Euclides Mance*
18/02/2024
No dicionário Michaelis a primeira definição de genocídio é: “destruição total ou parcial de um grupo étnico, de uma raça ou religião através de métodos cruéis”. Caberia então perguntar: o povo palestino pode ser caracterizado como um grupo étnico? Sim, pois culturalmente possui uma identidade própria como povo. Nesse exato momento, na Faixa de Gaza, não está ocorrendo a destruição parcial, não apenas de casas, escolas e hospitais, mas da própria população palestina? Mulheres, adolescentes e crianças não estão sendo mortos, aos milhares, por ações militares do Estado de Israel, com seus bombardeios e incursões terrestres? Alguém poderia dizer que corpos fragmentados de mulheres e crianças, que foram impactadas por bombas enquanto dormiam em suas casas ou já longe delas, em razão do êxodo imposto a mais de um milhão de palestinos pelo Estado de Israel, não são corpos destruídos de seres humanos, não são corpos de famílias destruídas, não são corpos de pessoas de um mesmo povo que possui sua identidade étnica? Os milhares de mutilados podem dizer que os seus corpos foram parcialmente destruídos e que suas vidas foram destruídas, que suas famílias foram destruídas, que seus lares foram destruídos, que seu povo está sendo parcialmente destruído. Com base na primeira definição de genocídio do dicionário Michaelis, com respeito ao emprego usual desse termo na língua portuguesa, não haveria um genocídio em curso em Gaza? Faltaria ainda algum requinte a mais de crueldade no método adotado pelo Estado de Israel, seja para evacuar territórios pelo terror das bombas que serão lançadas sobre eles, seja para impedir a chegada de ajuda humanitária, a chegada de alimentos e remédios, a famintos e feridos?
O presidente Lula, corajosamente, falando de mulheres e crianças mortas pelas forças do Estado de Israel, questionou: “[…] eu fico imaginando qual é o tamanho da consciência política dessa gente e qual é o tamanho do coração solidário dessa gente que não está vendo que na Faixa de Gaza não está acontecendo uma guerra, mas um genocídio. De que não é uma guerra entre soldados e soldados, é uma guerra entre um exército altamente preparado e mulheres e crianças. […] O que está acontecendo na Faixa de Gaza e com o povo palestino não existe em nenhum outro momento histórico. Aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus. […] Quem vai retribuir a vida de 30.000 pessoas que já morreram, 70.000 que estão feridos? Quem vai devolver a vida das crianças que morreram sem saber por que estavam morrendo? Isso é pouco para mexer com o senso humanitário dos dirigentes políticos do planeta?”
O paralelo, feito pelo presidente Lula, é claro: a morte de mulheres e crianças em contextos de genocídio. Mulheres e crianças foram mortas pela ação de um Estado inspirado pelo nazismo e, hoje, mulheres e crianças são mortas pela ação de um Estado inspirado pelo sionismo. O paralelo feito pelo presidente Lula não é religioso, mas humanitário. Todos os direitos humanos de todos os seres humanos devem ser respeitados, tanto de israelenses quanto de palestinos. O presidente Lula, em suas falas, condenou as ações terroristas do Hamas. E, igualmente, condenou as ações do Estado de Israel, que desrespeitam direitos inalienáveis não apenas ao povo palestino mas a todos os seres humanos; ações pelas quais o Estado de Israel está sendo julgado no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, mais alta corte da ONU. Quem restituirá a vida de 30 mil palestinos mortos? Quem restituirá, a mulheres e crianças sobreviventes, os membros que lhes foram mutilados pela violência da Guerra? Quem restituirá às crianças, que ficaram órfãs, seus pais e mães que foram mortos pelas ações militares do Estado de Israel?
A coragem do Presidente Lula não lhe faltou – e acreditamos que não lhe faltará – na defesa das mulheres e crianças palestinas, na defesa do povo palestino, para que se ponha fim ao genocídio em curso na Faixa de Gaza.
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* Euclides Mance é filósofo e autor do livro “Filosofia da Libertação” (Conhecer, 2022).