blocos do pré-sal sejam entregues a consórcios estrangeiros e para impedir que as conquistas sociais, duramente alcançadas em mais de um século de lutas pela classe trabalhadora em nosso país sejam sepultadas com a execução do Plano Temer.

O que está em curso no Brasil é um golpe contra o nosso povo e contra a soberania nacional na área energética. O impeachment da presidente Dilma, sem crime de responsabilidade comprovado, é um golpe de Estado e como tal deve ser repelido por todos os brasileiros que defendem a democracia em nosso país!!

Publicado em:

http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/golpe.pdf

http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/golpe.htm

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